19/09/2013 – Relator do Marco Civil da Internet defende pressão financeira contra espionagem internacional

19 de setembro, 2013

(Folha de São Paulo) O deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) afirmou ontem (18) que o governo pretende obrigar grandes empresas internacionais de internet a terem seus dados armazenados no Brasil porque essa é a única linguagem que os Estados Unidos entendem.

Indagado sobre se Google e Facebook estariam no grupo de empresas que teriam de ser obrigadas a construir datacenters no Brasil, respondeu: “São dois exemplos. Mas há outros”. Quais? “Talvez pudéssemos contar em duas mãos as empresas que entrariam nisso”. Só empresas de grande porte serão enquadradas nessa regra.

“Infelizmente, muitas vezes a única linguagem que se entende é a linguagem econômico-financeira. Mas a resposta é política, a um problema político”, afirmou Molon em entrevista ao programa Poder e Política, da Folha e do UOL. Ele é o relator do projeto de lei conhecido como Marco Civil da Internet.

A resposta política é ao governo dos Estados Unidos, a respeito da espionagem das comunicações da presidente Dilma Rousseff realizada por agências de inteligência norte-americanas.

O deputado petista esteve na semana passada com Dilma para tratar de alterações no projeto, que agora tramita em regime de urgência por determinação do Palácio do Planalto. Na conversa com a presidente, Molon sentiu que o Marco Civil será a principal resposta objetiva aos Estados Unidos por causa da espionagem.

“Toda vez que houver um ato de violação da nossa soberania que mereça uma resposta firme, dura, que represente inclusive custo para as empresas desse país que violou nossa soberania, certamente vão pensar duas vezes em violar nossa soberania. Se isso significar perda de recursos para as empresas desses países”, diz Molon.

Mas os espiões de outros países levarão em conta essa consequência para as empresas antes de bisbilhotar o governo brasileiro? “A reação das autoridades americanas, de preocupação, só surgiu quando ficou claro que isso representaria perda de recursos para as empresas americanas”, responde o deputado.

Molon disse que a construção de datacenters no Brasil representaria cerca de uma semana do faturamento de uma empresa como o Google.

Se vingar essa proposta, a lei terá uma redação genérica. A regulamentação fará a distinção a respeito de quais empresas internacionais terão obrigação de armazenar fisicamente os dados seus clientes no Brasil. A ideia, disse Molon, é não atingir empresas pequenas, blogueiros ou pequenos usuários. O foco são as grandes, como Google e Facebook.

Ao falar a respeito da neutralidade da rede –conceito que visa a impedir que provedores interfiram na qualidade do serviço prestado conforme o conteúdo acessado–, Molon disse que a presidente da República rejeita colocar no Marco Civil a possibilidade de as teles oferecerem pacotes conhecidos como “franquia de dados”.

Essa modalidade de franquia de dados permite hoje a empresas provedoras de acesso venderem um serviço no qual é determinada a velocidade máxima de navegação e um limite para upload e download de dados a cada mês. Todas as vezes que o usuário assiste a um vídeo, por exemplo, a quantidade de bytes que é “baixada” no computador vai sendo registrada. Depois de um certo volume no mês, a velocidade para aquele usuário é degradada. Dilma Rousseff foi contra colocar esse tipo de opção de serviço no Marco Civil.

Sobre outras formas de equipar o Brasil para se precaver de atos de espionagem, Molon disse considerar “um equívoco” a hipótese discutida pelo governo de circunscrever o tráfego de dados entre usuários brasileiros apenas à rede física no Brasil. O deputado considera essa medida desnecessária para proteção de dados.

A seguir, trechos da entrevista:

Folha/UOL – O sr. é relator do projeto conhecido como Marco Civil da Internet. Teve uma reunião recente com a presidente da República, Dilma Rousseff. O que foi discutido e o que a presidente pediu para o sr. a respeito do Marco Civil?
Alessandro Molon – Foi uma reunião excelente. A presidenta pediu uma reunião para tratar dos detalhes do Marco Civil. O projeto é de autoria dela. Foi enviado para a Câmara dos Deputados em 2011. Lá na Câmara dos Deputados foi criada uma comissão especial como manda o regimento interno. Dela eu fui designado relator e nós fomos tratar dos aspectos do Marco Civil que teriam impacto na proteção à privacidade dos brasileiros, sobretudo depois desse escândalo da espionagem, que incomodou muito a presidenta não apenas pela espionagem dos seus contatos, mas também pela espionagem de milhões de brasileiros que tiveram a sua privacidade violada sem nenhuma autorização de ninguém. Isso é inadmissível. Ela, reagindo a isso, queria entender de que maneira o Marco Civil já protegeria as pessoas desse tipo de prática e o que poderia ser aperfeiçoado no projeto de forma a proteger de futuras práticas como essas.

