(O Globo) A cena urbana brasileira traz vestígios de uma sociedade que viveu 300 anos com a escravidão, tão evidentes sinais que se banalizaram e raramente os percebemos.
Uma família entra no restaurante com os senhores à frente, o casal mais jovem um pouco atrás, e depois de todos vem a babá vestida de branco segurando a criança. A cena em tudo lembra os quadros de Debret.
Esse é o valor da nota do Ancelmo Gois esta semana sobre a proibição dos clubes Caiçaras e Paissandu de entrada de babás não uniformizadas em suas dependências. O Jockey e o Piraquê fazem a mesma exigência.
Ao colocar o dedo na ferida, a coluna do meu colega abriu a boa polêmica. O branco usado pelas babás tem o objetivo de marcar a divisão entre as pessoas e deixar explícito a que grupo social elas pertencem.
Como disse D., que aos 37 anos tem 20 anos de trabalho, ouvida pelo GLOBO, a roupa branca não é prática. “As crianças brincam no parquinho com areia e se sujam. Como nossas roupas são brancas e elas vão para o nosso colo, ficamos também imundas.” Ela reclama também da falta de nome próprio. “As crianças só nos chamam de babá.”
D., que não disse o nome por motivos óbvios, desconfia que a cor escolhida “é para separar empregadas de patroas”. Desconfiança acertada a de D. A cena descrita no primeiro parágrafo desta coluna é costumeira nos restaurantes da Zona Sul do Rio e em outros centros urbanos brasileiros.
Os clubes reagiram e disseram que não é discriminação, mas padronização. Que padrão? Uma sócia do Paissandu disse que se houver algum acidente com a criança a babá será facilmente identificada. Argumento desprovido de sentido.
O Brasil é o país que tem maior número de empregadas domésticas do mundo, segundo recente estudo divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). São mais de 7 milhões de pessoas; 93%, mulheres; 61%, negras. Mais de 350 mil têm entre 10 a 17 anos.
Acesse em pdf: Empregada só entra de uniforme, por Miriam Leitão (O Globo – 19/01/2013)
(Blog do Sakamoto) Babá que é obrigada a ir uniformizada à praia ou ao clube com os filhos dos patrões choca muita gente. Parece que o objetivo do desnecessário uniforme em um espaço público é deixar claro quem é quem nesse grande teatro social. Tanto que a ONG Educafro está defendendo, no Rio de Janeiro, que essa imposição do uniforme branco deixe de vigorar. Clubes refutam dizendo que se os sócios quiserem vir com babá em roupa normal, tudo bem, desde que usem sua cota de entrada para “convidados”.
Melhor seria colocar a hipocrisia de lado e amarrar logo uma bola com correntes ou tatuar no braço o nome da família-proprietária da pessoa em questão. Com henna, é claro, para poder apagar e registrar outro nome depois. Porque o trabalhador pode até ter obtido a garantia legal da liberdade em maio de 1888, contudo, não raro, segue como instrumento descartável de trabalho.
Acesse a íntegra em pdf: Uma babá sem uniforme. Um clube rico com a mesma quantidade de brancos e negros (Blog do Sakamoto – 18/01/2013)
(O Globo) Em entrvista, a economista Hildete Araújo analisa a segregação que a sociedade impõe à classe, como ao exigir que babás usem uniforme.
Por que há segregação da classe?
Isso desperta atenção de quem estuda o mercado de trabalho e as questões de gênero também. As atividades domésticas são o grande bolsão de emprego das mulheres. São 6,7 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, e 94% deles são mulheres. Trata-se de uma atividade fortemente sexuada. Esse é o lugar da mulher, uma posição desvalorizada, invisível e de elevadíssima desproteção. Mesmo com todos os incentivos do governo para que a carteira das domésticas seja assinada, 71% delas continuam na informalidade. Ainda tem a questão da cor. De cada três domésticas, duas são pardas ou negras. Ou seja, a classe é formada por mulheres negras, com baixa escolaridade. São pessoas muito vulneráveis. Os clubes refletem um entendimento geral de que o trabalho de cuidar de crianças, como é feito por mulheres, não é tão importante.
Acesse a íntegra em pdf: Estudiosa: exigência de uniforme para babás é questão de status (O Globo – 19/01/2013)
(O Estado de S. Paulo) Se confiarmos no atual estado de desassossego dos bairros nobres da cidade, concluiremos que a luta de classes chegou às cozinhas. Patroas descobrem aflitas que as empregadas não aceitam mais receber um salário-mínimo. Além dos direitos garantidos, como férias de 20 dias úteis e vale-transporte, elas passaram a demandar o seguro-desemprego. Faltam braços e afloram comportamentos inusitados: suprema audácia, as domésticas requerem o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e recusam-se a dormir no trabalho. Remanescente arquitetônico dos tempos da casa-grande, o cubículo dos fundos dos apartamentos paulistanos está lentamente mudando de serventia e vira depósito.
Acesse a íntegra em pdf: Desassossego na cozinha, por Ruy Braga (O Estado de S. Paulo – 19/01/2013)