(El País, 21/04/2014) No limiar de seus 82 anos, Elena Poniatowska fala de política, literatura e jornalismo. A escritora mexicana receberá o prêmio Cervantes na quarta-feira (23)
A escritora e jornalista Elena Poniatowska (Paris, 19 de maio de 1932) receberá na quarta-feira na Universidade de Alcalá de Henares, na Espanha, o Prêmio de Literatura Miguel de Cervantes, o mais prestigioso na língua espanhola. Filha de um príncipe polonês, Poniatowska é mais mexicana “que o mole”, em suas palavras, referindo-se a uma comida local. É a primeira autora mexicana a recebê-lo: o quinto prêmio para o México e a quarta mulher em seus 38 anos de história. Confessa que está nervosa. “Olha, melhor você ouvir para ver seu não vou dizer nenhuma barbaridade”, comenta.
Choveu na Cidade do México. A noite cai. Ela é miúda, pequena e loira. Guerita, em mexicano. Por trás do seu olhar curioso se esconde uma das melhores entrevistadoras do México e uma cronista resolvida, que escreveu a biografia de mulheres notáveis (Tina Modotti, Angelina Beloff, Leonora Carrington, e assim por diante para completar uma longa lista) e relatou um dos eventos mais difíceis na história do país: o assassinato de dezenas de estudantes – nunca se soube o número exato – nas mãos do governo do PRI em 2 de outubro de 1968 na Praça de Tlatelolco.
Não para de fazer perguntas, de se interessar por tudo. É uma escritora, é jornalista e é curiosa. E daí sua carreira, seu trabalho e seu prêmio.
Pergunta. Diego Rivera a chamou “polaquinha perguntadeira”. A senhora continua se considerando assim?
Resposta. Claro. Sempre continuarei sendo, sempre fui uma perguntadeira e continuarei sendo até que eu morra.
P. A senhora não gosta de ser chamada de Elenita.
R. Isso mesmo. Todo mundo… bom, nem todo mundo, mas muitas pessoas me chamam assim. E soa bastante infantil.
P. O México é o país do agorinha, que utiliza muitos eufemismos em seu dia a dia. A senhora acredita que os mexicanos têm medo das palavras?
R. Sim. Nós sempre terminamos as nossas frases com um “não?”, “certo?”… Estamos à procura de aquiescência, a aceitação do outro. “A casa está bonita, não?”. “Choveu muito forte hoje, não é?”. Sempre o outro tem que nos apoiar.
P. E falando de palavras, diria que o PRI, que governou o México ininterruptamente durante 70 anos, era uma ditadura, um regime autoritário?
R. O PRI foi um poder prepotente e que agiu como um ditador, sendo um partido. Se impôs e assusta. O PAN e o PRD não inventaram uma nova forma de fazer política, nem atuaram de forma muito diferente do PRI. Eles não contribuíram com nada quando chegaram ao poder. Não há ninguém aqui que podemos apontar, um deputado ou uma senadora, que eu queira ouvir ou seguir, não existe. No México, não existe uma forma alternativa de fazer mais do que a política do PRI.
P. A senhora foi uma das figuras do mundo cultural mexicano que apoiou de maneira mais aberta o polêmico e duas vezes candidato opositor Andrés Manuel López Obrador.
R. Andrés conhece a História. Ele lê. Agora, isso não quer dizer que tem de estar de acordo com ele em tudo. E não pense que não tem defeitos. Obviamente os tem. É teimoso.
P. A senhora foi muito criticada por seu apoio a López Obrador.
R. Ah, sim. Me fizeram pinole [farinha de milho torrado no México]. Muita rejeição, indiferença. Não sabe a quantidade de telefonemas com insultos que recebi. Um dia, sim, me fizeram chorar e não sou nada chorona. Me ligaram por volta das duas da manhã. Uma voz de homem, cordial, disse: “Elenita, há um homem em seu jardim”. Eu coloquei o meu robe e desci, saí na rua, vi que não havia uma alma e que estava escuro. E, então, voltei à cama e, aí sim, comecei a chorar. Eu me senti muito atacada.
P. Quando a senhora publicou La noche de Tlatelolco, uma referência sobre o ocorrido em 2 de outubro de 1968, o momento mais duro da repressão do regime, se sentiu ameaçada?
R. Sim. Ameaçaram Tomás Espresate Pons [catalão exilado no México após a Guerra Civil, livreiro e escritor] que era quem estava imprimindo o livro. Disseram a ele que iam queimar seu negócio. Ele respondeu: “Olha, eu estive na Guerra Civil da Espanha. Eu sei o que é a guerra e este livro será publicado”. Em seguida, espalhou-se o boato de que o Exército iria confiscar, mas essa foi a melhor propaganda. Todo mundo saiu correndo para comprá-lo. Quatro edições foram feitas em um mês. Uma loucura.
