(Carta Capital) Passados dez anos da criação do Bolsa Família, o programa alcançou avanços indiscutíveis e deve ser mantido como política de Estado e não de um governo ou partido. A avaliação é da ministra Tereza Campello, à frente do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que fala em estudos científicos sobre o impacto do programa no País.
“Não estamos mais discutindo o Bolsa Família do ponto de vista conceitual. Não é mais quem é a favor e quem é contra. Temos estatísticas sobre o impacto na mortalidade infantil, no desempenho escolar entre as crianças, no empoderamento das mulheres, na organização dessas famílias, na manutenção dessas famílias no campo”, disse em entrevista a CartaCapital. “Acho difícil alguém hoje defender acabar com o Bolsa Família.”
Passada a polêmica em torno dos boatos sobre o fim do Bolsa Família, Campello explica que o episódio serviu para o MDS tomar medidas novas, como o monitoramento de saques, feito a cada meia hora pelo próprio sistema da Caixa Econômica. “Qualquer modificação, a gente passa a ter um alerta”, explica. “Esse episódio foi identificado e ele não se repetirá. Inclusive, estamos tomando um conjunto de medidas.”
Faltando pouco mais de um ano para terminar o mandato, a ministra diz que a pasta alcançou todas as metas propostas, com exceção de uma fundamental para diminuir o abismo entre cidade e campo: a produção agrícola no semiárido. “Estamos distribuindo semente, fazendo qualificação profissional e com nossas metas de ofertas de serviço todas em dia. Mas sem a chuva não conseguimos produzir. Por isso a nossa torcida para chover, pois gostaríamos de mostrar que é possível conviver com o semiárido e a população pobre do nordeste mudar de vida.”
CC – Depois dos boatos sobre o fim do Bolsa Família, como ficaram as posições do Ministério do Desenvolvimento Social e a Caixa? Quem errou?
TC – Nunca teve polêmica sobre isso. A Caixa, desde o primeiro momento, informou que havia feito uma alteração no sistema sem consultar o ministério. Não existem evidencias no inquérito policial sobre qual foi a efetiva razão da modificação que a Caixa fez. Isso é um assunto bastante esclarecido. A Caixa reconhece que deveria ter informado o MDS, mas isso não é importante. Digamos que a Caixa tivesse feito isso para aferir lucro, para ter algum benefício. Mas a Caixa fez para tentar melhorar o funcionamento do cadastro. Então, tentando acertar acabou tendo uma situação que pode ter tido alguns elementos que estimularam essa reação. Mas também não existe prova nenhuma sobre qual a origem dos boatos.
CC – Meses depois, poderíamos dizer que o erro está diagnosticado e que não haverá mais ruídos como esse?
TC – Esse episódio foi identificado e ele não se repetirá. Inclusive, estamos tomando um conjunto de medidas. Interessa evitar que isso se repita em qualquer outra circunstância. Por quê? Porque o principal prejudicado nesse episódio foi a família que foi ao banco, ficou insegura. Uma parte grande dos beneficiários do Bolsa Família que foi ao banco não foi porque achou que o benefício ia acabar. Foram porque sabiam que o dinheiro estaria disponível e elas precisavam do dinheiro. Estamos falando de famílias pobres, então ter acesso ao dinheiro uma ou duas semanas antes interessa.
Estamos tomando um conjunto de medidas importantes, dentre elas monitoramento de saques que a gente não fazia e nos interessa hoje aperfeiçoar a nossa comunicação com o beneficiário. Estamos fazendo o monitoramento a cada meia hora o próprio sistema verifica se está tudo normal. Qualquer modificação, a gente passa a ter um alerta.
CC – Em relação ao Bolsa Família, queria que a senhora esclarecesse a polêmica sobre a exigência dos beneficiários do programa de usar o celular. Todos precisam ter celular para ser beneficiários?
