(O Globo) O país discutiu intensamente a adoção de cotas para negros nas universidades. Hoje esta política está perfeitamente assimilada. As cotas não incitaram o ódio racial e tampouco rebaixaram a qualidade do ensino superior, como previam os críticos.
As universidades ganharam com uma composição de alunos mais heterogênea, pois, a partir da convivência entre realidades de vida distintas, estão formando profissionais mais sensíveis às questões sociais. E a chave da meritocracia foi preservada, uma vez que os cotistas, disputando entre iguais, precisam de boas notas para entrar e se obrigam a grandes sacrifícios para garantir sua permanência e sucesso nos cursos.
É um erro, no entanto, partir do pressuposto de que as cotas nas universidades tenham corrigido todas as distorções geradas em três séculos de escravidão e outros 120 anos de invisibilidade da questão racial. A exclusão dos negros precisa ser superada em todas as suas dimensões, o que inclui o mercado de trabalho e a esfera da representação política.
A princípio, os concursos são democráticos. Ninguém deixa de ser aprovado porque é negro. Mas existe uma estrutura que ao fim produz esse resultado. O governo federal analisou o perfil das pessoas que ingressaram no serviço público na última década. Percebeu que, em 2004, 22% dos funcionários públicos eram negros. Esse índice atingiu 30% em 2013, ainda longe do ideal, uma vez que 52% dos brasileiros se autodeclaram negros. Dilma teve coragem de tocar nesta ferida ao enviar ao Congresso projeto de lei que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas em concursos públicos federais, o que inclui ministérios, autarquias, agências reguladoras, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
É uma ideia oportuna e necessária, embora não seja nova. Segundo a Comissão de Direitos Humanos do Senado, já existem programas de cotas em concursos públicos de quatro estados — RJ, PR, MS e RS — e em mais de cem municípios do país. A norma programática para estas medidas está presente no Estatuto da Igualdade Racial, que responsabiliza o Estado pela elaboração de políticas que tragam respostas às desigualdades raciais em curto, médio e longo prazos. Dentre as medidas de curto prazo, está o ingresso dos negros em espaços sociais que antes lhes eram negados, de forma a ali naturalizar sua presença.
A prática democrática é dinâmica, constantemente reformada pelos legisladores. Foi somente em 1932, por exemplo, que o voto feminino foi adotado no Brasil. Na época, os conservadores alegavam que a politização das mulheres dividiria as famílias e perturbaria a tranquilidade da nação. Com aquele ato, no entanto, as normas que impediam a plena cidadania e a realização profissional das mulheres começaram a ser reduzidas. O mesmo raciocínio pode se aplicar à questão racial, para que um dia possamos comemorar a efetiva igualdade em nosso país. A adoção de cotas nos concursos públicos será um importante passo nesta caminhada.
Acesse em pdf: Exclusão dos negros precisa ser superada em todas as dimensões, por Edson Santos (O Globo – 06/12/2013)