O projeto do Marco Civil está há cerca de dois anos na Câmara. Não fosse esse episódio de espionagem norte-americana no Brasil, esse empurrão agora não teria acontecido?
Depois de um ano aguardando a votação do projeto, eu lamento ter que concordar que talvez a votação do Marco Civil fosse ainda mais adiada se não fosse esse escândalo. O projeto já está pronto para ser votado há um ano. São mais de 100 milhões de internautas no Brasil que estão desprotegidos porque nós não temos uma lei que os proteja. O Marco Civil é essa lei e, no entanto, nós fizemos seis tentativas de votação, todas elas frustradas. Duas na comissão especial e quatro no plenário.

Felizmente, a Câmara agora terá que votar o projeto infelizmente após um escândalo como esse. Mas agora, com a urgência constitucional, se a Câmara não votar, a pauta fica trancada. É claro que pedir a urgência constitucional para um projeto gera sempre uma tensão entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, porque significa o Poder Executivo, no limite, trancar a pauta da Câmara. Mas, lamentavelmente, se fez necessário.

A presidente Dilma Rousseff deseja que empresas de internet que oferecem serviços aos seus clientes brasileiros armazenem cópia dos dados no Brasil, fisicamente. É real esse pedido?
É real esse pedido. Essa é uma preocupação da presidenta, é uma proposta dela após esse escândalo de espionagem. Ela de fato pediu isso. Os técnicos que trabalham conosco e também nos ministérios estão estudando a melhor forma de incluir isso no Marco Civil e pensando quais são os prós e os contras dessa decisão.

Qual é a sua opinião?
É possível fazer isso? Sim, isso é factível. No entanto, o governo não quer que essa seja uma regra que seja, digamos, obrigatória para um blogueiro brasileiro necessariamente. Nós estamos estudando uma redação que exija eventualmente que apenas grandes empresas internacionais que usam, que exploram serviços no Brasil, guardem cópia desses dados para fazer com que a legislação brasileira, que garante a privacidade ao internauta brasileiro, se aplique também a esses dados. Porque um dos problemas que diz respeito a esse tema é o problema de jurisdição. Para resolver esse problema entre outros, a ideia seria obrigar o armazenamento no Brasil.

Essa pode ser uma medida. Não sei se o lugar adequado para isso é o Marco Civil ou, eventualmente, a Lei de Proteção de Dados Pessoais que virá a seguir. Mas esse é um debate que nós ainda estamos fazendo.

O sr. acha que pode ser mais apropriado essa determinação estar na lei sobre proteção de dados?
Sim, talvez esse fosse o melhor lugar. Sobretudo porque teremos um pouco mais de tranquilidade para fazer esse debate. Agora, é possível incluir no Marco Civil? É. Nós estamos estudando e se tivermos um bom resultado desses estuados e desses debates com os técnicos, nós podemos incluir sim no Marco Civil.

Essa medida de armazenar fisicamente os dados no Brasil não vai contra o espírito universal, global da internet? As empresas globais de internet teriam de ter datacenters em todos os países. Não parece um pouco longe da realidade esse tipo de exigência?
Olha, depende de para quem seja feita e depende da escala que se vai adotar, sobretudo na regulamentação. A ideia não seria fazer com que todas as empresas fizessem isso, que empresas brasileiras médias ou pequenas fizessem isso. Se for necessário, inclusive como uma resposta política, a colaboração eventual de empresas transnacionais que tenham colaborado com a espionagem de dados brasileiros, essa resposta será colocada no Marco Civil.

