(O Globo) A defesa que o Papa Francisco fez da separação entre Estado e Igreja, no último sábado, no Teatro Municipal, colocou em pauta a pressão feita por grupos religiosos no Congresso, dizem especialistas. O Pontífice afirmou que um Estado laico é “o ambiente capaz de abrigar todas as aspirações religiosas”. Hoje, tanto a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) como a bancada evangélica buscam influenciar a aprovação de leis como as que regulam as pesquisas com células-tronco ou tocam em questões polêmicas como aborto e união homoafetiva.
No entanto, engana-se quem pensa ser essa uma mudança de rumo na tentativa da maior igreja do país de interferir nas discussões de temas polêmicos, afirma o cientista político Cesar Romero Jacob, professor da PUC-Rio, que estuda a dinâmica entre religião e política no Brasil:
— Com o tempo, a Igreja se deu conta de que era melhor ficar com a sociedade do que com o Estado. Mas isso não significa que, em questões morais, não exista interferência em temas caros à doutrina.
Segundo o professor, a Igreja Católica e os chamados evangélicos históricos, metodistas e batistas, não estimulam seus sacerdotes a entrarem para a política partidária, o oposto do que é feito pelos chamados pentecostais, como a Assembleia de Deus e a Igreja Universal do Reino de Deus.
— Essas igrejas estão levando para dentro delas uma divisão política que está fora — analisa.
Já o professor de História do Iuperj Francisco Carlos Teixeira afirma que, com suas declarações sobre o Estado laico, o Papa acabou dando mais argumentos para a aprovação de políticas públicas que contrariam dogmas da própria Igreja.
— Os preceitos estabelecidos pela Igreja são para católicos; o Estado não pode ser obrigado a segui-los. Agora, os políticos podem se desobrigar a seguir os dogmas da Igreja. Desde o século XVIII, quando a França separou Estado de religião, as pessoas fazem o que a cidadania e a crença pessoal exigem delas. Os hospitais públicos podem estar abertos e fazer aborto. Caberá aos católicos não procurarem o serviço — analisa Teixeira, que vê a posição do Papa como uma ruptura com seu antecessor. — Em Aparecida, Bento XVI falou no sentido contrário, obrigando o então presidente Lula a fazer a defesa do Estado laico.
Presidente do Partido Social Cristão (PSC), o pastor Everaldo Pereira elogia a afirmação do Papa, mas discorda de que a oposição dos evangélicos fazem à legalização do aborto e ao casamento gay se deva a razões religiosas:
— Jesus foi o primeiro a falar em Estado laico. Isso é bom. Mas sou contra o aborto e contra o casamento gay devido à ciência, que diz que, para a perpetuação da espécie, o casamento deve ser entre homem e mulher, assim como que a vida começa na barriga da mãe.
Arnaldo Lemos, sociólogo da PUC-Campinas, ressalta que grande parte dos católicos não segue todos dogmas defendidos pela igreja, como a reprovação do uso da camisinha. Mas, como esses dogmas estão consolidados, a igreja deverá manter suas posições:
— A principal mensagem do Papa é a necessidade de encontrar a solução através do diálogo.
Acesse em pdf: Entre o Estado laico e os dogmas (O Globo – 29/07/2013)