(Paraná Online) Ainda que o feriado tenha sido derrubado, não há dúvidas de que o Dia da Consciência Negra, independente de ser significado de recesso nos estabelecimentos comerciais, traz à tona uma discussão latente na sociedade. A data, que lembra a morte de Zumbi dos Palmares, o principal ícone da resistência negra durante o período colonial, na verdade, tem como objetivo principal promover uma reflexão a respeito da condição da população negra na atualidade. Apesar de todos os avanços alcançados conforme a história foi progredindo, não dá para negar que essas pessoas ainda sofrem com o preconceito e a discriminação. Essa situação é ainda mais evidente em relação às mulheres negras, segundo especialistas.
Para o sociólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Lindomar Boneti, existem dois fatores históricos e sociais que fazem com que as mulheres negras estejam em uma posição ainda mais vulnerável na sociedade. “O primeiro deles é o fato de ser do sexo feminino, que já tem uma história de submissão perante o homem – só nas últimas décadas é que a mulher começa a tomar espaços novos no mundo social além do lar. O outro é o fato de ser negra, pertencente a uma população que também sempre esteve em posição de submissão na história, o que a impediu de conquistar os espaços sociais da mesma forma que a população branca”, explica.
É fácil perceber essa diferença entre a condição de brancas e negras quando se pensa em quem são as principais mulheres de destaque no Brasil e no mundo. Oprah Winfrey (apresentadora de televisão norte-americana), Michelle Obama (esposa do presidente norte-americano, Barack Obama), Condoleezza Rice (ex-secretária de Estado norte-americana), Marina Silva (política brasileira) e Glória Maria (apresentadora de televisão brasileira) são algumas das poucas exceções. “Estas são mulheres que tiveram oportunidades que, em geral, as demais não têm. Normalmente, os negros são vistos de uma perspectiva exótica. Portanto, as mulheres que acabam se destacando são aquelas que têm uma imagem que pode ser associada à sensualidade”, completa o professor.
No Brasil, um dos reflexos desta situação desfavorável para as mulheres negras é a menor inserção delas no mercado de trabalho. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009, as mulheres negras estão em último lugar quando se fala em participação no mercado de trabalho – somente 63,94% delas estavam inseridas nele naquele ano. Em primeiro lugar, estão os homens negros – 86,79% participavam de alguma forma do mercado de trabalho em 2009. No meio, os homens brancos (86,51%) e as mulheres brancas (65,54%).
Soluções possíveis
Para a coordenadora executiva da Rede Mulheres Negras – PR, Ângela Maria Martins da Silva, a única forma de mudar essa situação é apostar em políticas públicas que reconheçam as diferenças e as desigualdades, oferecendo mais oportunidades à população negra, em especial às mulheres. “Uma política interessante neste sentido é a Política Nacional de Segurança Alimentar, que atinge diretamente as mulheres negras por conta da condição financeira.
Provavelmente nem elas saibam, mas as mulheres negras são as principais beneficiárias do programa Bolsa Família, que faz parte desse programa. Com condições de dar alimentação e manter os filhos na escola, elas têm mais suporte para trabalhar e ganham até autoestima”.
Outras políticas que merecem atenção, pois apesar de existirem ainda não estão completamente implementadas de fato, segundo ela, são a lei que estabelece a obrigatoriedade de ensino da história e cultura afro-brasileiras nas escolas e a implementação de uma política de saúde da população negra em âmbito nacional. “Ainda precisamos de alguns avanços, mas também já tivemos algumas conquistas, como a reserva de cotas nas universidades, que apesar de ser muito criticada, oferece a oportunidade para que essas mulheres se qualifiquem. A própria questão do 20 de Novembro serviu para promover um debate maior, pois a cobertura da imprensa foi maior, o que deu mais visibilidade à causa e fez com que a sociedade se mobilizasse”, opina.
Mesmo com todas essas condições adversas, a comerciante Marivalda Santiago Barbosa, de 32 anos, acredita que a sociedade está mais consciente de que deve tratar todas as pessoas igualitariamente. “Já sofri muito preconceito. Teve até uma vez que o guarda de um posto de saúde quis tirar meu filho de mim, dizendo que ele não era meu porque era branco – como meu marido é ‘emão’, o menino é mais claro do que eu mesmo. Já até me falaram para processar as pessoas que me discriminaram, mas eu sempre preferi resolver na hora. Só que acho que o povo está se conscientizando mais de que tem que nos respeitar. Também temos mais oportunidades. No trabalho, por exemplo, nunca fui discriminada”.
Acesse o PDF: Mulheres negras batalham para conquistar o sucesso (Paraná Online, 24/11/2013)