(G1) Dias após o Exército egípcio anunciar o fim do governo de Mohamed Morsi, apoiado por manifestações populares e por lideranças religiosas cristãs e muçulmanas, crescem as preocupações dentro e fora do Egito sobre a situação política no país.
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil alertaram para o risco de um retrocesso no processo democrático, denunciaram violações de direitos humanos e o aumento da violência entre grupos pró-Morsi e a oposição ao governo deposto.
“É um começo muito ruim. Vi duas coisas preocupantes acontecerem logo após o anúncio dos militares: o fechamento de TVs aliadas ao governo Morsi e a prisão de líderes da Irmandade Muçulmana sem acusação clara. Isso é ilegal e irresponsável. São medidas clássicas da era [Hosni] Mubarak”, afirmou Heba Morayef, diretora da Human Rights Watch (HRW) no Cairo.
Segundo ela, a indicação do chefe da Corte Suprema Constitucional, Adli Mansour, como presidente interino do país mostra que “os militares parecem não querer permanecer no poder, mas é impossível saber ao certo”.
Morsi tinha sido democraticamente eleito presidente do Egito em junho do ano passado, com pouco mais de 50% dos votos, pela Irmandade Muçulmana – maior partido do Egito, banido nos anos 1920. Foram as primeiras eleições livres do país após mais de 30 anos de governo Mubarak.
Após o golpe de quarta-feira, mais de 12 líderes do partido islamita foram detidos e Morsi foi mantido em prisão domiciliar. A mídia local informou que eles devem ser questionados em breve pela Justiça sob acusações de “insultar o Judiciário” e “incitar a violência”.
Ao menos quatro canais de TV ligados à Irmandade Muçulmana ou considerados próximos do antigo regime foram invadidos pelos militares e tirados do ar. Jornalistas desses veículos foram presos e mais tarde liberados. Entre os alvos estava o canal Al Jazeera, que tem sede no Catar e operava no Egito desde 2011.
Violência
“A situação é tensa. Milhões de pessoas celebraram a queda de Morsi e o apoio ao governo caiu muito nos últimos meses, mas a Irmandade ainda tem forte apoio popular”, disse Diana Eltahawy, pesquisadora da Anistia Internacional no Egito.
Segundo ela, há um risco crescente de represália violenta a grupos pró-Morsi e confrontos com a oposição ao ex-governo. “As forças de segurança não estão intervindo para conter a violência. Nem para impedir abusos sexuais a mulheres na praça Tahrir”, acrescentou.
De acordo com o grupo Operação Anti Assédio Sexual (OpAntiSH, na sigla em inglês), organização egípcia que monitora a violência contra mulheres, cerca de 80 agressões sexuais e 2 estupros foram registrados na quarta-feira, enquanto milhões comemoravam a queda de Morsi. Entre as vítimas estavam idosas, mulheres com crianças e uma menina de 7 anos.
Eltahawy falou com a BBC Brasil por telefone do Cairo. Ela voltava de um hospital onde tinha visitado um homem vítima de agressão de manifestantes opositores durante um protesto pró-Morsi. Após ser esfaqueado, ele foi deixado na porta de uma delegacia, onde foi espancado por policiais após se identificar como partidário da Irmandade Muçulmana.
Desde quarta-feira, manifestantes pró-Morsi têm protestado contra o golpe militar na praça Rabaa al-Adawiya, em Nasr City, no Cairo, e em outras cidades do país.
Na quinta-feira, um porta-voz da Irmandade Muçulmana anunciou que o partido irá boicotar o processo político e defendeu a não violência.
Reforma e união
Para Morayef, da HRW, desde o início da revolução no Egito, em 2012, as reformas no Judiciário e no aparato de segurança são urgentes. “O marco legal da era Mubarak ainda está em vigor e o abuso da força pela polícia e pelo Exército são recorrentes”, declarou.
Mohamed Zaree do Cairo Institute for Human Rights destacou que o momento deve ser de união e de vigilância.
“A única maneira de evitar um derramamento de sangue é a união em torno de um projeto político da oposição. Talvez se os militares não tivessem tomado o poder agora o Egito teria caído em uma guerra civil, porque os protestos contra Morsi e o autoritarismo da Irmandade cresciam há meses. Em 30 de junho havia o dobro de gente na rua comparado com as manifestações para derrubar Mubarak”, explicou.
Segundo Zaree, muitos egípcios acreditavam que a Irmandade Muçulmana tinha sequestrado a revolução original de 2012. “Neste ano que passou no poder, o partido não estava governando em prol do povo, mas sim em benefício próprio”, afirmou, citando denúncias de corrupção e a prolongada crise econômica no Egito.
Para ele, a pressão externa agora também é crucial para assegurar a defesa dos direitos humanos no país.
“A comunidade internacional deve vigiar a situação no Egito e não questionar se vai lidar ou não com o novo governo, que subiu ao poder com apoio militar. Morsi já tinha perdido sua legitimidade para governar, com ou sem golpe. Agora há novos horizontes para o país, é uma grande chance de pressionar por uma retomada do processo democrático”, acrescentou.
Na quinta-feira, durante discurso em Copenhague, na Dinamarca, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, expressou preocupação com a situação no Egito e pediu “um diálogo nacional inclusivo, que inclua representantes de todos os espectros da política egípcia”.
Acesse o PDF: Especialistas alertam para violência e violações de direitos no Egito (G1 – 05/07/2013)