(Folha de S.Paulo) Os problemas de acesso e cuidados especializados no SUS têm mais a ver com desorganização e ineficiência do que com falta de dinheiro.
Essa é uma das conclusões do Banco Mundial em relatório obtido com exclusividade pela Folha que analisa 20 anos do SUS e traça seus desafios.
O próprio governo reconhece a desorganização, mas aponta avanços nos últimos anos.
O subfinanciamento é sempre citado por especialistas, gestores e governos como uma das principais causas para as deficiências do SUS.
E o Banco Mundial reforça isso: mais da metade dos gastos com saúde no país se concentra no setor privado, e o gasto público (3,8% do PIB) está abaixo da média de países em desenvolvimento.
Mas o relatório afirma que é possível fazer mais e melhor com o mesmo orçamento.
“Diversas experiências têm demonstrado que o aumento de recursos investidos na saúde, sem que se observe a racionalização de seu uso, pode não gerar impacto significativo na saúde da população”, diz Magnus Lindelow, líder de desenvolvimento humano do banco no Brasil.
Um exemplo citado no relatório é a baixa eficiência da rede hospitalar. Estudos mostram que os hospitais poderiam ter uma produção três vezes superior à atual, com o mesmo nível de insumos.
Mais da metade dos hospitais brasileiros (65%) são pequenas unidades, com menos de 50 leitos –a literatura internacional aponta que, para ser eficiente, é preciso ter acima de cem leitos.
Nessas instituições, leitos e salas cirúrgicas estão subutilizados. A taxa média de ocupação é de 45%; a média internacional é de 70% a 75%.
As salas de cirurgias estão desocupadas em 85% do tempo. Ao mesmo tempo, os poucos grandes hospitais de referência estão superlotados.
“No Brasil, sempre houve grande pressão para não se fechar os hospitais pequenos, o que não ocorre no exterior. O problema não é só ineficiência, mas a falta de segurança desses locais”, diz a médica Ana Maria Malik, do núcleo de saúde da FGV.
Mas a questão hospitalar é só um ponto. Grande parte dos pacientes que vão a emergências hospitalares é de baixo risco e poderia ser atendida em unidades básicas.
Dois estudos citados pelo Banco Mundial estimam que em 30% das internações os pacientes poderiam ter sido atendidos em ambulatórios.
“O Brasil tem alto índice de internações por causas sensíveis à atenção primária, que poderia ser minimizado com melhor organização do fluxo assistencial, gerando, assim, uma menor pressão na rede hospitalar”, diz Lindelow.
Cuidado adequado para hipertensos e diabéticos, rastreamento de câncer de colo de útero e mama, por exemplo, são ações que podem reduzir parte dessas internações e da mortalidade precoce.
Para o médico Milton Arruda Martins, professor da USP, uma razão para a baixa eficiência na atenção básica é o grande número de pacientes por equipe de saúde da família. “É do dobro do que se preconiza. Se cada equipe tivesse um número menor de pessoas para atender, a capacidade resolutiva seria maior.”
Segundo Lindelow, a atenção especializada é outro desafio que não se restringe a equipamentos e insumos. “É essencial investir em capacitação, criação de protocolos e regulação de demanda que permita o acesso a especialistas, exames e cirurgias.”
Na opinião de Milton Martins, a rede secundária também é insuficiente. “Pequenas cirurgias, como catarata e hérnia, podem ser feitas fora de hospitais, em ambulatórios, mas não há especialistas nem estrutura para isso.”
Governo aponta avanços e diz que rede hospitalar será redesenhada
O Ministério da Saúde reconhece a desorganização no SUS apontada pelo Banco Mundial, diz que há um longo caminho para tornar a gestão mais eficiente, mas aponta avanço nos últimos anos.
Helvécio Magalhães, secretário de atenção à saúde da pasta, afirma que o problema vem desde a origem do sistema, que aglutinou instituições com diferentes perfis e tamanhos, sem um plano estratégico adequado.
Uma das iniciativas para organizá-lo, segundo ele, tem sido a criação de redes que buscam um atendimento integral do paciente, da consulta no posto à internação.