Quais empresas poderiam ser alvo disso? E como se faria essa distinção entre grandes empresas e médias empresas?
Essa distinção deve ficar para a regulamentação da lei. Vai depender da redação do artigo. É exatamente isso que nós estamos estudando nesse momento. A ideia seria pegar as grandes empresas transnacionais que eventualmente tenham colaborado ou das quais se suspeite que tenham colaborado com a violação da privacidade dos brasileiros.

Fala-se sempre, entre outras grandes empresas, do Google e do Facebook. No caso dessas empresas, já há um consenso a respeito de elas terem que armazenar fisicamente os dados no Brasil?
Essa é uma forte possibilidade. Mas nós não temos a redação pronta ainda. Estamos estudando essa redação e pensando as consequências de cada uma das redações. É nesse ponto que nós estamos.

Qual que é a sua opinião nesse momento?
A minha opinião é que a legislação brasileira tem que se aplicar para a proteção de dados de brasileiros que contratam esses serviços no Brasil e que estão tendo a sua privacidade violada inclusive por empresas que exploram economicamente a sua atividade no país, mas que depois em algum momento dizem: “Nós não somos obrigados a seguir a legislação brasileira porque nós armazenamos esses dados em outro país. E, portanto, para a proteção desses dados, nós seguimos a legislação de outro país”. Isso não é admissível. Quem está no Brasil para explorar qualquer atividade econômica é bem-vindo, é lícito, mas deve respeitar a legislação brasileira de proteção aos cidadãos brasileiros.

O Google ou o Facebook são empresas transnacionais que atuam na internet. Eles têm escritórios no Brasil, mas podem não ter. Podem fazer as malas, ir embora, demitir todo mundo que trabalha aqui. E vão continuar a existir. As pessoas vão continuar a ter o e-mail do Google, vão continuar a ter as suas páginas no Facebook. E daí, como fazer?
E daí que eles vão perder milhões em publicidade.

Não necessariamente. Eles podem receber a publicidade a partir dos escritórios no exterior…
Poder, podem, mas se não fosse economicamente interessante ter escritório aqui, não teriam. Não tenha dúvida disso.

Mas e se decidirem não ter mais escritório no Brasil…?
Olha, eu acho mais provável que eles construam um datacenter que representa três dias ou uma semana do seu faturamento do que acabar com a atividade econômica no país.

Mas sempre haverá uma empresa no exterior… Talvez centenas ou milhares que não estarão fisicamente aqui. Essas estarão sendo beneficiadas pelo fato de não estarem aqui. As que vêm aqui, criam empregos, têm escritório, querem atuar na economia brasileira e terão de pagar um preço e ter o datacenter. É justo?
Eu coloco a sua pergunta de outra forma. Pergunto se é justo que uma empresa venha a se instalar no Brasil, gere emprego, tenha um amplo faturamento no país e num determinado momento diga: “Eu não sou obrigada a cumprir as leis do país porque eu armazeno os dados que eu colho aqui no Brasil em outro país e eu trato a privacidade dos brasileiros, inclusive dos seus governantes, como eu bem entendo. E vocês não têm nada a fazer a respeito disso”. Imagine que o Brasil respondesse: “Vocês têm toda a razão. Nós não temos nada a fazer.

Lamentamos que vocês nos tratem assim e gostaríamos de pedir encarecidamente que vocês pensassem se não podem ser mais generosos, ou gentis, ou delicados com a proteção dos nossos dados”. Isso não é resposta que um país dê diante de um escândalo dessa dimensão. E as autoridades americanas sabem disso. E se tem uma coisa que preocupa os Estados Unidos é o efeito econômico nas suas empresas. Só tem uma coisa que tem preocupado os americanos nessa reação toda: É o quanto isso vai custar para as empresas deles.

Então, em alguma linguagem que o nosso país fale que seja entendido para um país que violou a nossa soberania, nós precisamos falar a nossa linguagem. Não é razoável que, diante de tudo que aconteceu, a presidente da República diga: “Lamento muito, mas é assim mesmo. A internet hoje em dia é assim e, olha, eu queria comunicar a toda nação brasileira: Vocês não estão protegidos e eu não tenho nada a fazer para proteger vocês.” A presidente não vai fazer isso. O Congresso Nacional não vai fazer isso. Nós vamos buscar, sim, uma maneira de proteger os brasileiros e mostrar que essa proteção é efetiva. Ainda que isso não garanta que não vá ocorrer mais um episódio desse. É claro que nós não queremos enganar ninguém vendendo uma ilusão de que qualquer medida tomada numa lei impeça qualquer ato que eventualmente viole a privacidade novamente dos brasileiros. Mas isso será ilícito a partir da aprovação dessa lei e quem violar a lei responderá aqui no Brasil por isso.

