(El País) Os direitos dos grupos LGBT latino-americanos abrem caminhos, apesar da homofobia. O Uruguai e o Brasil se somam à Argentina como os únicos países da região que reconhecem a união homoafetiva em todo o seu território
A Zona Rosa da Cidade do México é um dos bairros mais emblemáticos para a comunidade gay do país. Mas embora na capital mexicana os casamentos entre pessoas do mesmo sexo sejam reconhecidos com os mesmos direitos que as uniões entre heterossexuais, a nação dos brutos, dos machões e da tequila não é um território totalmente amistoso para os gays. O México, ao lado do Brasil, encabeça o ranking latino-americano de crimes homofóbicos. Esta semana, na própria Zona Rosa, dois rapazes na faixa dos 20 anos passeavam de mãos dadas. Da janela de um dos carros que atravessava uma avenida um homem se inclinou para fora e gritou: “Putos!”.
A anedota mexicana é um exemplo dos paradoxos que enfrentam os grupos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) na América Latina. As leis que protegem os seus direitos enfrentam obstáculos, avançam com timidez mas não retrocedem. Desde 2010, três países aprovaram em todo o seu território o casamento homoafetivo: Argentina, Uruguai e Brasil. Mas isso não quer dizer que o caminho tenha se tornado um mar de rosas. Vários setores da região, tradicionalmente católica e agora terreno fértil para o cristianismo ainda mais conservador, se opõem firmemente a qualquer mudança na lei que estabelece que o casamento só é possível entre um homem e uma mulher. Na Argentina, país pioneiro na legislação, um casal gay foi atacado em março. “O papa é argentino, não pode haver putos argentinos”, gritou o agressor.
Mas foi um bom ano no México, de acordo com os grupos LGBT do país. Em 2013, em dois estados mexicanos –Jalisco e Colima (ambos no centro-oeste)– foram criados dispositivos legais que permitem aos casais do mesmo sexo ter uniões amparadas pela lei. O México é uma república federal que funciona com um sistema de governo semelhante ao dos Estados Unidos, por isso a discussão sobre a união gay deve avançar estado por estado. Em 2013, várias assembleias regionais deram início a essa discussão.
Também em julho de 2013 foi eleito em Fresnillo –uma cidade de 200.000 habitantes 650 quilômetros a noroeste da capital mexicana– o primeiro prefeito abertamente gay. Benjamin Medrano, do oficialista Partido Revolucionário Institucional (PRI), havia ocupado um assento no Congresso Nacional e assumiu a prefeitura em setembro. Apesar disso, causou uma forte polêmica poucos dias antes de sua eleição, quando numa entrevista ao jornal El Universal afirmou que nunca havia apoiado o casamento homossexual como deputado. Dias depois, assegurou a esse jornal que suas palavras haviam sido tiradas de contexto. “Só disse que meu povo não está preparado para o casamento gay porque o catolicismo está muito arraigado”, declarou.
Neste ano, o México elegeu seu primeiro prefeito abertamente gay. É Benjamín Medrano, da cidade de Fresnillo, 650 quilômetros a noroeste da capital
Medrano insiste agora que a possível discriminação sexual contra si é uma de suas últimas preocupações. Em outubro, ele denunciou ter sofrido dois atentados, mas não os atribuiu à homofobia, mas sim ao crime organizado. De fato, os prefeitos mexicanos são um dos alvos mais frágeis do narcotráfico. Quatro de cada dez foram ameaçados e mais de 1.200 funcionários municipais foram assassinados nos últimos quatro anos.
O Uruguai, que também aprovou reformas de acentuado tom progressista sobre o aborto e o consumo de maconha, se tornou em abril no 12º país do mundo a aprovar o casamento homoafetivo e o segundo da região depois da Argentina, que o aprovou em 2010. O prêmio Nobel Mario Vargas Llosa aplaudiu no domingo as iniciativas do governo de José Mujica e afirmou que outros países deveriam “seguir o seu exemplo”. O Brasil, um mês depois, somou-se à lista e é o terceiro da região a autorizar a união homoafetiva em todo o seu território. Mas o paradoxo continua. Paralelamente à aprovação da lei do casamento homossexual, o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) se converteu em presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Por que a polêmica? Acontece que Feliciano é pastor evangélico e um representante do conservadorismo brasileiro mais ferrenho. Os evangélicos, que já somam 42 milhões no Brasil, representam uma quarta parte da população. E Feliciano deixou claro que, para ele, não pode existir “um terceiro sexo”. Também é contra a laicidade do Estado, o aborto, o estudo com células-tronco e a legalização das drogas. Também disse que o continente africano é vítima de uma maldição divina. Cerca de 260 pessoas foram assassinadas no Brasil por causa da orientação sexual, segundo o grupo Arco-íris. Em dezembro de 2012, dois jovens estrangularam Lawrence Corrêa Biancão, de 20 anos, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. “Para mim, os gays são vermes”, disse um dos assassinos.
A discussão continua no resto dos países. Na Colômbia, em outubro passado, uma decisão judicial anulou o primeiro casamento gay celebrado no país. A propósito, o responsável, o procurador Alejandro Ordoñez, é também o homem que destituiu o prefeito de Bogotá, Gustavo Petro. Na vizinha Venezuela, que junto com o Paraguai é o único membro do Mercosul que não reconhece nenhum tipo de união homoafetiva, a discussão mal começou.
No Chile, penúltimo país ocidental a aprovar o divórcio (em 2004), a socialista Michelle Bachelet, presidenta eleita, colocou o tema sobre a mesa. Uma pesquisa da Universidade Autônoma do Chile mostra, entretanto, que a metade dos eleitores não está de acordo com a iniciativa. Este ano também foram condenados os responsáveis pelo assassinado de Daniel Zamudio, ocorrido em março de 2012. O rapaz, de 24 anos, recebeu golpes e pontapés, uma pedrada na cabeça, teve uma orelha cortada, foi queimado com cigarros e teve as costas marcadas com uma suástica feita com uma garrafa quebrada. Ele morreu 24 dias depois após uma longa agonia. Os assassinos, também na faixa dos 20 anos, receberam penas entre oito anos e prisão perpétua. O governo conservador de Sebastián Piñera aprovou a Lei Zamudio, que pune a discriminação por origem étnica, orientação sexual, gênero e crença religiosa. A legislação, que enfrentou a oposição do setor mais duro da direita chilena, foi promulgada após sete anos de discussão legislativa. Um passo.
Acesse em pdf: A união homoafetiva na América Latina tem avanços tímidos, mas firmes (El País – 01/01/2014)