Exemplo: a rede cegonha, que acompanha a mulher no pré-natal, parto e pós-parto.
“Formar pessoas, organizar o sistema como redes, usando tecnologia de informação, melhorar a gestão interna das instituições. Tudo isso vai melhorar a qualidade da gestão no SUS. Mas é uma longa caminhada.”
Segundo ele, com as redes, a área hospitalar será redesenhada. Os pequenos hospitais, alvo de críticas do banco, por exemplo, passarão por avaliação minuciosa.
Magalhães diz que todos os 3.500 hospitais com menos de 50 leitos serão visitados até março. “Não fecharemos os pequenos, mas eles deverão ter clareza de sua função na rede regional. Pode ser que virem um centro de parto normal ou uma base de apoio à saúde da família.”
Para ele, é preciso expandir os leitos com qualidade e conforme a demanda regional. Por exemplo, se a área tem muito acidente de moto, é preciso um hospital para atender traumas.
“Temos que crescer em áreas críticas. Os hospitais devem se transformar em grandes UTIs, para quem precisa de cuidados intensivos. O resto pode ser tratado em ambulatórios ou em casa.”
SAÚDE BÁSICA
Sobre a estagnação da rede de atenção básica, outro problema apontado pelo estudo, Magalhães diz que nos últimos três anos a opção foi melhorar a qualidade das equipes (médicos, enfermeiros, técnicos e agentes) em vez de crescer em números.
Catorze mil unidades (de um total de 43 mil) ganharam banda larga, por exemplo. Equipes de saúde da família foram convidadas a aderir a um programa de capacitação, a partir do qual começaram a ter maior remuneração de acordo com o desempenho no cuidado dos pacientes.
Ele afirma ainda que haverá a ampliação das equipes de saúde da família, atualmente sobrecarregadas. Em vez de cada uma atender 3.500 pessoas, como hoje, a meta é chegar a 2.000.
Sem médico, hospital tem 60% dos leitos vagos
Por falta de médicos especializados, 60% dos 31 leitos do Hospital de Misericórdia de Altinópolis, na região de Ribeirão Preto, ficam vazios todos os meses.
Único hospital da cidade, a instituição só realiza atendimentos de urgência e emergência, internação, pediatria, clínica geral e partos.
No entanto, segundo a diretora Carmen Barufaldi, há estrutura para atendimentos e cirurgias de baixa complexidade em ortopedia, hérnia e varizes –mas faltam profissionais contratados.
“Para estas especialidades, acionamos a regulação médica e os pacientes são transferidos para hospitais da região”, afirmou. O Hospital de Misericórdia também não tem UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), o que aumenta a necessidade de acionar os atendimentos na região.
Um dos hospitais mais procurados é o HC (Hospital das Clínicas), de Ribeirão Preto. Último levantamento do HC apontou que, ano passado, foram feitos 6.300 atendimentos de Altinópolis.
Além de Ribeirão, o município também envia pacientes para hospitais de Batatais e Franca.
Segundo Carmen, o valor da tabela SUS (referência de remuneração aos hospitais), sem reajuste há 15 anos, afasta os médicos, que dão preferência para hospitais de cidades maiores, além de convênios particulares.
“Poderíamos estar faturando se houvesse médicos. Atendemos até 200 pacientes por mês, mas esse número poderia ser maior”, disse.
A prefeitura mantém o hospital, com repasses mensais de R$ 500 mil. Entretanto, a instituição tem uma dívida de R$ 2 milhões em encargos trabalhistas –há um total de 110 funcionários registrados.
Para levantar fundos, a entidade promove campanhas. Atualmente, há venda de canecas de porcelana.
O hospital também recebe doação de alimentos da população para o consumo de funcionários.
Acesse os PDFs: Falta mais eficiência ao SUS do que verba, afirma estudo, Governo aponta avanços e diz que rede hospitalar será redesenhada e Sem médico, hospital tem 60% dos leitos vagos (Folha de S.Paulo, 09/12/2013)