02/02/2014 – Sem fiscalização, vagões femininos são desrespeitados no Rio

02 de fevereiro, 2014

(Uol Notícias) Vigora no Rio de Janeiro, desde 2006, uma lei estadual (4.733) que disponibiliza vagões exclusivos para mulheres nos trens e metrôs durante os horários de pico (de 6h às 9h e das 17h às 20h). A regra, no entanto, é controversa e pouco cumprida.

De acordo com o relatório de fiscalização e indicadores operacionais de outubro de 2013 – o mais recente disponível – da Agentransp (Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos de Transportes do Rio), naquele mês, de 2.039 carros femininos inspecionados, em quase 60% havia homens.

Até este período do ano passado, as piores situações costumavam ser encontradas no ramal Belford Roxo, que, em julho, chegou a ter quase 100% dos carros inspecionados com a presença de homens.

A SuperVia, concessionária que gere os trens urbanos do Rio de Janeiro, afirma que cumpre com a Lei Estadual nº 4.733/06, que determina a identificação e disponibilização de um carro exclusivo para mulheres nos horários de maior movimento, mas que não tem autonomia para retirar os homens de dentro dos vagões femininos. A Supervia afirma ainda que investe em campanhas de conscientização para orientar e ampliar a boa convivência também dentro dos trens.

Ana Paiva, 70, é auxiliar-administrativa e pega, de segunda a sexta, um trem entre Olaria e São Cristóvão, justamente no horário de pico. Para ela, o carro feminino pouco faz diferença.

“Às vezes procuro [o vagão rosa], mas às vezes está cheio, e a maioria tudo é homem”, contou. Ela diz também que são raras as vezes em que consegue viajar sentada –enquanto ela falava com a reportagem do UOL, de pé, vários homens dormiam sentados no vagão feminino, por volta das 7h30.

Para os homens, a justificativa para burlar a regra é a superlotação dos demais vagões, enquanto os das mulheres fica, geralmente, mais vazio. Para Marcos César, que pegava uma composição da Penha à Central, no ramal de Saracuruna, também por volta das 7h30, a situação é injusta.

“Respeitar eu respeito [as mulheres], mas vou deixar de trabalhar porque só elas podem entrar no vagão e os outros não têm nem condição de entrar? A culpa é minha? Complicado!”, diz.

A babá Noelia Nunes relata que já passou por situações de assédio no vagão feminino. “Tava [sic] o trem muito apertado e ele vinha nas minhas costas. Eu falei ‘se você encostar de novo, te dou uma bolsada na cara’, e ele achou ruim”, lembra.

Segundo ela, a fiscalização só coíbe a entrada de homens nos carros na Central, quando há agentes por perto. “Não vejo avanço, continua tudo do mesmo jeito. O vagão é da mulherada, mas os homens tão entrando”.

Embora a reclamação dos homens seja a de que a lei piore a lotação dos trens, para o professor Hostilio Ratton, do Programa de Engenharia de Transportes da pós-graduação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ela não muda muito a situação em relação à qualidade do sistema.

“Claro que a reserva de carros só para as mulheres e no horário do pico também em princípio concorreria para a pior qualidade do transporte. Mas, como o transporte já é muito ruim e, por ser ruim, não consegue assegurar a aplicação da lei, o efeito sobre a qualidade já ruim do transporte é desprezível. Não melhora para as mulheres e não piora para os outros”, diz.

Segundo a professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e representante do Brasil no Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU (Organização das Nações Unidas) Silvia Pimentel, a ideia de um vagão separando homens de mulheres revela um estágio civilizatório muito primitivo da população, repleta de estereótipos machistas e patriarcais.

Para Silvia, a lei dos carros femininos funciona enquanto estágio temporário para uma mudança de comportamento. Mas, por ser de 2006 e ainda haver relatos de abusos, pode ser questionada. “Ela só faz sentido acompanhada de programas na área de educação e cidadania”, diz.

Já a Agetransp diz que fiscaliza a disponibilização dos vagões, de agentes de apoio e de sinalização por parte das concessionárias, conforme previsto em lei. E esclarece ainda que, embora fiscalize a presença dos homens em vagões exclusivos, não cabe multa à SuperVia, que cumpre a determinação de oferecer os carros, e nem aos passageiros irregulares – conforme texto da lei.

Segundo José Luiz Lopes Teixeira, gerente de fiscalização da Agetransp, os carros femininos são uma questão complexa, na qual a ação coercitiva pode ser um complicador.

“A repressão atrasa. Nossa tentativa é de gerar cada vez mais um comportamento por cultura, trabalhando em relação a esse aspecto. O usuário faz parte do sistema, o comportamento dele pode piorar ou melhorar a situação”.

NÚMEROS DA SUPERVIA

40% dos 3.260 trens inspecionados não contavam com iluminação completa
 
30% de 3.076 trens em operação tinham janelas avariadas
 
40% dos trens, entre 5.799 fiscalizados, estavam sujos externamente
 
10% de 3.262 trens analisados em uso estavam sujos internamente
 
445 trens circularam com as portas abertas, entre 5.790 inspecionados
 
Dados de out.2013, divulgados pela Agetransp

Acesse o PDF: Sem fiscalização, vagões femininos são desrespeitados no Rio (Uol Notícias – 02/02/2014)  

 

 

 

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