13/07/2013 – Estupro de menina reacende debate sobre aborto no Chile

13 de julho, 2013

(UOL) “Vai ser como uma boneca que segurarei em meus braços. Vou amá-la muito, mesmo que ela seja desse homem que me machucou, não importa, vou amá-la”, declara a menina.

O vídeo, divulgado na terça-feira pela emissora de TV Canal 13, já rodou o Chile. Nele só aparecem uma voz fina, de criança, e mãozinhas brincando com uma marionete. Estuprada diversas vezes por seu padrasto, “Belén”, de somente 11 anos, hoje está grávida de três meses e meio.

O caso de “Belén”, nome dado à menina para proteger sua identidade, foi revelado pela imprensa após a prisão do padrasto da menina. O homem, de 32 anos, foi denunciado pela avó da menina depois que uma consulta médica confirmou a gravidez da criança. Esta declarou que queria ficar com o bebê.

O caso logo virou tema de debate na sociedade. “Aborto em casos extremos: sim ou não?”, destaca em seu website a emissora de televisão ABC. O Chile na verdade é um dos únicos países do mundo a proibir qualquer forma de aborto.

A interrupção voluntária da gravidez (IVG) é proibida no Chile desde 1989, quando o general Pinochet incluiu no código sanitário que “nenhuma ação pode ser executada no intuito de provocar um aborto”. O país tem uma das legislações mais conservadoras do continente em matéria familiar. O divórcio só foi legalizado ali em 2004.

“Pra mim, isso é tortura!”
Consequentemente, com 56 filhos para cada mil mulheres na faixa etária de 15 a 19 anos em 2011, segundo números do Banco Mundial, o Chile possui uma das mais elevadas taxas de fecundidade entre adolescentes. Na França, há somente 6 filhos para cada mil mulheres da mesma faixa etária. Entre 60 mil e 200 mil abortos clandestinos ocorrem a cada ano no Chile, ou seja, até 40% das gestações, segundo a Human Rights Watch. “Uma proibição tão absoluta viola os direitos fundamentais da mulher”, declara a organização.

“Será que o Estado tem o direito de obrigar essa menina de 11 anos a continuar grávida? Para mim, isso é tortura!”, condenou na segunda-feira o senador Fulvio Rossi, membro do Partido Socialista chileno.

Essa posição está longe de ser compartilhada pelos conservadores hoje no poder. O presidente Sebastián Piñera, embora tenha dito que ficou “tocado” pela história da menina, não mencionou mudanças na legislação. “Devemos dizer que nosso governo defende a vida do nascituro, que defendemos a vida, da concepção até a morte e que, consequentemente, rejeitamos qualquer tipo de aborto”, declarou a porta-voz da presidência, Cecília Pérez, acrescentando que “o aborto terapêutico não tem nada de terapêutico”.

Assim, a posição do governo e da maioria se junta à das poderosas associações anti-aborto do país, e a maior delas, Siempre por la Vida. “O que entendo é que, a partir do momento em que uma mulher tem sua primeira menstruação (…), seu organismo está preparado para ser mãe e procriar”, chegou a comentar o deputado conservador Issa Kort, no canal de TV Rede.

“É uma gravidez arriscada, que provavelmente ficará muito complicada à medida que o feto for crescendo, especialmente no momento do parto”, afirmou Miguel Kottow, diretor do departamento de bioética da Escola de Saúde Pública da Universidade do Chile, em declarações relatadas pelo “Santiago Times”.

Bachelet na vanguarda da luta
O jornal “El Espectador” menciona um estudo conduzido em 2011 pela faculdade latino-americana de ciências sociais, mostrando que 66,7% dos chilenos aprovavam o aborto em caso de estupro, 64,4% em casos em que a vida da mãe esteja em risco, 64% caso exista malformação do feto, e 58% no caso de abuso dos pais contra seus filhos. Mas somente 15% defendem o aborto por escolha da mãe.

Na vanguarda da luta pela descriminalização da IVG encontra-se a ex-presidente Michelle Bachelet (2006-2010), que no dia 30 de junho foi designada candidata à eleição presidencial de 2014 pela esquerda. Sua eleição poderia acelerar  uma mudança da legislação: em abril, em um programa de TV, ela se declarou a favor do aborto terapêutico, pelo menos em caso de estupro. “O mundo avançou, e acho que também no Chile a família mudou”, afirma a favorita na disputa, que ocupou a direção da ONU Mulheres entre 2010 e 2013, trabalhando pela igualdade dos sexos e pelos direitos das mulheres em todo o mundo.

Acesse o PDF: Estupro de menina reacende debate sobre aborto no Chile (UOL – 13/07/2013)    

 

 

 

 

 

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas