(UNIC Rio de Janeiro) No mês passado, nos planaltos de Papua Nova Guiné, uma jovem de 21 anos e mãe de dois filhos foi despida e torturada até confessar que praticava bruxaria. Logo depois, foi queimada viva no aterro sanitário local diante de uma multidão.
Embora horroroso, esse evento não é incomum. A Comissão de Reformas Legais e Constitucionais de Papua Nova Guiné estima que pelo menos 150 pessoas acusadas de bruxaria – a maioria mulheres – sejam assassinadas a cada ano somente em uma das 20 províncias do país. Antes de serem mortas, muitas delas sofrem torturas prolongadas, públicas e geralmente de caráter sexual. Contudo, duas circunstâncias tornaram excepcional o assassinato do mês passado: causou a indignação pública, e dois suspeitos pelo crime foram presos.
Há um mês, três irmãs de cinco, nove e 11 anos que moravam em uma aldeia remota na Índia foram estupradas, assassinadas e jogadas em um poço. No começo, as autoridades não reagiram, mas após que a comunidade bloquear uma rodovia em protesto, a polícia iniciou uma demorada investigação.
Também no último mês, na África do Sul, uma menina de 17 anos foi encontrada horrivelmente mutilada em um prédio em construção. Ela tinha sido estuprada por um grupo de pessoas e morreu horas depois. Os suspeitos pelo ataque foram identificados e presos após uma incomum onda de protestos.
Em semanas recentes, em três países com poucas coisas em comum, a indiferença generalizada com a violência contra as mulheres causou consternação pública, pelo menos momentaneamente. A demanda pública para que sejam adotadas medidas que ponham fim às atrocidades que tão frequentemente sofrem mulheres e meninas têm inspirado líderes de governo a realizar importantes declarações de intenções e instar polícias apáticas a investigarem esses fatos.
A indignação é contagiosa
O estupro múltiplo e assassinato de uma estudante de fisioterapia de 23 anos em Nova Déli, em dezembro do ano passado, provocaram o que pode ser uma mudança radical na atitude pública com os crimes de violência sexual na Índia. Esta onda de rejeição cresceu não apenas na Índia e os países vizinhos, mas também muito além da região, incluindo a África do Sul, onde o estupro de Nova Déli foi citado por ativistas que questionaram por que a violência sexual crônica no seu país motiva tão pouca condenação pública.
A violência contra a mulher é uma das violações aos direitos humanos mais recorrentes. No entanto, com frequência, as autoridades responsáveis por proteger as vítimas e perseguir esse tipo de crimes enfrentam esses atos com indiferença.
Não é suficiente apenas legislar
Quase todos os países do mundo possuem algum tipo de marco legal sobre o assunto. Os governos estão cientes de que o direito internacional os obriga a prevenir esses crimes trabalhando pela eliminação da discriminação subjacente contra mulheres e meninas. Porém, em muitos países, os políticos e as políticas, as forças policiais, a justiça, os homens comuns – e também mulheres – coletivamente encolhem os ombros e desviam o olhar quando sabem de abusos e outros crimes sexuais ou baseados no gênero.
A raiva temporal não é suficiente. As investigações sérias dos atos de violência contra a mulher devem se tornar a norma, e não somente uma coisa que as forças policiais são obrigadas a fazer quando a mídia destaca um caso particular.
Precisamos tirar o mundo dessa letargia e acordar para a realidade: a cada minuto de cada dia, em todos os continentes, mulheres e meninas são estupradas e abusadas, vítimas de tráfico, torturadas e assassinadas. Isto não acontece só em lugares longínquos em conflito, mas também em sofisticadas capitais, em pequenas cidades e vilas, e até na casa do vizinho.
Em janeiro, o relatório do Comitê Verma na Índia recomendou mudanças profundas, incluindo severos castigos contra o estupro conjugal, doméstico e entre pessoas do mesmo sexo; demandando que os oficiais da polícia registrem cada caso de violação e garantam que quem não o faz enfrente sérias consequências; assegurando a prestação de contas do pessoal policial e militar por violência sexual; punindo com prisão delitos como o assédio e o voyeurismo; reformando o humilhante protocolo de exame médico para as vítimas de estupro; desmantelando os conselhos locais extrajudiciais, que com frequência emitem sentenças contra as mulheres; e realizando reformas legais e eleitorais para garantir que pessoas culpadas de crimes não possam se candidatar a cargos políticos.
Essas recomendações precisam de um acompanhamento sério e contínuo. Além disso, podem servir como modelos para outras situações.
Durante o último mês, o mundo foi testemunha de como as mobilizações nas ruas podem ajudar a buscar justiça para as três filhas de um aldeão pobre na Índia; para uma adolescente da periferia da Cidade do Cabo; para uma garota acusada de “enfeitiçar” o seu vizinho nas remotas montanhas de Papua Nova Guiné; e para uma estudante jogada nua desde um ônibus em movimento na capital da Índia.
Devemos impedir que esta atenção desapareça. Precisamos pressionar mais as lideranças políticas para obter mudanças sérias e duradouras, como as propostas pelo Comitê Verma. Cada país deve encontrar a solução mais apropriada para assegurar a investigação e aplicação das sanções pertinentes pelos crimes sexuais e baseados no gênero. Com certeza, continuar virando as costas para o que acontece com milhões de mulheres em todo o mundo não é a resposta.
Acesse em pdf: Violência contra as mulheres, por Navi Pillay (UNIC Rio de Janeiro – 07/03/2013)