Não seria então melhor colocar todas essas medidas numa lei específica e não no Marco Civil, que é um outro tipo de legislação?
O Marco Civil é uma lei de princípios sobre a internet…

Justamente…
Então, pela sua própria natureza, eu acredito que o Marco Civil não seria o melhor lugar para a inclusão de medidas de proteção de dados como a criação de datacenters no Brasil.

Então, em tese, você tem razão. Em tese, o ideal para a discussão desse tipo de tema seria a Lei de Proteção de Dados. No entanto, o tempo político é outro. Você sabe disso. A Lei de Proteção de Dados sequer saiu do Ministério da Justiça. O Marco Civil está há dois anos na Câmara. Então, vamos pensar quanto tempo essa Lei de Proteção de Dados vai demorar para ser apreciada na Câmara. Imagine o tempo dessa resposta política ser dada em três anos. Daqui a três anos, nós respondemos esse escândalo de espionagem dizendo: “Olha, estamos respondendo aquilo que ocorreu três anos atrás incluindo aqui na Lei de Proteção de Dados uma medida para responder ao escândalo de espionagem de 2013”. Então, talvez isso impeça que se adote a solução ideal, que é deixar esse debate para a Lei de Proteção de Dados. Agora, em tese, faria mais sentido sim colocar esse dispositivo na Lei de Proteção de Dados.

Para o internauta entender: ele que tem uma conta de correio eletrônico numa empresa qualquer terá a segurança de que todos os e-mails que enviar por intermédio dessa conta ficarão arquivados no Brasil. É isso?
Sim. E, sobretudo, ele poderia acionar a Justiça brasileira se a sua privacidade nesse meio fosse violada por alguém sem a sua autorização. E o Marco Civil traz uma série de propostas de proteção à privacidade desse internauta. Então, digamos que alguém vá à Justiça reclamando desse escândalo de espionagem dizendo: “Olha, todos os dados que eu botei na minha conta nesse e-mail foram violados e eu quero receber uma indenização por danos morais por essa violação da minha privacidade”. Provavelmente, a resposta que ele vai obter dessa empresa é: “Não há que se discutir a aplicação da lei brasileira para a proteção desses dados porque eles estão em outro país e, portanto, se aplica a lei de outro país à proteção desses dados e a lei do outro país não impede a violação dessa privacidade”.

Como é que vai fazer uma linha de corte para determinar quais empresas terão de se submeter à exigência de armazenar tudo no Brasil?
Estou tratando disso há mais de dois anos, mas essa questão dos datacenters é nova. Nós ainda estamos estudando e ouvindo todas as opiniões. Inclusive, em relação aos pontos contrários a essa proposta. Estamos avaliando os prós e os contras também dessa proposta.

O sr. já ouviu algum argumento contrário que seja sólido e respeitável?
Sim, já ouvi vários argumentos contrários que são sólidos e respeitáveis. Há uma série de pontos de vista de pessoas que trabalham no Brasil que acham que essa não é a melhor solução para a proteção dos dados pessoais.

Que soluções elas oferecem?
O argumento mais usado é de que isso não resolve o problema de espionagem. Isso é um fato. O problema é que essa proposta não se destina a impedir a espionagem. Ela não impede a espionagem porque não há como proibir de armazenar esses dados também em outros países. A exigência de armazenamento dos dados no Brasil não significa a proibição do armazenamento desses dados [em outro países].

E a espionagem pode ser feita lá fora…
Pode ser feita lá fora. No entanto, estando esses dados aqui no Brasil, nós podemos acionar a Justiça em relação à violação da privacidade desses dados que estão armazenados aqui no Brasil e foram espelhados lá fora porque o contrato que foi assinado pelas pessoas foi assinado aqui no Brasil. Então, esse é um argumento razoável de quem diz: “Olha, mas isso não vai resolver o problema da espionagem”. Contra o qual se coloca esse ponto de vista de que, na verdade, embora não resolva o problema da espionagem, dá ao cidadão brasileiro um instrumento para reclamar dessa violação.

