As donas do cofre

14 de março, 2014

(Isto É) As cinco mulheres na foto ao lado possuem algumas características em comum: são profissionais experientes, bem remuneradas e ocupam um dos cargos mais cobiçados em qualquer empresa, o de CFO (executivo-chefe de finanças, na sigla em inglês). Por diversos motivos, que serão apresentados a seguir, poucas mulheres conseguiram, até hoje, conquistar a confiança do presidente para cuidar do cofre da companhia. Com base nos seus 1.500 associados, o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (Ibef-SP) estima que, no máximo, 10% das grandes empresas no Brasil têm uma mulher ocupando essa cadeira – há 20 anos, isso era tão raro quanto achar uma agulha no palheiro.

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Não é mera coincidência, portanto, o fato de as personagens em destaque nesta reportagem terem sido as primeiras a assumir o posto de “copiloto do CEO” nas suas empresas. Hoje, elas mandam no cofre de cinco companhias que, juntas, faturam mais de R$ 130 bilhões por ano. Pela mesa da administradora de empresas Marcela Drehmer, 45 anos, passam negócios que movimentam R$ 100 bilhões por ano. É o faturamento do Grupo Odebrecht, que atua em diversas áreas, como construção civil, infraestrutura, agroindústria e energia. Marcela, há 20 anos na companhia, assumiu o posto de CFO na holding em julho de 2013.

Sua sala, no 15º andar do novo prédio-sede da empresa, em São Paulo, fica a poucos metros da do seu chefe direto, o presidente-executivo Marcelo Bahia Odebrecht, da terceira geração da família. Tal proximidade não é mero acaso. Marcela pode ser chamada a qualquer momento para participar de um assunto estratégico. A sua lista de tarefas inclui a participação nas principais reuniões do conselho de administração e a coordenação das finanças de todas as empresas do grupo baiano, em contato direto com os respectivos diretores financeiros. No Brasil, o amplo predomínio de homens em cargos de direção ainda é fruto de um passado em que poucas mulheres trilhavam carreiras executivas.

Esse cenário irá mudar automaticamente nas próximas décadas, quando as novas gerações galgarem posições no mercado de trabalho. Segundo Marcelo Odebrecht, metade dos dois mil jovens que entram a cada ano na empresa é formada por mulheres. O grupo tem 200 mil funcionários. Mas o topo da hierarquia ainda reflete a origem da empresa na construção civil, um setor tradicionalmente masculino. Apesar disso, as oportunidades são iguais para todos. “Aqui na empresa, as brincadeiras são mais sobre se é administrador ou engenheiro do que se é homem ou mulher”, diz o engenheiro Odebrecht, que deu a chave do cofre à administradora Marcela.

“Fui super bem recebida pelos homens. Após 20 anos de grupo, tenho serviços prestados que todos reconhecem.” As executivas de finanças são bem remuneradas – metade das participantes de uma pesquisa exclusiva do Ibef-SP feita para a DINHEIRO declarou ter uma remuneração anual entre R$ 150 mil e R$ 499 mil, e 28%, acima de R$ 500 mil. Nem por isso elas toleram a diferença salarial que existe no mercado. Nove em cada dez entrevistadas consideram que “eles” ganham mais do que “elas” em cargos equivalentes. Tal percepção é comprovada por um estudo do IBGE, divulgado no fim do ano passado, que aponta um ganho salarial médio 30% menor das mulheres em cargos de chefia ou direção, em todos os setores da economia.

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“A mulher dá o sangue, mata um leão por dia, mas, na hora de negociar o seu salário, não sabe brigar”, diz Simone Borsato, 42 anos, que trabalha na Elektro desde 2002. No ano passado, a administradora de empresas assumiu o posto de CFO da companhia de energia, que faturou R$ 4,8 bilhões. “O preconceito contra as mulheres está acabando”, diz Marcio Fernandes, presidente da Elektro. “Do nosso grupo de cinco diretores estatutários, três são mulheres.” Ainda que as empresas retratadas nesta reportagem não adotem uma política de diferenciação salarial entre homens e mulheres, há um consenso no mercado de que a regra da meritocracia não é seguida à risca em companhias de menor porte.

