(Zero Hora) Sistema de monitoramento deve incluir a disponibilidade das imagens em tempo real aos pais
Um projeto de lei, que tramita na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, prevê que creches privadas sejam obrigadas a instalar câmeras de monitoramento e a transmitir as imagens em tempo real aos pais ou responsáveis. Com a intenção de aumentar a segurança das crianças e aproximar a família do desenvolvimento escolar da criança, a proposta gera críticas de especialistas e entidades de classe.
Ao alegar que frequentemente são noticiadas situações de violência contra criança, o vereador Cleiton Silvestre Munhoz de Freitas, conhecido como delegado Cleiton (PDT), acredita que o projeto possa inibir este tipo de ação. Pronta para ir a plenário, a proposta deve ser votada em fevereiro, após o recesso da Câmara. A motivação para aprovação, porém, também tem outro foco.
— É pela segurança e para que os pais possam compartilhar do crescimento das crianças — explica o vereador.
Por meio de senhas, pais ou responsáveis (de pequenos na faixa etária entre zero e seis anos) poderão visualizar na tela do computador toda movimentação no estabelecimento particular. O sistema de monitoramento já existe em algumas creches de Porto Alegre, afirma a presidente do Sindicato Intermunicipal dos Estabelecimentos de Educação Infantil do Estado do RS (Sindicreches), Maria Cristina Moll. Diretora da escola Pólo Infantil, ela comenta que implementou câmeras e disponibiliza imagens aos pais.
— Na matrícula, o pai ganha um login e uma senha e pode acessar. Não acho que seja necessário (o sistema de monitoramento), acho que é um plus. Quando coloquei, foi no sentido de a mãe matar a saudade e ver o desenvolvimento da criança que ainda não fala — comenta.
Em nome do Sindicreches, ela aponta dois problemas do projeto de lei: a restrição às creches privadas e o alto custo para implementar um sistema de câmeras.
— Quem é que disse que é só na privada e na educação infantil que tem agressão? Se é uma questão de segurança, deveria ser para as públicas também. Além disso, a obrigatoriedade vai incidir no aumento da mensalidade, pois o custo de manutenção é muito alto. Escola e família são uma relação de confiança, não (serve) para ser vigiada — defende.
Conforme o vereador, um projeto também foi encaminhado à prefeitura para propor o mesmo sistema nas creches públicas. Quanto ao custo, Cleiton acredita que a maioria das instituições particulares podem arcar com ele.
O projeto de lei
Obriga as creches privadas a instalar um sistema de monitoramento com câmeras de vídeo que possibilitem o acompanhamento das crianças em tempo real pela internet
– Banheiros, vestiários e outros locais de reserva de privacidade individual ou de acesso e uso restritos não poderão ter câmeras
– Por causa do custo de implementação, creches filantrópicas e comunitárias comprovadamente sem fins lucrativos não serão obrigadas
– Só pais ou responsáveis pela criança poderão ter acesso às imagens. Por meio de senhas, eles conseguirão ver em tempo real as ações dos alunos e funcionários
– Será obrigatório afixar cartazes informando a existência das câmeras de vídeo no local
– As imagens serão gravadas e arquivadas por no mínimo 90 dias, sob responsabilidade da direção das instituições
– Se o projeto de lei for aprovado, as creches privadas têm o prazo de 180 dias para o cumprimento
Saiba mais!
No ano passado, um projeto de lei do deputado Paulo Borges, que obrigava a instalação de sistema de monitoramento interno de vigilância eletrônica nas escolas infantis e creches, públicas e privadas, tramitou na Assembleia Legislativa. Após intenso debate com o Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS), a proposta foi retirada em julho. A diretora do Sinpro/RS, Cecília Farias, comenta que a entidade também irá expor os motivos contrários ao projeto para os vereadores da Capital, na tentativa de impedir a aprovação. Para o sindicato, as câmeras servem como símbolo equivocado de educação.
“Não é tirar a autoridade do professor”, afirma vereador de Porto Alegre sobre projeto de monitoramento de crianças
Em entrevista a Zero Hora, Delegado Cleiton (PDT) explica a proposta em tramitação
Um projeto de lei, que tramita na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, prevê que creches privadas sejam obrigadas a instalar câmeras de monitoramento e a transmitir as imagens em tempo real aos pais ou responsáveis.
