(O Globo) Freira congolesa recebe prêmio do Acnur por dedicação a mulheres deslocadas pela violência.
Quando tinha 9 anos, a congolesa Angélique Namaika viu uma freira trabalhando em sua aldeia e decidiu que queria dedicar a vida a fazer o mesmo. Em 1992, entrou para a Congregação das Irmãs Agostinas de Dungu e Doruma e, atualmente, ajuda mulheres que deixaram suas casas forçadas pela violência de grupos armados como o Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês). Nos últimos dez anos, atendeu a mais de 2 mil delas em Dungu, no Nordeste do país – um trabalho que levou Angélique a receber hoje o Prêmio Nansen da agência da ONU para os refugiados (Acnur), tido como uma espécie de Prêmio Nobel do mundo humanitário.
– As deslocadas pela violência do LRA são muito vulneráveis. Elas são capturadas, levadas à floresta e dadas aos soldados. Ali, apanham, são vítimas de violência sexual – contou Angélique numa teleconferência coletiva de Genebra.
A freira de 46 anos conhece o drama das vítimas do LRA, que nos últimos 30 anos forçou o deslocamento de 2,5 milhões de pessoas internamente e além das fronteiras em Congo, Uganda, Sudão do Sul e República Centro-Africana, indica um relatório divulgado hoje pelo Acnur.
Angélique também é uma refugiada dentro do próprio país. Em 2009, ela foi obrigada a deixar sua casa em virtude de ataques do grupo armado na região e viveu em abrigos com outros deslocados.
-Não sabia aonde ir. Cruzei árvores, campos, não havia comida para todos. Na caminhada, cantava músicas religiosas para espantar o medo – disse ela. – Era difícil achar quem ajudasse. Quando conheci as vítimas do LRA que escapavam da floresta, percebi que elas tinham sofrido muito mais atrocidades do que eu. Isso me encorajou a ir todos os dias aonde elas viviam para ajudá-las. Estar juntas é importante para as mulheres. Lembramos sempre do ditado: uma por todas, todas por uma.
Hoje, Angélique ajuda 150 mulheres em Dungu a se recuperarem dos traumas. No Centro para Reintegração e Desenvolvimento, cofundado por ela em 2003, as mulheres têm cursos de alfabetização, costura e culinária. A cidade é a mais afetada pelo LRA. Só neste ano, foram 54 ataques do grupo armado na região, com 17 mortes e 53 sequestros.
São mulheres como Monique, raptada aos 14 anos pelo LRA. Obrigada a se casar com um soldado, descobriu estar grávida ao ser liberada, aos 17 anos. Hoje, vive em Dungu com seu bebê de 6 meses, a mãe e o irmão. Aprendeu a costurar com Angélique e faz uniformes escolares.
No ano passado, a freira testemunhou no Conselho de Segurança da ONU e no Congresso dos EUA sobre a violência e a busca pela paz no Congo.
-As mulheres são muito importantes na sociedade. São elas que educam os filhos, formam o futuro. Peço a Deus todos os dias que me dê força para continuar a ajudá-las. E peço que todos ajudem fazendo o mesmo, e olhem para essas mulheres, não só no Congo, que sofrem tantas atrocidades.
Missionária brasileira atende refugiados sírios com cestas básicas e remédios em campo na Jordânia
Aos 40 anos, a brasileira Raquel Elana passou quase metade da vida como voluntária no Oriente Médio. Já são 17 anos como missionária da Igreja Batista, os últimos seis meses na Jordânia, ajudando refugiados que deixaram a Síria, país vizinho mergulhado numa guerra civil que já deixou 100 mil mortos nos últimos dois anos e meio. Antes, esteve em lugares como Líbano e territórios palestinos, onde conviveu com mulheres que sofriam por causa da opressão masculina.
Raquel, que também é professora e tem diversos livros sobre as missões publicados, trabalhou na Jordânia, na periferia de al-Mafraq, ajudando refugiados que deixaram o campo de Zaatari, o maior do país, com 120 mil pessoas. A ONU calcula que pouco mais de 30% dos dois milhões de sírios que deixaram o país vivam nos campos. A grande maioria foge da polícia e acaba encontrando uma vida difícil nas cidades.
– Dentro do campo há várias organizações não governamentais, mas, mesmo com a ajuda, muitos saem de lá porque vivem sem ter o que comer ou o que vestir. Eu atendia cerca de cem famílias por mês, fornecendo cestas básicas, remédios e conforto espiritual – afirma.
Na Jordânia, país predominantemente muçulmano, Raquel tem que lidar ainda com o conflito religioso. Lá, ela é voluntária, e não missionária da Junta Administrativa de Missões. A professora conta que já chegou a ser interrogada por policiais por ser cristã. E lembra os ataques a Maaloula, vila de maioria cristã que virou campo de batalha na guerra civil síria.
-Usamos a palavra “voluntário”. Missionário lá tem outro teor, diferente do daqui. Eles pensam que nosso objetivo é a conversão, o que não é verdade – explica ela, que já atendeu até os rebeldes do Exército Livre da Síria (ELS).
Com a iminência de uma intervenção militar americana – nos últimos dias mais distante devido ao acordo russo-americano – o grupo de religiosos que trabalha com os refugiados está menor. Os que ficaram, de outras missões, têm trabalho dobrado, numa situação cada vez mais caótica. Embora a maioria dos jordanianos não acredite que o país vá se envolver numa possível guerra, muitos temem que a economia afunde ainda mais e que o número de refugiados aumente.
– A população toda aprendeu a viver com medo, mas ninguém quer a guerra. Nem os jordanianos nem os refugiados, que, em sua maioria, não apoiam o Bashar (al-Assad, o presidente sírio), mas também não querem ajuda dos rebeldes. Eles estão depressivos. O povo chora muito pela destruição da Síria. Estão revoltados com os dois lados – diz a missionária, que tem planos de voltar no ano que vem para continuar o trabalho.
Acesse o PDF: A força da solidariedade feminina no meio da guerra fratricida (O Globo, 17/09/2013)