“Acredito que ainda ocorra essa situação em algumas empresas, tendo como pano de fundo o preconceito”, diz à DINHEIRO Graça Foster, presidente da Petrobras, uma das executivas que superaram todos os obstáculos e chegaram ao topo da hierarquia corporativa (leia quadro “Elas chegaram ao topo”). Embora os homens ocupem 84% das vagas na estatal, a presidente enfatiza que o ingresso é por concurso público e a remuneração é igual para os dois gêneros. “A grande questão é o preconceito implícito, regras não escritas, que são restrições que não aceito e, mais que isso, combato-as com vigor”, afirma Graça. Combater e superar barreiras culturais faz parte da carreira da contabilista Patricia Furtado Mussalan, 43 anos.

Antes de ser contratada como CFO da gestora americana Western Asset Management, em 2011, Patricia passou por outras empresas estrangeiras. Uma delas, de origem árabe, a tratava com enorme carinho. “O meu chefe falava que eu era uma ótima menina e que não queria me expor nas reuniões”, diz Patricia. Essa aparente blindagem positiva era, na verdade, um empecilho ao seu crescimento profissional. “Adoro empresa americana porque há igualdade.” Para entrar na Western – uma das maiores gestoras de recursos independentes do Brasil, com ativos de R$ 33 bilhões –, Patricia teve de superar quatro concorrentes – todos homens. “Analisamos os currículos, entrevistamos os candidatos e a Patricia venceu”, diz Marzo Bernardi, CEO da Western.

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“O fato de ela ser mulher não fez diferença nenhuma, nem a favor nem contra.” A graduação em administração de empresas foi a escolha da maioria das executivas de finanças. Quase 85% fizeram pós-graduação. As executivas que não encorparam o seu currículo acadêmico colocam a culpa na falta de tempo. A percepção geral é a de que o melhor momento para mergulhar nos cursos é no começo da carreira, quando as exigências profissionais e familiares são bem menores. “As mulheres também aproveitam os cursos para fazer networking”, diz Luciana Medeiros, coordenadora do Ibef-Mulher, o braço feminino da entidade que promoveu a sondagem. “Ao contrário dos homens, elas não vão a happy hours noturnos, pois priorizam voltar para casa.”

Não há nenhuma pesquisa que aponte claramente uma relação entre o menor número de mulheres em cargos de chefia e a chamada “dupla jornada” das executivas. No entanto, até os CEOs reconhecem que a ascensão feminina é mais desafiadora do que a masculina. O raciocínio é simples: quanto mais tempo uma pessoa se dedica ao trabalho, maior é a probabilidade de crescimento na profissão. Portanto, quem tem uma família em casa para cuidar (59% das diretoras financeiras são casadas), em tese, dispõe de menos tempo para as questões profissionais. Certo? Mais ou menos. Quatro das cinco superexecutivas entrevistadas nesta reportagem provam por “A + B” que é possível conciliar as duas coisas e ainda ter sucesso profissional, sem deixar de lado o sonho de ser mãe.

O DILEMA DA MATERNIDADE

Quando Raquel Hoshiba Campos, 39 anos, entrou na TAM Aviação Executiva, há cinco anos, não havia sequer uma representante do sexo feminino na gerência – muito menos na direção da empresa. Com exceção das aeromoças, o setor aéreo sempre foi dominado por homens. Naquele momento, o seu chefe, Fernando Pinho, que preside a TAM Aviação Executiva, já sabia que a primeira CFO da empresa controlada pela família Amaro era casada e tinha planos de ter um filho. “Nós conversávamos abertamente sobre isso, o que facilitou todo o planejamento para a licença- maternidade”, diz Pinho. Única mulher na diretoria, Raquel participa de todas as reuniões do conselho de administração, além de cuidar de um faturamento anual de R$ 150 milhões.