Mas e como será a linha de corte para definir qual tipo de empresa teria que ficar sujeita a esse tipo de exigência, de guardar os dados aqui no Brasil?
Vai depender da capacidade econômica da empresa. Não é razoável exigir de uma empresa que está começando que ela tenha um investimento dessa monta. Isso significaria impedir uma “startup” [empresa que acaba de ser lançada]. Inviabilizar uma “startup” não é a ideia. Então, dependeria da capacidade financeira, do porte da empresa e da quantidade de brasileiros atendidos. Da amplitude da oferta desse serviço para nacionais.

Portanto, tamanho econômico e amplitude dos serviços oferecidos seriam critérios?
Por exemplo. Acho que seriam critérios razoáveis. Mas nós estamos analisando.

Empresas grandes e que atendem número grande de brasileiros teriam de ficar sujeitas a essa regra?
Possivelmente.

Como o cidadão, ao assinar um serviço de e-mail, saberá se tal empresa tem o data center no Brasil?
Através da internet ele poderia ser informado, inclusive ao adquirir esse serviço.

Teria que haver um trabalho de informação proativa, com as empresas informando de maneira clara na hora em que a pessoa contrata o serviço?
Talvez essa fosse uma possibilidade. Seria uma coisa simples. Divulgar, comunicar quais seriam as empresas. Até porque esse corte não pegaria milhares de empresas. Pegaria talvez algumas empresas, talvez dezenas de empresas. Provavelmente as empresas mais usadas pelos brasileiros. Empresas que são muito utilizadas, seja para criação de perfis em redes sociais, seja para utilização de e-mails gratuitos.

Estamos falando de duas aí.
Não, talvez pudéssemos contar em duas mãos as empresas que entrariam nisso.

Cite algumas, por exemplo.
Não, lei a gente faz geral.

Mas o sr. está mencionando rede social, o Facebook, e e-mail, o Google. Não é isso?
São dois exemplos. Mas há outros. Não me cabe citar nominalmente as empresas, porque poderia parecer também alguma coisa especificamente contra uma delas. A ideia não é essa. A ideia é fazer uma lei que proteja os brasileiros. Eu inverto o ponto de vista. Imagine um brasileiro que se sente desrespeitado na sua privacidade e vai à Justiça. A resposta que a Justiça dá é: “Lamento, não posso fazer nada”. Mas eu contratei uma empresa que está sediada no Brasil, eu contratei esse serviço em português, eu assinei termo de uso em português, tem escritório deles aqui, e o poder público brasileiro, o Estado brasileiro, me diz que não há nada o que fazer? “Lamentamos muito, mas não há nada o que fazer, quem sabe você não usa o e-mail de uma outra empresa, de uma empresa brasileira, e torce pra ela guardar os dados aqui. Não é razoável. Alguma resposta tem que ser dada.

O sr. tem uma ideia do custo para as empresas?
Depende do tamanho da empresa e do tamanho do datacenter. Para algumas dessas empresas que você citou a construção de um datacenter representa no máximo uma semana de faturamento. Uma semana de faturamento, num ano, para construir o datacenter! Só para dar um exemplo. Quer dizer, não é nada proibitivo. Não é nada que uma empresa dessas não possa dizer “nós vamos ter que fechar as portas aqui no Brasil”. Disso você pode ter certeza. Vamos continuar discutindo se é a melhor saída. Se é o melhor lugar. Mas tenha certeza de que uma exigência dessa não vai inviabilizar a atividade de nenhuma dessas empresas no Brasil.

Outra proposta ouvida dentro do governo, sobre comunicação segura, é sobre o tráfego da internet circulando apenas no Brasil: uma informação no Brasil ter que trafegar apenas por aqui. Isso vai ser abordado no Marco Civil?
Não. Essa proposta me parece equivocada. Acho que não é uma boa saída. Implicaria mudar o funcionamento da internet. Portanto não me parece que possa ser adotada nem no Marco Civil nem em nenhuma outra lei. Essa proposta está sendo discutida, está sendo analisada, foi de fato feita, e nós estamos conversando com os técnicos…

Como é a proposta?
É uma proposta em que o tráfego de dados entre um remetente e um destinatário brasileiro fique no Brasil. Isso contraria o próprio espírito da internet, a própria forma como a internet funciona. É uma proposta bastante equivocada.

