(Correio Braziliense, 04/04/2014) Há certos signos que, sem palavras ou estatísticas, denunciam o grau de desenvolvimento do país. Um deles é o aeroporto. Longas filas na alfândega ou no check-in informam que a nação figura na rabeira da modernidade. Outro é o trânsito: o número de carros particulares é proporcional ao atraso. Quanto maior a quantidade de veículos, mais profundo o subdesenvolvimento. Outro, ainda, é o tratamento dispensado aos empregados. A discriminação fala alto. Extremos distantes evidenciam a existência de longo caminho a percorrer rumo à civilização.
O Brasil fica mal na foto nos três itens. No último, porém, a distinção é mais flagrante. Dados do Ipea informam que, na administração pública, a diferença entre o maior e o menor salário ultrapassa 1.500 vezes. Na iniciativa privada, o cenário se repete com alguma mudança aqui ou ali. A discrepância mais visível sempre recaiu sobre o empregado doméstico. Até a Constituição Cidadã, de 1988, manteve a desigualdade. Registro profissional e jornada de 44 horas semanais não figuravam entre as exigências impostas ao empregador.
Daí por que ter sido saudada como a segunda abolição da escravatura a emenda constitucional que pôs fim ao hiato que separava os empregados domésticos dos demais trabalhadores rurais e urbanos. Apesar dos aplausos, porém, a correção ficou no meio do caminho. Passado um ano da promulgação da PEC, a regulamentação aguarda a análise da Câmara dos Deputados. O Senado cumpriu a obrigação em julho do ano passado.
As regras que definem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a contribuição sindical, o banco de horas, a demissão sem justa causa são alguns dos itens que aguardam definição. Mantida a indecisão, a PEC mais atrapalha do que ajuda. Donos de casa, sem saber como agir, aguardam as regras para decidir se conservam ou não o empregado, se o contratam levando em conta este ou aquele regime, se têm ou não condições de se adaptar aos novos tempos.
São 7,5 milhões de brasileiros que vivem do trabalho doméstico. Com o salário, pagam aluguel, alimentação, transporte, educação e saúde. Ignorar-lhes as urgências é apostar no extemporâneo – viver no século 21 com a cabeça na Colônia, época em que a casa grande e a senzala tinham limites bem definidos. Ao senhor se garantiam os direitos. Aos escravos, os deveres. Deputados se esquecem de que, em 2014, a Lei Áurea completa 126 anos. Os tempos são outros. Passou da hora de entrar em sintonia com os ditames do terceiro milênio.
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