Tereza Campello – Primeiro, é sempre importante dizer que o programa Bolsa Família chega em 13 milhões e 800 mil famílias, ou seja, mais de 50 milhões de pessoas no Brasil recebem o Bolsa Família. E uma quantidade grande desses beneficiários já tem telefone. E a gente até então não contava com esse meio para se comunicar com eles. Falamos com nossos beneficiários para dar informação, avisar que a frequência das crianças esta baixa, por exemplo, algo que acompanhamos com muito rigor.
Além do acompanhamento da frequência escolar, fazemos acompanhamento da vacinação, fazemos acompanhamento das famílias. Então tem um conjunto de relação com as famílias, com as quais a gente vem usando tradicionalmente o próprio extrato bancário como meio de comunicação. Hoje, mais de 60% dos nossos beneficiários, segundo pesquisa recente, usam o telefone celular. Então, pedimos que o gestor, quando for atualizar o cadastro das famílias, pergunte se a pessoa concorda em fornecer seu telefone celular para que a gente possa eventualmente usar a mensagem.
O que passou, então, a ser obrigatório? Que o gestor do Bolsa Família pergunte. Porque parte dos campos é sempre obrigatório perguntar, como o endereço, por exemplo. Ele é obrigado a perguntar a renda da família, o número de pessoas da família. E alguns outros campos ele atualiza se a família resolver declarar. A do telefone estamos pedindo que ele pergunte, para passarmos a ter um meio a mais de comunicação com a família. Imagina, por exemplo, que vai ter uma campanha de vacinação e que podemos informar para as famílias que a campanha acontecerá em determinada cidade. Ou para dizer que a frequência escolar da criança está abaixo do exigido? É algo que nos ajuda a manter a criança dentro da sala de aula.
CC – No ano que vem teremos eleições. A senhora acredita que o programa entrará em debate? Há risco de um programa de Estado ser tratado como programa de governo, portanto sob risco de acabar a depender de quem vencer a a eleição?
TC – Estamos fazendo dez anos do Bolsa Família neste ano. Não estamos mais discutindo o Bolsa Família do ponto de vista conceitual. Não é mais quem é a favor e quem é contra. Temos dados, estatísticas e estudos científicos robustos mostrando o impacto que o Bolsa Família teve no País – na mortalidade infantil, no desempenho escolar entre as crianças, no empoderamento das mulheres, na organização dessas famílias, na manutenção dessas famílias no campo, que é um impacto recente, comprovado com essa seca.
Temos um conjunto de evidencias robustas que mostram o efeito de um programa de transferência de renda, que é um dos maiores do mundo, mais bem focalizado, o mais organizado do ponto de vista do cadastro e reconhecido internacionalmente. Hoje já sabemos que isso não é uma discussão teórica, mas já temos comprovação de como a dinâmica gerada pelo Bolsa Família melhorou a vida do brasileiro e a do País. Acho que é difícil alguém hoje defender acabar com o Bolsa Família. Espero que isso não aconteça. Acho que a população brasileira não quer retroceder em nenhum ganho que teve. Não quer retroceder no Samu, retroceder no Farmácia Popular, não quer retroceder no Escola em Tempo Integral, não vai querer retroceder no Bolsa Família, no programa de aquisição de alimentos, no Água para Todos. Temos é que caminhar para frente. É difícil alguém querer retroceder em políticas que trouxeram tantos benefícios, principalmente para quem mais precisava, que era a população pobre.
CC – Há a perspectiva de criação de novos programas sociais? Quais? Em que áreas especificamente eles atuariam?
TC – Estamos hoje colhendo resultados, resultados e resultados. O Brasil Sem Miséria foi lançado há dois anos. Há várias políticas nossas recém-lançadas, como o caso do Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), programa de capacitação profissional voltado para a população de baixa renda. Também estamos comemorando um fato inédito no Brasil, já que muitos duvidavam que a gente conseguisse fazer qualificação profissional da população pobre que tem baixa escolaridade. Nós estamos comemorando 640 mil pessoas no Pronatec, o que é uma vitória. Temos ainda que avançar muito, pois temos metas a cumprir e vamos bater todas as nossas metas ao que tudo indica.
