(Euronews) Dia 9 de outubro de 2013. Congresso dos Deputados. Três ativistas do grupo Femen invadiram a sessão para protestar contra a proposta de reforma da lei do aborto, em vigor em Espanha desde 2010.
O ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón, quer que seja mais restritiva num país em que que se praticam 120 mil abortos por ano, a média mais alta da Europa.
Segundo uma sondagem do jornal El Pais, a maior parte da população diz-se contra esta reforma controversa.
Para a plataforma “Decidir torna-nos livres”, à qual pertencem 200 organizações da sociedade civil, o projeto de lei de Gallardón baseia-se numa insegurança jurídica para a maioria das mulheres que abortam: “O que está a acontecer neste país com a lei que temos é que os problemas diminuíram. As mulheres têm acesso ao aborto de forma mais segura para a saúde, mais igualitária, porque em todas as comunidades autónomas há a possibilidade de fazer um aborto com financiamento do Estado. Não há um maior número de abortos, o aumento foi muito pequeno. Quando algo funciona de forma padronizada acreditamos que não há razões legais, sanitárias ou sociais para alterar a legislação em vigor.”
A lei atual permite o aborto sem justificação até às 14 semanas ou até às 22 em caso de risco grave para a vida ou para a saúde da mãe ou do feto.
A maioria das interrupções voluntárias da gravidez são realizadas em clínicas privadas como esta. As intervenções são reembolsadas pela Segurança Social.
O projeto de lei de Gallardón pretende voltar às premissas do modelo, ou seja, a legalização em casos de violação, malformação do feto ou risco para a mãe, em vigor até 2010, embora com alterações.
É um passo para trás, assegura o diretor da Clínica Dator, a primeira clínica acreditada em Espanha, para a prática de abortos:”Pela primeira vez em muitos anos, a mulher volta a estar sob a tutela de um médico ou de um juiz, que são pessoas estranhas totalmente alheios às suas convicções, aos sentimentos mais íntimos às crenças. É uma lei que aniquila totalmente a vontade da mulher. Vai gerar duas realidades sociais neste país. A mulher que tem meios financeiros vai ao estrangeiro, onde pode fazer uma interrupção da gravidez com todas as garantias legais e sanitárias. A mulher sem meios financeiros está condenada a um aborto clandestino, sem garantias legais ou de saúde”.
Olga ocupa-se do apoio ao cliente na clínica. Ela própria fez um aborto na década de 80, um ano depois da aprovação da primeira lei que permitia o aborto na Espanha em caso de violação, malformação do feto ou de risco físico ou psicológico para a mãe: “Com a informação que tinha e com todas as dúvidas sobre o que iria acontecer na intervenção, se ia ter alguma complicação, o que estou a fazer, se vou ser presa, se se vai notar no meu rosto que acabei de fazer um aborto. No fim da intervenção senti um tremendo alívio.”
Se a legalização terminou com os tabus, o medo do estigma não desapareceu. Noutra outra clínica, uma rapariga de 15 anos e a mãe decidiram falar de forma anónima. É necessária a autorização de um dos pais ou do responsável legal, para menores de 16 anos que queiram abortar: “Custa-me muito que a minha filha aborte, mas está numa idade em que não quer ser mãe nem tem idade suficiente para ser mãe. Vou apoiar qualquer decisão que tomar.”
A vontade das mulheres de decidir o que fazer com o corpo, sejam crianças ou adultas é algo inaceitável para um casal espanhol, com sete filhos: “Esta é uma ecografia de um bebé que tinha dois meses e meio quando morreu. Explicámos às crianças que era um irmão ou irmã, não sabemos se era um menino ou menina, que está no céu, com Deus e está aqui com as fotografias das crianças.”
Para esta mãe, seja por razões económicas, de saúde, psicológicas ou de malformação do feto, nada justifica um aborto: “Em Espanha, o aborto deve ser um crime, sem despenalização. Uma mãe deve ser sempre ajudada, em qualquer caso, ainda mais quando está grávida, porque carrega um ser humano. Se não o quiser pode dá-lo para adoção. Mas o que não cabe na cabeça é que se mate a criança.”
O governo deve proibir o aborto, salvo por malformação do feto, insiste que a coordenadora da campanha “Direito a viver”: “Parece-nos que comparar o direito de uma criança à vida com um problema social é injusto. Em Espanha, estamos a gastar 40 ou 50 milhões a financiar o aborto e zero euros a ajudar mulheres grávidas com problemas.”
De acordo com um estudo recente, mais de um quarto das mulheres que abortam em Espanha fazem-no por razões económicas. Ajudar mulheres grávidas e mães em dificuldade é o objetivo da Fundação Privada Madrina Providenciam ajuda alimentar, abrigo ou ajudam na procura de emprego: “A primeira ajuda a ser cortada em qualquer situação de crise à a ajuda às mães, o que provoca uma crise global. Acredito que o futuro começa por ajudar estas mães, estas jovens, para que tenham casa, emprego e formação.”
Estas jovens são mães de um ou mais filhos. Estudam aqui com a esperança de ir para a faculdade. A Fundação permitiu-lhes sair da precaridade. Algo que para muitas não justifica o aborto. Mas nem todas pensam da mesma forma: “Sempre disse que se ficasse grávida cedo abortava, porque há tempo para tudo e teria que fazer muitas coisas antes, como estudar. Uma vez grávida senti que não conseguia abortar. Sou a favor do aborto se a criança tiver problemas. Quando fiz os testes para o síndrome de Down sabia que se algo estivesse mal iria abortar.”
O aborto também gera polémica noutros países europeus. Enquanto as leis nacionais variam, o Parlamento Europeu recusou-se recentemente de votar num relatório que prevê fazer do direito ao aborto, um direito fundamental.
Acesse o PDF: Espanha: Abortar ou não abortar, eis a questão (Euronews, 15/11/2013)