Autor do projeto de lei, o vereador conhecido como Delegado Cleiton (PDT) acredita que o sistema de monitoramento pode aumentar a segurança das crianças e que não irá interferir na relação professor-aluno. Veja a opinião do membro da Câmara de Vereadores de Porto Alegre:
Zero Hora — Por que o senhor considera necessário o uso de câmeras nas creches?
Delegado Cleiton — Primeiro, por causa da segurança. Sabemos que os monitores e professores tratam bem, são pagos para isso, mas temos alguns registros de ocorrências de maus-tratos em creches e também em asilos. Hoje, neste mundo capitalista, os pais mantêm o contato com o filho só no final da tarde. O mais importante é que eles possam também participar desse crescimento da criança.
ZH — Diante do monitoramento dos pais pela internet, a autoridade do professor não fica ameaçada?
Cleiton — Ele (pai) vai poder se integrar e interagir com o próprio professor, ver no que pode ajudar. Não é tirar a autoridade do professor, como alguns dizem, ainda mais com criança dessa idade. Muitos têm o sentimento de querer ver como está o filho, enquanto trabalha. Existe um tabu de que a sala de aula é só do professor. Claro que é, ele tem que dar o ensinamento, mas temos que utilizar a tecnologia de hoje para o bem. Conhecendo tudo que está acontecendo, até pode reforçar a autoridade do professor dentro de casa.
ZH — Além das críticas sobre a autoridade dos professores, há também a questão da liberdade dos estudantes.
Cleiton — Acho que para adultos e adolescentes influencia na liberdade de expressão. Sou contra o big brother, pois tira a intimidade. Mas com crianças pequenas, em formação, que são indefesas, não acho que vai ferir a liberdade.
“Não se pode ficar refém de uma câmera”, diz psicóloga sobre projeto de monitoramento em escolas
Aidê Knijnik aponta que disponibilização de imagens aos pais pode gerar ansiedade
Com experiência em atendimento a crianças e adultos, a psicóloga Aidê Knijnik aponta os perigos que as câmeras podem trazer para a autonomia das escolas. Para ela, o benefício que os pais teriam em acessar as imagens, em tempo real, podem aumentar a ansiedade em caso de alguma situação mal interpretada. Confira trechos da entrevista:
Zero Hora — O que a senhora acha da instalação de câmeras em creches?
Aidê Knijnik — Tenho que confiar na escola que estou colocando meu filho, é lógico que podem acontecer atos violentos, mas preciso confiar. Também devemos pensar no quanto que isso faz com que haja uma interferência maior da família dentro da escola e a falta da autonomia da própria escola. Precisa haver confiança, não se pode ficar refém de uma câmera.
ZH — O acesso dos pais ou responsáveis às imagens pode ser prejudicial?
Aidê — É um perigo os pais terem um comando da parte didática que não é da alçada deles. Ao mesmo tempo isso pode aumentar a ansiedade das famílias de ficar monitorando e observando o filho o tempo todo. Ter a imagem não é ter a vivência. Faz parte da etapa de adaptação as crianças brigarem, uma se isolar, ter brinquedos paralelos e não querer participar de algumas atividades. Essas atitudes podem gerar ansiedade nos pais que estão vendo por uma câmera.
ZH — Na sua opinião, a obrigatoriedade não seria o caminho mais adequado?
Aidê — É um assunto muito delicado, precisamos fazer mais estudos antes de colocar isso em uma lei. Se houver necessidade, ter uma câmera para controle da escola é mais adequado. Tenho muitas dúvidas sobre os pais terem acesso. Ou se aceita e se confia na escola, ou então muda de escola. O monitoramento tira a espontaneidade das crianças dos professores. Aumentar o número de cuidadores por criança é melhor do que colocar uma câmera.
Acesse em pdf:
Projeto prevê obrigatoriedade de câmeras em creches privadas de Porto Alegre (Zero Hora – 04/01/2014)
“Não é tirar a autoridade do professor”, afirma vereador de Porto Alegre sobre projeto de monitoramento de crianças (Zero Hora – 04/01/2014)
“Não se pode ficar refém de uma câmera”, diz psicóloga sobre projeto de monitoramento em escolas (Zero Hora – 04/01/2014)