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O anúncio da tão aguardada gravidez foi celebrado na empresa, mas para Raquel a decisão da maternidade não foi tão simples como parece. “Eu achava que ser mãe era um impeditivo de desafios maiores na minha carreira”, diz a executiva. Sua filha, Beatriz, nasceu em janeiro do ano passado e a possibilidade de ter um segundo filho não está descartada. “É mais uma insegurança minha e não pressão da empresa.” Na opinião da empresária Luiza Trajano, presidente do Magazine Luiza, a maternidade “pode atrapalhar a carreira se a mulher deixar, mas é possível conciliar as duas coisas”. Para as empresas, a licença-maternidade representa um risco de a funcionária mudar os planos de vida e abandonar a carreira.

“Há empresas que promovem executivas prestes a dar à luz”, diz Luciana, do Ibef-Mulher. Assim como Raquel, as CFOs Marcela, da Odebrecht, Simone, da Elektro, e Patricia, da Western, têm um filho. Simone diz que a decisão de não ser mãe pela segunda vez foi tomada em conjunto com o marido, sem interferência profissional. Marcela tentou, mas não engravidou. Já Patricia descarta essa possibilidade. “Seria inviável ter dois filhos e conciliar com a carreira.” Para a presidente da agência de classificação de risco Standard & Poor’s no Brasil, Regina Nunes, o avanço da tecnologia joga a favor, inclusive durante a gravidez.

“À espera de um exame de ultrassom, é possível trabalhar com equipamentos portáteis”, diz Regina. “No passado, a maternidade já atrapalhou as executivas. Hoje só atrapalha se elas quiserem.” O dilema “carreira x maternidade” não faz parte da vida da administradora e economista Daniela Meili, de 39 anos. Solteira, ela construiu a sua carreira em vários países. Desde 2011, é CFO da Henkel Brasil, indústria química de origem alemã, que faturou R$ 5,6 bilhões na América Latina, no ano passado. “Na matriz, há creches para as mães levarem seus filhos”, diz Daniela, que comanda uma equipe mesclada de 25 pessoas.

Seu chefe, o alemão Jüergen Hellmann, que trabalha no México, é um defensor da diversidade. Nas unidades pelo mundo, 32% dos cargos gerenciais são ocupados por mulheres. Na América Latina, em particular, Hellmann tem notado uma dificuldade de as funcionárias crescerem, embora a empresa flexibilize as condições de trabalho. “Há várias razões para isso como, por exemplo, uma cultura histórica de negócios baseada no domínio masculino”, diz o CEO. Na guerra dos sexos nas empresas, elas têm qualidades exclusivas.

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“As mulheres crescem cuidando dos outros, por isso, trazem para o mercado os valores da empatia, compaixão, visão de médio e longo prazo, foco na raiz do problema para resolvê-lo de vez e a claridade de propósito”, diz Marise Barroso, presidente da Masisa, companhia de grande porte que fabrica e comercializa painéis de madeira. As executivas de finanças, em particular, se consideram perfeccionistas e detentoras de uma habilidade que causa inveja aos marmanjos: a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo. “É fruto da tripla jornada pós-trabalho: a casa, o filho e o marido, que ainda reclama que virou o último da lista”, diz Marcela, da Odebrecht, em meio a gargalhadas.

Seu chefe, ao lado dela na entrevista, discorda: “Eu, sinceramente, não consigo perceber diferenças profissionais entre homens e mulheres.” Os CEOs entrevistados nesta reportagem garantem que o puxão de orelha nelas tem a mesma intensidade que a bronca nos diretores. “Eu apenas busco ser um pouco menos indelicado”, diz Pinho, da TAM. Nos encontros sociais ou nas reuniões das empresas, elas normalmente são minoria. “Já me senti várias vezes num ‘Clube do Bolinha’”, diz Daniela, da Henkel.

“Para não ficar de fora das conversas, eu olho o resultado dos jogos”, diz Simone, da Elektro. Acostumada a frequentar eventos empresariais, em que ainda predominam os executivos com terno e gravata, a presidente da rede de hotéis Blue Tree, Chieko Aoki, tem uma saída na ponta da língua quando o tema na rodinha do café vira o futebol. “Não entendo disso. Vamos falar de joias?”, diz a em­­presária. Com as mulheres ganhando espaço, em breve, os homens precisarão ampliar o seu leque de assuntos.

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