(Última Instância) Na cidade de Piracicaba, localizada a 160 km de São Paulo, a Justiça autorizou uma gestante a interromper sua gravidez após a comprovação de que o feto não teria condições de vida fora do útero, por conta de malformações no crânio. A decisão, proferida no dia 21 de dezembro pelo juiz Wander Pereira Rossete Júnior do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) tem caráter liminar, e acatou pedido realizado pela DP-SP (Defensoria Pública de São Paulo).
Segundo dois médicos que atenderam a gestante em Uberaba, município de Minas Gerais, o feto apresentava acrania e exencefalia, patologias caracterizadas pela falta da calota craniana e exposição de tecido cerebral no líquido amniótico. De acordo com os laudos, tais condições são incompatíveis com a vida, havendo poucos relatos de sobrevida por mais de uma semana após o parto. Os médicos enfatizaram o alto risco da gravidez e a necessidade de acompanhamento psicológico, devido a possíveis “traumas psicológicos e sociais”.
Outros pareceres citados na ação proposta pela DP-SP, publicados por instituições como Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia e Jornal Brasileiro de Neurocirurgia, afirmam que a patologia causa danos ao cérebro e a morte pós-parto é certa.
O Defensor Público Daniel Mobley Grillo, responsável pela ação, argumentou que o artigo 128 do Código Penal – que exclui a ilicitude de aborto praticado por médico para salvar a vida da gestante – deve incluir casos em que os avanços da medicina apontam para tal necessidade. Ele também lembrou de precedentes do próprio STF (Supremo Tribunal Federal), que em 2012 julgou constitucional a interrupção da gravidez em caso de fetos anencéfalos, dada a inviabilidade da vida nesses casos.
O STF decidiu em abril de 2012, por maioria de votos, que a interrupção da gestação de fetos anencéfalos – nos quais há ausência parcial do cérebro – respeita a Constituição Federal e não caracteriza crime. O caso teve como relator o Ministro Marco Aurélio, cujo voto foi acompanhado por sete dos nove outros Ministros.
A discussão foi suscitada na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 54, que buscava declarar inconstitucional uma interpretação dos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal, que considerasse crime de aborto o parto terapêutico antecipado nos casos de anencefalia.
Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio afirmou ser inadmissível que o direito de um feto sem chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias constitucionais da mãe, como sua integridade física, psicológica e moral, dignidade, liberdade sexual, autonomia e privacidade.
Acesse o PDF: Justiça de SP autoriza interrupção de gravidez de feto com malformação (Última Instância – 21/01/2014)