(O Globo) Laboratórios que usaram táticas agressivas estão na mira do governo.
Mea Culpa. Glaxo admite que funcionários podem ter adotado práticas condenáveis nas vendas.
Propinas a médicos, hospitais e servidores públicos, pagamentos por palestras que não acontecem, contratação de acompanhantes e favores sexuais prestados a potenciais compradores compõem a rotina do emergente mercado de medicamentos na China, onde as farmacêuticas multinacionais vêm aterrissando, ávidas, nos últimos anos. Neste cenário, eclodiu há duas semanas o escândalo de subornos que levou à prisão de executivos da farmacêutica britânica GlaxoSmithKline e que já atinge outras companhias do setor.
Enquanto declina na Europa, o mercado de medicamentos cresce com força na China, que promete dar a 1,37 bilhão de pessoas acesso ao sistema de saúde. Os gastos no setor eram de US$ 156 bilhões em 2006, foram para US$ 357 bilhões, em 2011, e devem saltar para US$ 1 trilhão em 2020, de acordo a McKinsey. Entre 2006 e 2011, o gasto per capita subiu de US$ 119 para US$ 261. As receitas das dez maiores farmacêuticas estrangeiras subiram de US$ 4 bilhões para US$ 10 bilhões, e o número de vendedores foi de 6 mil para 25 mil. O país saiu da nona para a terceira posição no ranking global do setor, e deve passar o Japão como o segundo maior mercado nos próximos anos.
Por isso, os laboratórios vêm investindo em centros de pesquisa e nas forças de vendas. Já empregam mais vendedores lá que nos EUA, seu maior mercado. A Glaxo elevou as vendas em 20% no ano passado, quatro vezes mais que em outros emergentes, e com faturamento de US$ 1,5 bilhão. A performance é favorecida pela má reputação dos produtos locais. Os remédios – e outros itens – de marcas estrangeiras, embora mais caros, têm a preferência de grande parte da população porque há muitos produtos falsos no mercado.
Por sua vez, o governo, que controla os preços dos remédios, quer desenvolver a musculatura de empresas nacionais e elevar a competição, o que contribui para o cerco às multinacionais.
O Ministério de Segurança Pública acusa os executivos das farmacêuticas de subornar médicos e hospitais para vender mais. As propinas são dadas por meio de margens – que chegariam a 10% – sobre remédios prescritos – e remunerações exageradas em conferências, que nem sempre são realizadas. A Glaxo pagou US$ 489 milhões, ao longo de seis anos, a agências de viagens que organizavam os eventos. Contratação de mulheres como acompanhantes também seria parte da estratégia de convencimento. No vale-tudo pelos resultados, vendedores também prestariam favores sexuais a médicos, de acordo com a agência oficial Xinhua, que citou entrevistas com policiais. O texto afirma ainda que a meta de crescimento de vendas da Glaxo foi de 30% ao ano nos últimos dois anos.
Endêmica na China, a corrupção na saúde é turbinada pela baixa remuneração dos médicos: em Pequim, recém-formados ganham cerca de US$ 490, e os que têm uma década de experiência só chegam a US$ 1.630. Os hospitais públicos são autorizados a pagar bônus, mas não o fazem, pois têm orçamento limitado: metade da receita vem de serviços médicos (eles fixam taxas para internação e exames, mas o governo tabela as cirurgias) e 40% da prescrição de remédios, de acordo com o Ministério da Saúde. O restante vem de outras fontes, como aportes do governo, que vem caindo desde os anos 80. Sem propinas, o sistema corre risco de colapso.
Até pouco tempo, a China concentrava suas investigações (e punições) em agentes do governo e empregados de estatais. Agora, está enquadrando também os corruptores, e os executivos da Glaxo servirão de exemplo. Trata-se do primeiro caso apoiado na nova lei anticorrupção, em vigor há dois anos. O problema é que falta transparência às investigações. A polícia faz visitas aos escritórios e confisca documentos, sem explicitar como acontecem as inspeções. Agências de notícias não conseguiram falar com o executivo da Glaxo que, em entrevista a um canal estatal, admitiu subornos. Ele é um dos quatro funcionários de nacionalidade chinesa detidos no início do mês, quando o diretor executivo tratou de sair do país. Ontem, a empresa anunciou um novo nome para o cargo, enquanto a agência Xinhua noticiava a prisão de mais 18 funcionários da empresa, na cidade de Zhengzhou. Também disse que 39 funcionários de um hospital em Guangdong serão punidos por receber US$ 460,3 mil em propinas.
Não será surpresa se outras empresas e hospitais forem envolvidos em investigações nos próximos dias , avisou a agência. Executivos de outra farmacêutica britânica, a AstraZeneca, foram questionados. A UCB também já recebeu visita de agentes do governo. Por terem usado as mesmas agências de viagem que a Glaxo, Merck, Sanofi, Roche e Novartis já são consideradas alvos das autoridades.
Acesse o PDF: Na China, propinas e favores sexuais na disputa pela saúde (O Globo, 27/07/2013)