(Zero Hora/The New York Times) Enquanto o “aumento do poder feminino” se tornou um termo da moda nos últimos anos, algumas pessoas estão se opondo. Elas se ressentem do fato e o classificam como a mais recente moda do politicamente correto, uma missão liberal para obter o apoio de eleitoras confusas.
Porém, incidentes recentes destacaram por que a pressão pela igualdade de gêneros não é apenas uma febre estúpida e por que essencialmente não tem a ver com o politicamente correto.
Levemos em consideração Marte Dalelv, a norueguesa de 24 anos que denunciou um estupro em Dubai – e foi sentenciada a 16 meses de prisão, por conta de acusações que envolviam sexo fora do casamento. Segundo ela, a pena foi três meses maior do que a do suposto estuprador.
Após os protestos, as autoridades “perdoaram” Dalelv (e, também, segundo a imprensa, o suposto estuprador). Esse é o primeiro motivo a justificar por que o “aumento do poder” não é apenas um slogan agradável. Injustiças de gênero profundas continuam a existir – não apenas em Dubai, mas também, ainda que em menor extensão, nos Estados Unidos.
As forças armadas norte-americanas têm um histórico deplorável de violência sexual dentro de suas fileiras, sendo que aproximadamente 26 mil militares vivenciam contato sexual indesejado anualmente. Mesmo assim, até agora o presidente dos EUA, Barack Obama, se recusou a apoiar a proposta sensível, bipartidária e com apoio amplo da senadora Kirsten Gillibrand de aprimorar as investigações de estupro nas forças armadas e reduzir os conflitos de interesse.
Acrescente a esse caldeirão tóxico de violência sexual, o caso de estupro em Steubenville, Ohio, tráfico sexual disseminado e leis em muitos estados que dão aos estupradores o direito de custódia do filho gerado. Ariel Castro, o homem de Cleveland que prendeu três mulheres em sua casa durante quase uma década, já solicitou a visita de uma criança que gerou por estupro, embora o juiz tenha rejeitado o pedido.
O pano de fundo político é a frustração de que as mulheres não são plenamente representadas nas decisões que as afetam, e esse é o segundo motivo que esta questão repercute. É por isso que Wendy Davis, senadora estadual do Texas, eletrizou a mídia social quando obstruiu a votação de legislação restringido o aborto. Não é que os homens favoreçam leis mais rigorosas para o aborto do que as mulheres – trata-se de um assunto com divisão por gênero desprezível –, mas muitas mulheres se sentem intimidadas por legisladores homens fora de sintonia.
Quem considera que o aumento do poder feminino seja uma questão secundária não prestou atenção quando Malala Yousufzai, baleada na cabeça pelo Talibã paquistanês por defender o direito das garotas à educação, discursou nas Nações Unidas, em julho, por ocasião de seu 16º aniversário. Malala destacou o terceiro motivo para nos concentrarmos no aumento da autonomia de meninas e mulheres. Talvez isso seja a melhor ferramenta à disposição para combater as doenças sociais.
Como Malala bem observou, uma força poderosa pela mudança do mundo é a educação, principalmente a das mulheres. Os EUA investiram milhares de vidas e centenas de bilhões de dólares no Afeganistão e no Paquistão desde o 11/9 e pouco conquistou; talvez devêssemos ter investido mais na caixa de ferramentas da educação. Aviões teleguiados e patrulhas militares podem servir para reforçar o extremismo, enquanto a educação feminina tende a solapá-lo.
A mudança pode vir não apenas de uma bomba, mas também de uma garota com livros didáticos estudando sob uma árvore ou numa mesquita. Em média, ela terá menos filhos, contará com maior probabilidade para ter emprego e exercerá maior influência; seus irmãos e filhos apresentarão menor probabilidade de se juntar ao Talibã.
Igualmente, os programas de saúde feminina não são uma ajuda cavalheiresca, mas um passo eficiente em termos de custos no sentido de uma sociedade mais saudável. O Instituto Guttmacher anunciou há pouco tempo que sem os programas de contracepção financiados pelo governo, em 2010, a taxa de gravidez indesejada entre as adolescentes seria 73 por cento mais alta. E os legisladores querem cortar tais programas?
Um último insight nas mulheres enquanto força pela mudança surgiu durante minha jornada anual “ganhe uma viagem”, no qual levo um estudante comigo em uma viagem jornalística. A vencedora, Erin Luhmann, da Universidade de Wisconsin, e eu mergulhamos na subnutrição, que contribui com 45 por cento das mortes de crianças no mundo inteiro.
Como nós salvamos essas vidas? A questão não se resume a transportar mais comida para os famintos ou em melhorar as plantações africanas. Ela também tem a ver – sim! – com o aumento do poder das mulheres.
No interior do Chade, nós acompanhamos a World Vision e conversamos com mulheres locais a respeito de por que as crianças são desnutridas. Um dos fatores por lá e, também, em boa parte do mundo, se deve ao fato de os homens comerem primeiro; mulheres e crianças ficam com as sobras.
“Nós conhecemos a subnutrição”, disse uma delas, mas se carne não termina praticamente toda no prato do homem, ela acrescentou, “temos problemas na casa”.
Os pesquisadores descobriram que conceder às mulheres a escritura das terras, direitos de herança e contas bancárias não são apenas gestos simbólicos. Pelo contrário, são estratégias para aumentar a influência feminina nas decisões familiares e salvar a vida das crianças.
Então, você que se irrita com os “direitos das mulheres” como um sinal de que o politicamente correto enlouqueceu, pense novamente. Não se trata de uma questão de mulheres ou de homens, pois Malala tem toda a razão: “Nós todos não podemos ter sucesso se metade de nós é impedida”.
Acesse o PDF: As mulheres enquanto força da mudança (Zero Hora, 10/08/2013)