P. A senhora se considera uma feminista?
R. Claro!
P. E o que é uma feminista?
R. É uma mulher que põe ante tudo o respeito a si mesma. Neste país, 400 mulheres foram assassinadas com total impunidade em Ciudad Juárez. É aterrador. E a questão das mulheres em geral, no México, é aterradora.
P. As mulheres inteligentes provocam medo?
R. Não, não acho que ainda seja assim. Pelo contrário, penso que hoje as mulheres inteligentes são muito procuradas. Essa coisa das revistas de moda de que ninguém vai se aproximar daquela que é sábia, ou que estuda, ou que se basta para si mesma, ou que se mantém, já passou. Os homens de hoje estão interessados na concorrência. Você acha que no jornalismo a tratam mal por isso? No meu tempo, uma boa reportagem sempre era para um homem, nunca para uma mulher. Ninguém queria investir na carreira de uma jornalista porque ela poderia se casar, ter filhos, guardaria seu diploma em um baú e não havia porquê investir nela. O que ainda dizem é que qualquer conquista de uma mulher foi porque ela dormiu com o chefe ou porque são bonitas. Há quem acredite que todos os méritos de uma mulher sempre têm a ver com o seu corpo.
P. E também com sua condição de mulher…
R. Uma vez ouvi um comentário que me pareceu muito humilhante. Eu era muito, muito jovem, e ficou gravado. Uma mulher muito bonita me disse: “Eu, quando uma porta se fecha para mim, eu as empurro com as nádegas”. Que feio, não? Muitas, infelizmente, ainda acreditam nisso, mas talvez cada vez menos. Inclusive as mulheres indígenas, as que estão com o subcomandante Marcos, as mulheres mais atarefadas do país, exclamaram que queriam ter os filhos que podiam e desejam ter e poder escolher o homem com quem se juntar, olhar em seus olhos para que não as troquem por um jarro de álcool. É uma vitória.
P. Sempre faz a diferença de que, antes de escritora, a senhora é jornalista…
R. Digo muito isso. Agora que li para duas amigas o discurso que pronunciarei, me disseram: “Deixe disso, pois vão te dar o prêmio porque é escritora”. Como se quisesse me desculpar por ganhar. Até minha filha me disse para deixar de lado. “Mamãe, vai parecer que o júri foi tonto em te premiar”.
P. Qual é a diferença entre a escritora e a jornalista?
R. Um escritor francês dizia que o jornalista é imediato e deve ser rápido, você tem um chefe que exige que você entregue o seu texto já. Em vez disso, o escritor faz um exercício muito solitário sentado em sua mesa. Não sei como vai publicar, nem se vai publicar. É um desafio entre você e sua mesa. É uma aventura. O jornalista é outra coisa, você entrega e não sabe o que vão fazer com aquilo que você entregou. Mudarão o título, tirarão palavras. Por outro lado, o escritor entrega seus textos como seus. Precisa de disciplina e tranquilidade.
P. Que conselho a senhora dá uma escritora jovem?
R. Que escreva, que escreva, que escreva. Um dia, de tanto escrever, encontrará uma página na qual se surpreenderá e não acreditará que foi feita por ela mesma. E ler. Observar. Estar alerta. Dar-se conta de como um ajudante de cozinha político maltrata um garçom em um restaurante. Carlos Fuentes, quando jovem, pedia aos garçons que lhe contassem a receita daquilo que havia comido. Só para ouvi-los. Ele conversava muito para poder escrever. Na rua das prostitutas, gritavam para ele: “Oi, loiro, aponto o seu pirulito?”. E tudo isso ficava.
P. Quem são seus professores?
R. Todos aqueles que me precederam. Lamento não ter ido à faculdade. Mas todas as pessoas que leio são meus professores.
P. O que a senhora gostaria de ter estudado?
R. Medicina. Queria salvar as pessoas, a todos aqueles que passaram por algo horrível. Estar lá para ajudá-los. Você imagina como eu sonhava?
P. Mas a senhora não perdeu a ilusão…
R. Nada. Sou uma pessoa muito afortunada. Vou cumprir 82 anos e posso te dizer que tudo tem sido muito bom.
P. Que livro daria de presente a uma menina de 13 anos?
R. Eu gosto muito do El professor Zíper y la fabulosa guitarra eléctrica, de Juan Villoro. Porque tem muito sentido de humor. E adoro o título.
P. E algum de Elena Poniatowska?
R. Lilus Kikus. Contos. O que escrevi de Monsiváis, Sansimonsi. El burro que metió la pata, esse é muito legal. É do meu filho Mane, o mais velho, o que é cientista.
P. Elena Poniatowska está nervosa por pronunciar o discurso de aceitação do Prêmio Cervantes?
R. Muitíssimo! Mas estou tão cansada que já nem posso estar nervosa.
Acesse no site de origem: “A questão da mulher no México é aterradora” (El País, 21/04/2014)