Sem contar que o custo seria astronômico…
O problema não é só o custo. Esse custo terá que ter enfrentado por quem quer explorar comercialmente a internet. Os provedores de conexão têm que investir mais, sobre isso não há a menor dúvida. Eles investem pouco. Por isso a qualidade da internet brasileira é muito ruim. A internet brasileira é muito cara.

Tem que ter muito investimento porque a gente paga muito e recebe pouco. Agora, a maneira de se fazer isso não é restringir o tráfego de dados entre brasileiros, à rede brasileira. Essa não é a maneira de se garantir esses investimentos. Não é, nem de longe, a melhor maneira.

Esse tema deve ficar fora do Marco Civil?
Sim.

Se o Marco Civil já tivesse sido aprovado com a exigência de data centers no Brasil, essa medida teria inibido as agências de inteligência nos Estados Unidos a espionarem aqui?
Vou responder de outra forma. Toda vez que houver um ato de violação da nossa soberania que mereça uma resposta firme, dura, que represente inclusive custo para as empresas desse país que violou nossa soberania, certamente vão pensar duas vezes em violar nossa soberania. Se isso significar perda de recursos para as empresas desses países.

Ou seja, está relacionado a uma questão econômica-financeira?
Não é econômica-financeira. É uma resposta política a um problema político. O impacto dessa resposta é econômico-financeiro. Infelizmente, muitas vezes a única linguagem que se entende é a linguagem econômico-financeira. Mas a resposta é política, a um problema político. É uma decisão política que está sendo tomada, que eventualmente será tomada. Não sei se no Marco Civil ou na lei de proteção de dados, mas é um problema político, e portanto sim, se houver isso, eu tenho certeza que vão pensar duas vezes antes de fazer de novo.

Será que o espião na agência norte-americana vai realmente ponderar esse argumento antes de fazer espionagem?
Eu diria que a reação das autoridades americanas, de preocupação, só surgiu quando ficou claro que isso representaria perda de recursos para as empresas americanas.

Como o sr. definiria de uma maneira bem direta e objetiva o conceito de neutralidade da rede embutido na proposta de Marco Civil da Internet?
Pela rede, pelas fibras óticas, trafegam pacotes de dados como se fosse caixinhas de Sedex. Cada um deles é um pedaço de informação. Esses pacotes vêm de um lugar, vão para outro lugar e eles têm um conteúdo. A neutralidade da rede significa proibir que nessas fibras óticas se discrimine, ou se trate pior, ou melhor, um pacote de dados e faça ele andar mais rápido ou mais devagar dependendo de onde ele venha para onde ele vá ou o que ele contenha.

Proibir isso é garantir a neutralidade da rede. Uma rede neutra é uma rede que não discrimine os pacotes de dados dependendo de onde eles venham, para onde eles estão indo ou do que eles contenham. É basicamente isso.

As empresas telefônicas são as mais refratárias ao conceito. Defendem a possibilidade de vender pacotes diferentes de acesso para os consumidores. Esse tipo de diferenciação atentaria contra a neutralidade da rede?
Exatamente. Atentaria. Se eu estou pagando por 10 megas de velocidade, eu quero usar os meus 10 megas para o que eu quiser. Não tem o meu provedor de conexão o direito de dizer: “Não, esses seus 10 megas, Molon, são só para e-mail. Mas não assista vídeo no Youtube ou não use o Skype”. Isso é uma violação da neutralidade.

A neutralidade proíbe que eles fatiem, que os provedores de conexão tendem vender a internet para nós fatiada. Ou seja: “Não, se você quiser 10 megas só para ler e-mail, R$100. Se você quiser 10 megas para usar e-mail e usar rede social, R$150. Se você também quiser baixar música, R$ 200 por mês. Se você quiser assistir vídeo no Youtube, R$ 250. Se você quiser usar o Skype, R$ 500, porque aí você concorre com o meu negócio principal”. O negócio das telefônicas é a venda da ligação.

