(Folha de S.Paulo) O cineasta Gabriel Mascaro, 29, nunca havia questionado as relações de trabalho entre empregados domésticos e seus patrões até que sua mulher, inglesa, bateu o pé: “Não teremos babá em casa quando nosso filho nascer”.
“Ela se incomodava com os amigos, alguns ligados a movimentos de esquerda, que tinham a babá dormindo em casa sem pagar hora extra”, diz o cineasta pernambucano.
“O fato de ter babá era normal na minha cabeça, mas eu não tinha pensado sobre a situação e passei a me incomodar com o processo. Foi quando decidi fazer o filme.”
O filme em questão é “Doméstica”, documentário que tem pré-estreia hoje no Rio e em São Paulo, um mês após a promulgação de uma PEC (proposta de emenda constitucional), que amplia os direitos dos empregados domésticos no país “”entre as principais mudanças trabalhistas estão a jornada máxima de 44 horas semanais ou 8 horas diárias e o pagamento de hora extra.
O documentarista colocou câmeras nas mãos de sete adolescentes pelo Brasil para que eles filmassem quem trabalha em suas casas (seis mulheres e um homem).
“É uma idade em que se começa a questionar relações de poder de trabalho. Ao mesmo tempo, esses jovens têm uma relação de cumplicidade incrível com a empregada. Tive amigos que perderam a virgindade com a babá que cuidou deles a vida toda”, conta o diretor, que cresceu em uma casa com domésticas.
“A de lá de casa ia ao terreiro tocar tambor para meu irmão passar no vestibular.”
O longa segue a missão de capturar personagens ricas e capazes de servir de amostra para a situação de servidão e patronagem no país.
Há a doméstica que foi criada com a dona da casa; a que virou uma espécie de gerente da casa; a que cria cria a filha junto com a patroa; a que comemora o shabat pela primeira vez com a família judaica; e até a que tem uma babá.
“A gente não está falando sobre a situação das empregadas no Brasil, não dá para afirmar que é assim é todo lugar”, afirma Mascaro.
“Estou interessado no silêncio da doméstica quando perguntam se ela é livre. Ou na tentativa do patrão em demonstrar a cordialidade. É quando a perversão se mostra. O filme é perverso.”
Uma das retratadas no filme, Maria das Graças Santos Almeida, a Gracinha, diz que tem carteira assinada, mas prefere trabalhar à noite e dormir na casa dos patrões.
“Olhei no YouTube a explicação sobre a lei, mas não entendi quase nada. Eles me tratam bem e são justos, mas não vou ser hipócrita de achar que sou da família”, conta a trabalhadora baiana.
Mascaro tem opinião parecida. “A PEC é o primeiro passo para terminar com isso. Não esperava uma reação tão conservadora à lei, mas fui ingênuo. Vivíamos em um processo de escravidão legitimado que precisa acabar.”
A convite da Folha, uma doméstica e uma patroa comentaram o filme, que estreia em circuito nesta sexta.
Acesse em pdf: Dependência de empregada (Folha de S.Paulo – 01/05/2013)