(Folha de S.Paulo) Schwartsman não concorda com a minha posição kantiana de que, ao alugar o útero de uma mulher pobre da Índia, os ricos do Ocidente estão na verdade a explorá-la.
A posição de Schwartsman pende para uma posição mais consequencialista –e aqui ele usa o “princípio do dano” de John Stuart Mill: “se um acordo é desejado pelas partes e não prejudica terceiros, não cabe ao Estado interferir”.
Em teoria, Schwartsman tem razão –e eu subscrevo esse princípio. Acontece, porém, que o “princípio do dano” não se aplica às “barrigas de aluguel” por dois motivos.
Primeiro, porque existe uma parte terceira no acordo cujos interesses não foram tidos em conta.
Segundo, porque o “princípio do dano” só funciona quando reconhecemos que os indivíduos habitam o mesmo planeta (ou, como diria Stuart Mill, a mesma “comunidade civilizada”).
Uma família afluente do Ocidente rico e uma mulher pobre da Índia não habitam esse planeta. O acordo pode ser “voluntário”; a mulher indiana pode até ficar melhor do que anteriormente, como escreve Schwartsman.
Mas o ponto de partida é dramaticamente desigual. Há, por assim dizer, um “desequilíbrio de autonomias” que vicia esse acordo. É também por isso que “alugar os músculos por 12 horas diárias ao longo de toda a vida” é uma exploração e um crime. Mesmo que o dono desses músculos aceite alugá-los a um qualquer capataz vitalício.
Acesse artigo completo em pdf: Barrigas de aluguel, revisitadas, por João Pereira Coutinho (Folha de S.Paulo – 12/02/2013)
____________________________________________________________________________
(Folha de S.Paulo) É certo que a mãe de aluguel só topou a empreitada porque era indianamente pobre. Mas não vejo diferença crucial entre ceder o útero por nove meses ou alugar os músculos por 12 horas diárias ao longo de toda a vida, como fazem muitos trabalhadores indianos. Se há um problema moral na barriga de aluguel, ele também existe no trabalho assalariado.
Fora de compêndios filosóficos, é difícil seguir uma linha totalmente principista, como a de Kant, ou puramente consequencialista, mas pendo para a segunda. Se um acordo é desejado pelas partes e não prejudica terceiros, não cabe ao Estado interferir.
Acesse artigo completo em pdf: Leasing uterino, por Hélio Schwartsman (Folha de S.Paulo – 09/02/2013)
____________________________________________________________________________
(Folha de S.Paulo) Anand [na Índia] é conhecida como a capital mundial da barriga de aluguel. É lá que fica a Clínica Akanksha, da médica Nayana Patel, onde nasce um bebê de barriga de aluguel a cada três dias. Desde 2004, 584 bebês de “mães de aluguel” nasceram na clínica.
Grande parte dos casais que buscam ajuda de Nayana é de americanos, britânicos, japoneses e canadenses.
Patel oferece o pacote completo: óvulos de doadora para quem não consegue conceber com os próprios, inseminação artificial e as “barrigas de aluguel” -as grávidas vivem todas juntas em uma casa, para que a médica possa acompanhar a alimentação e fazer os exames.
O grande chamariz é o custo. Enquanto nos EUA ter um filho com barriga de aluguel não sai por menos de US$ 60 mil, na Índia custa a partir de US$ 20 mil. No Brasil, cada tentativa de fertilização sai entre R$ 15 mil e R$ 20 mil. Cessão de útero e doação de óvulos só podem ser feitas sem fins comerciais.
A Índia se tornou uma meca para o “outsourcing” de gravidez. Há cerca de 1.500 clínicas de reprodução assistida no país, que movimentam US$ 2 bilhões por ano.
Acesse em pdf: Barrigas de aluguel (Folha de S.Paulo – 03/02/2013)
Leia mais: É proibido proibir?, por João Pereira Coutinho (Folha de S.Paulo – 05/02/2013)