Hoje as teles hoje vendem o serviço com dois itens básicos. Um é a velocidade. O outro é o limite de dados que podem ser subidos ou baixados. Quando o internauta, o consumidor, atinge esse limite de upload ou download, a velocidade baixa. Esse tipo de pacote também atenta contra a neutralidade da rede?
Olha, diretamente não. Porque na quantidade de dados que você vai baixar até atingir o seu limite independe do tipo de dado que você está baixando.

Agora, se o limite é muito pequeno, em alguma medida você não vai conseguir baixar, a partir de um certo momento, qualquer conteúdo. Houve uma proposta de que se inserisse essa previsão de permissão de vendas de franquia de dados, que é exatamente esse modelo de negócios.

É o que está em vigor hoje na maioria das operadoras, não é?
Sim, sobretudo, na internet móvel. Embora haja operadores que já [vêm] oferecendo esse tipo de serviço ou vendendo internet banda larga dessa forma também. Mas houve uma proposta que se colocasse no Marco Civil que esse tipo de venda não atentava contra a neutralidade e a presidenta foi muito firme em se colocar contra essa proposta.

Ou seja…?
Ou seja, a presidenta não quis que ficasse positivado, explícito no Marco Civil, que isso não atenta contra neutralidade.

Se ela se posicionou de maneira firme contra explicitar que não atenta contra a neutralidade de rede, isso significa que se o texto nesse trecho mantiver a redação atual isso será proibido quando o Marco Civil for aprovado?
Na verdade, o que me parece que a presidenta quis dizer é que o Marco Civil não é lugar para se colocar modelo de negócios. Não é lugar para se positivar, para se tratar como lícito ou ilícito determinado modelo de negócios.

O sr. está dizendo que o Brasil está prestes a ter uma lei muito importante que conterá um trecho ambíguo que vai ser dirimido pela Justiça?
Não há lei que não admita várias interpretações. Eu desafio você a apresentar uma.

Mas o direito é interpretação sempre. Porque se não fosse interpretação, nós não precisaríamos nem de juízes, nem de advogados, nem de Justiça. Colocaríamos num computador que diria é isso ou não é. Então, isso é parte inerente do direito.

O PT deve romper com o PMDB no Rio de Janeiro no ano que vem, 2014, e ter candidato próprio ao governo do Estado do Rio?
Não. O PT deve romper com o PMDB em 2013, este ano ainda. O PT já passou da hora de sair do governo do Estado, um governo que nos afasta de nossa base social. O PT no Rio de Janeiro vem diminuindo, inclusive pela falta de uma cara, de uma visibilidade, de candidatura própria. Por isso eu espero que ele rompa o quanto antes, saia do governo e tenha candidato próprio em 2014.

Quem deve ser o candidato do PT ao governo do Rio de Janeiro em 2014?
O nome natural é o nome do senador Lindbergh [Farias], que foi o senador mais votado nas últimas eleições, que quer disputar e acho que está no momento mais oportuno possível para disputar a eleição do governo do Estado.

O sr. pretende disputar mais um mandato de deputado federal?
Provavelmente sim, ainda não tomei essa decisão, mas é provável que sim.

No plano nacional o PT é aliado do PMDB. No plano nacional, a aliança entre PT e PMDB deve ser mantida?
A governabilidade exige que o PT tenha aliados, dentre eles o PMDB, para conseguir governar o país e pra ter maioria no Congresso, isso é indispensável.

Mas a aliança eleitoral deve ser mantida com o PMDB?
Eu acho que sim. Aliança eleitoral pode ser mantida, mas nós precisamos qualificar essa aliança. Há pouco tempo o ministro Tarso Genro esteve aqui e eu sigo a mesma linha que ele: acho que é preciso qualificar essa aliança e deixar claro quais são os termos dessa aliança, qual é o projeto que nós vamos defender no próximo mandato da presidente Dilma, pra evitar divergências que surgem no próprio Congresso, repetidamente.

Leia a transcrição da entrevista de Alessandro Molon à Folha e ao UOL

Acesse o pdf: Relator do Marco Civil da Internet defende pressão financeira contra espionagem (19/09/2013, Folha de São Paulo)

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