CC – Qual é a meta para formação de moradores de rua pelo Pronatec?
TC – Nesse caso específico, metas não temos. Estamos com uma experiência também inédita aqui em São Paulo, de uma parceria nossa com a prefeitura de São Paulo, que vai servir como uma aprendizagem. Estamos usando essa experiência com moradores de rua, parte deles em situação de crack, que estão fazendo Pronatec. É uma experiência muito nova. As pessoas em situação de rua muitas vezes acabam com lesões importantes, psicológicas, de exclusão. Portanto, estamos com todo um cuidado em sala de aula. Esse aluno em sala de aula está tendo um tipo de curso diferenciado, com assistente social em sala de aula. Quem fica dois ou três dias e sai, nós buscamos de novo. Estamos tratando esse caso de São Paulo como experiência e aprendizagem, para que a gente possa replicar em outras experiências. Porque não nos interessa também fazer algo que não seja efetivo e traga mais angustia e sofrimento para esse público.
CC – Qual o papel do Ministério do Desenvolvimento Social no programa Crack, é Possível Vencer, recentemente lançado pelo governo federal?
TC – O MDS, em especial, em todas as ações, age como complementar. Então vamos junto com as equipes de saúde, acompanhamos a abordagem que fazem nas ruas. Da mesma forma, na área de segurança pública. Não tem uma ação do MDS direta, somos complementares às ações de saúde, segurança e educação.
CC – O Nordeste viveu o que foi considerada a pior seca dos últimos 50 anos. Estamos em 2013 e ainda estamos contando os prejuízos causados pela seca. Onde estão as cisternas e o projeto do Rio São Francisco? Qual o papel do ministério diante da seca?
TC – A agenda da seca é uma para a qual olhamos hoje, e isso não apenas moradores do semiárido, mas também das regiões metropolitanas, que têm esse depoimento para dar, e vemos que estamos vivendo a pior seca dos últimos anos, tão rigorosa como as relatadas por Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz. A população não evadiu. Essa população não saiu do campo por quê? Porque tem o Bolsa Família, porque teve o Bolsa Estiagem, porque teve o seguro safra e porque tem as cisternas. Apesar de muito sofrimento, essas pessoas estão conseguindo não apenas se manter como não abandonar sua terra. E nossa torcida agora é para voltar a chover, porque estamos com tudo engrenado para voltarmos a produzir e recuperar o tempo perdido quando chover.
CC – Gostaria de pedir que fizesse um balanço de sua gestão, faltando um ano para o fim do mandato. Quais os desafios a senhora considera satisfatórios e o que ainda falta alcançar pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome?
TC – A principal entrega com a qual a presidenta se comprometeu a fazer para dezembro de 2014 conseguimos entregar muito antes. Não existe hoje nenhum beneficiário do Bolsa Família em extrema pobreza. Nós tiramos dentro do mandato da presidenta Dilma 22 milhões de pessoas da extrema pobreza. Isso do ponto de vista da renda e agora estamos criando condições para que saiam da extrema pobreza das outras faces: levando água para o semiárido, levando capacitação profissional, garantindo que as crianças tenham acesso a mais educação. De tudo o que a gente planejou, estamos com todas as metas batidas antes do nosso prazo, em dezembro de 2014. A única meta que não conseguimos atingir efetivamente, é de garantir produção no semiárido. Estamos distribuindo semente, fazendo qualificação profissional, com nossas metas de ofertas de serviço todas em dia. Mas sem a chuva não conseguimos produzir. Por isso a nossa torcida para chover, pois gostaríamos de mostrar que é possível conviver com o semiárido e a população pobre do nordeste mudar de vida.
Acesse o PDF: Não se discute mais quem é contra ou a favor do Bolsa Família, diz ministra (Carta Capital, 24/08/2013)