(El País) Machismo é uma das poucas palavras castelhanas incorporadas à língua inglesa. Mas há poucos locais no mundo mais machistas que a City de Londres. A indústria financeira é um mundo feito por homens, para homens e com o machismo como senha. Isso, ao menos, diz o cliché. E é confirmado pelas estatísticas. No Reino Unido, as mulheres ganham quase 20% menos que os homens por hora trabalhada, segundo os dados da Oficina Nacional de Estatística. Esse diferencial dispara na indústria financeira, onde as diferenças salariais chegam a até 80%.
Isso não se deve exatamente a critérios de eficácia. John Coates, em tempos estagiário em Wall Street e agora professor de Cambridge especializado em pesquisar as finanças do o ponto de vista da neurociência, acha que os homens jovens, espécie dominante nos mercados financeiros, se deixam levar por seus níveis de testosterona ao tomar decisões de compra e venda de ações. Depois de monitorar em 2009 17 corretores, todos eles homens de idades e projeções profissionais variadas de uma firma média da City, Coates e seus colegas concluíram que seus níveis de testosterona estavam relacionados com os níveis de risco dos investimentos que decidiram levar a cabo, mas não necessariamente com a qualidade dessas decisões. Em sua opinião, se a City tivesse “mais mulheres e mais homens maduros, a instabilidade financeira seria reduzida”.
Mas a City não ama as mulheres. Uma pesquisa publicada em 2009 pela Comissão de Igualdade e Direitos Humanos britânica mostrou que as diferenças no pagamento de incentivos (os famosos bônus) nas grandes empresas financeiras chegavam a ser de até 80%; que 94% das mulheres recebiam bônus menores que os dos homens; que o 63% das mulheres cobravam menos que os homens, embora fizessem o mesmo trabalho; que 86% das mulheres que haviam começado a trabalhar nos 30 meses anteriores tinham um salário inicial inferior ao dos homens. Menos da metade das empresas pesquisadas estavam fazendo algo para reduzir o diferencial de salários entre gêneros e só 23% começava uma auditoria para analisar o problema.
Algo mudou desde então? Aparentemente, não. As empresas financeiras seguem sem aplicar as recomendações da Comissão de Igualdade: transparência sobre o diferencial de salários de acordo com o gênero de seus empregados. E o recente caso da espanhola Isabel Sitz, que em novembro passado ganhou uma ação contra a financeira Oppenheimer Europe Limited por discriminação sexual, ilustra até que ponto a cultura machista impera na City.
Madrilenha, de 42 anos, filha de um alemão e de uma espanhola, Isabel Sitz foi mudou-se para Washington aos 24 anos, e dali, para Nova York e, depois, para Londres. Estava no auge de sua carreira como corretora na City quando a Oppenheimer comprou em 2008 o Canadian Imperial Bank of Commerce (CIBC), para o qual ela trabalhava. Com o aval de uma lucrativa carteira de clientes montada durante mais de três anos, seus novos patrões a nomearam a responsável na Europa pelo mercado norte-americano. Tudo foi bem até que chegou um novo conselheiro da Oppenheimer Europe, o italiano Massimiliano Max Lami, que trouxe consigo como diretor-geral Robert van den Bergh, que foi montando uma equipe de corretores de sua confiança. Só com homens. Segundo a versão de Isabel Sitz ao Tribunal do Trabalho, Lami e Van den Bergh foram tiraram clientes da sua carteira, repassando-os para recém-chegados colegas homens.
Essa é uma questão central, pois ao salário base de 90.000 libras (353 mil reais) de Sitz se acrescentavam as comissões por vendas, as quais disparavam seus rendimentos entre 980 mil reais e 1,17 milhão de reais. Sem esses clientes, seus rendimentos e seu prestígio diminuíam no organograma de vendas.
Tudo isso em um meio a um crescente machismo numa companhia que os próprios corretores chamavam em seus e-mails de “Bunga Bunga Securities”, em alusão às festas com jovens prostitutas do então primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi. Noutro momento, ainda segundo a versão de Isabel, Van den Bergh lhe disse que ia transferir a outro colega as contas de certos clientes irlandeses porque pensava que um homem faria melhor esse trabalho, já que o importante com os irlandeses é “ir a uma partida de rugby e beber cerveja”.
Durante dois anos, a posição de Isabel Sitz foi se degradando. Ela via nas atitudes uma deliberada campanha para acabar contra si por ela ser mulher. Chegaram então as noites de insônia, a perda de confiança e as metas diárias de reconquistar o terreno perdido tendo de fazer isso com só três clientes próprios. Em junho de 2011, Max Lami anunciou a Sitz que, devido ao seu baixo rendiment, seu salário seria reduzido: pagariam o mínimo legal da época: 6,08 libras por hora (24 reais por hora). Isto é, entre 50.000 reais e 65.000 euros por ano. Ela pediu um tempo para pensar e numa sexta-feira de junho disse a seus chefes que estava sendo discriminando por ser mulher. Na segunda-feira foi despedida.
Sitz entrou com uma ação na Justiça por discriminação sexual e em novembro ganhou o caso em primeira instancia. Agora resta saber como ela será recompensada. Para o tribunal trabalhista, os dois pontos-chave foram que Oppenheimer Europe mentiu ao dizer que investigou adequadamente sua denúncia de discriminação sexual e, sobretudo, que a companhia não lhe ofereceu a um colega homem o mesmo castigo de redução de seu salário básico ao mínimo legal, apenas ameaçando-lhe com um corte menos drástico. Os juízes viram aí a semente da discriminação. Fizeram a vida de Isabel Sitz impossível por ela ser mulher. E a City não ama as mulheres.
Acesse o PDF: A ‘City’ londrina não ama as mulheres (El País, 03/01/2014)