(G1) Aluna disse que teve que assinar formulário para candidatos sem RG. Mercadante afirmou que MEC vai estudar se é possível mudar formulário.
Candidatas transexuais que fizeram a edição de 2013 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) relataram que sofreram constrangimento na hora de apresentarem o documento de identidade aos fiscais das salas de prova no sábado (26). Como usam um nome social diferente do nome indicado no documento de identificação, duas estudantes transexuais disseram que só receberam o caderno de provas no primeiro dia depois de um longo processo de conferência de dados. Uma delas foi tratada como se houvesse perdido o documento de identidade.
Procurado pelo G1, o Ministério da Educação afirmou na tarde deste domingo (27) que os casos estão sendo verificados.
Em entrevista coletiva na noite deste domingo, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou que ouvirá entidades representantes de transexuais para “ver se é necessário ter um procedimento especifico” e se os procedimentos de segurança permitem a alteração do formulário de inscrição do Enem.
“Nunca tivemos nenhum problema sobre essa questão. Transexuais, bissexuais, que façam exame. O grande objetivo do Enem é a inclusão, com total respeito à identidade e diversidade. Se esta questão, de fato, tiver uma demanda, sentaremos com a entidade que os representa e dialogaremos com eles para ver se é necessário ter um procedimento especifico. Se for possivel, respeitando a segurança, poderemos fazer [mudanças no formulário]”, afirmou ele.
Retirada da sala
A estudante Ana Luiza Cunha de Silva, de 17 anos, afirmou que já estava sentada na carteira, com seu cartão de respostas do Enem, quando foi retirada da sala em que estava, em Fortaleza, e teve que passar por duas salas até ser liberada para fazer as provas de ciências humanas e ciências da natureza no sábado. Segundo ela, todo o processo durou entre 15 e 30 minutos, mas ela não chegou a perder tempo de prova porque chegou ao local do exame antes mesmo da abertura dos portões.
Ana Luiza, que adotou seu nome social aos 14 anos, conta que primeiramente foi levada à sala de uma subcoordenadora do Enem no seu local de provas. “Ela foi verificar a identidade, e perguntou por que não mudei meus documentos”, explicou. A adolescente explicou que já procurou seu advogado para fazer o trâmite, mas que, segundo ele, no Brasil só é possível iniciar o processo de troca do nome civil após os 18 anos, que ela só vai completar em março de 2014.
Ela foi então encaminhada a outra fiscal do Enem, que, depois de conversar com ela, a fez preencher o formulário usado para identificar os candidatos que não estão com os documentos oficiais. “Ele me perguntou informações, o telefone fixo, o nome dos meus pais, e tive que assinar três vezes.”
A situação, segundo Ana Luiza, não se repetiu no segundo dia de provas. “Hoje [domingo] eles inclusive me pediram desculpa por terem feito perder um pouco de tempo. As moças hoje todas foram super educadas comigo. O jeito que me trataram foi bem melhor. Acho que foi surpresa [para as fiscais] porque a foto estava muito diferente. Me trataram como se a identidade não fosse minha. Não vi nenhum tipo de defeito, mas acho que estavam de certa forma desprepados.”
Meia hora na porta da sala
Beatriz Marques Trindade Campos, de 19 anos, mora em Sete Lagoas (MG) e explicou ao G1 que fez o Enem pelo segundo ano consecutivo e que o comportamento dos fiscais foi o mesmo: no primeiro dia, surpresos com o fato de seu RG ter um nome masculino e uma foto com a qual ela não se parece mais, os fiscais a trataram com desconfiança e demoraram para liberar sua entrada à sala de provas. “Perguntaram se era eu mesma, coisas assim, mas no final deixaram entrar”, contou ela. No segundo dia, como os fiscais são os mesmos, a entrada é automática.
Como o processo de conferência da identidade acontece em frente aos demais candidatos, Beatriz, que fazia a prova em uma sala cheia de homens, já que a alocação dos estudantes é feita em ordem alfabética, disse que ficou constrangidas com a situação à qual foi submetida durante todo o tempo que os três fiscais levaram para autorizar seu acesso ao Enem.
Beatriz também reclamou do fato de o formulário de inscrição do Enem não prever que candidatos e candidatas transexuais anotem o nome social pelo qual querem ser tratadas no processo de aplicação e correção do Enem. Na faculdade particular em que estuda direito, a jovem afirmou que usa seu nome social nas listas de presença e também nos demais trâmites.
Ela reconhece que o problema de inclusão e aceitação dos transexuais não é uma questão só do exame, mas de toda a sociedade brasileira, e que até a questão de se ter um nome civil e um social é apenas um “tapa-buraco” para a situação. “O que solucionaria de vez todos esses problemas é uma legislação específica para a troca de nome civil. Mas enquanto não acontece isso o MEC poderia ajudar, estar mais atento para isso.”
Ana Luiza também disse que sentiu falta de uma opção para transexuais no formulário de inscrição do Enem. “Pensei em colocar [a opção] de deficiente, mas meu pai falou para não colocar nada”, explicou ela. A mãe da adolescente, Cláudia Cunha da Silva, de 39 anos, disse que a família já vem estudando as medidas necessárias para que a filha não passe mais por esse tipo de situação, e que nesta segunda-feira (28) vai ao cartório para pegar informações sobre o processo de mudança de nome.
“A gente tem que passar por um processo grande de evolução”, afirmou Cláudia. “Nesse caso não existe só ela, existem vários candidatos.”
Acesse o PDF: Candidatas transexuais do Enem dizem ter sofrido constrangimento (G1, 27/10/2013)