(Público.pt, 12/05/2014) Dois terços das interrupções voluntárias da gravidez foram feitas com medicamentos
O número de abortos está a baixar em Portugal. Em 2013, e pelo segundo ano consecutivo, diminuíram as interrupções de gravidez (IG) feitas ao abrigo da lei, revela o último relatório da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que traça o retrato deste fenómeno. No ano passado, face a 2012, registaram-se 17.414 interrupções de gravidez (IG) por opção da mulher, menos 1201 do que no ano anterior. É o número mais baixo desde que o aborto por vontade da mulher (até às 10 semanas de gravidez) foi despenalizado em Portugal.
Após um aumento na fase que se seguiu à despenalização, “as interrupções de gravidez estão a diminuir, o que significa que temos uma redução da gravidez não desejada”, comenta Lisa Vicente, responsável pela Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva, Infantil e Juvenil da DGS.
“Em números absolutos pode haver uma diminuição, mas é preciso ver a relação com o número de nados-vivos. Se a natalidade baixou 10% [no ano passado], então o número de abortos subiu porque só diminuiu 6%” ,além de que também é preciso ver que há menos mulheres em idade fértil, contrapõe Isilda Pegado, da Federação Portuguesa pela Vida , para quem os dados indicam tão só que “foram mais de 17400 crianças que deixaram de nascer”.
“Nunca em nenhuma sociedade se fez uma estatística dessa forma”, contesta Lisa Vicente. Os dados do Instituto Nacional de Estatística e da base de dados Pordata indicam que, em 2012, face ao ano anterior, havia menos 33 mil mulheres em idade fértil no país, uma diminuição da ordem dos 1,3%.
O certo é que, desde 2008 (a lei entrou em vigor em meados de 2007, mas a DGS apenas começou a fazer relatórios anuais a partir do ano seguinte), o aborto por opção da mulher baixou 3,3%. Considerando todos os motivos (incluindo as razões clínicas, como o risco para a saúde da mãe e a malformação congénita), diminuiu 3,5%, revela o documento. No total, incluindo os abortos por todas as causas, no ano passado registaram-se 17.964 abortos, menos 6,2% do que no ano anterior.
O perfil das mulheres que abortam não tem diferido substancialmente de ano para ano. Em 2013, quase metade viviam em coabitação, 40% não tinham filhos e 52% tinham um ou mais filhos. Por idades, continuam a ser as mulheres entre os 20 e os 24 anos as que mais abortos fazem, seguidas das mulheres entre os 25 e os 29 anos e entre os 30 e os 34 anos . No ano passado, e este é um indicador considerado relevante pelos especialistas, manteve-se a tendência decrescente nas jovens com menos de 20 anos (as que interromperam a gravidez representavam 11,2% do total).
De resto, quase três quartos das mulheres (72,2%) nunca tinha interrompido a gravidez, 21,5% tinha feito um aborto e 4,9%, dois, enquanto 1,4% admitia ter feito três ou mais. O relatório da DGS revela ainda que, em 2013, 301 mulheres já tinham feito um aborto nesse ano. Considerando o grau de instrução, cerca de um terço das mulheres tinham o ensino secundário, 28,7% o 3.º ciclo do ensino básico e 21% tinham cursos superiores. Por regiões, mais de metade residiam em Lisboa e Vale do Tejo.
Um eventual reflexo da crise é o facto de quase um quarto das mulheres que interromperam a gravidez no ano passado (23,6%) estarem desempregadas. Este representa um novo aumento face a 2012 e 2011, anos em que já se tinha verificado um acréscimo neste grupo, que passou desse essa altura a ser o predominante. A seguir surgem as trabalhadoras não qualificadas e as estudantes. A proporção de estrangeiras manteve-se estável, cerca de 16%.
O que os especialistas não conseguem esclarecer é se o número de desempregadas que interromperam a gravidez aumentou por se ter agravado a percentagem de pessoas sem trabalho ou se o fenómeno se acentuou porque é mais difícil, nesta situação, terem condições para prosseguir com a gravidez. “O que sabemos é que a percentagem aumentou”, diz Lisa Vicente.
Menos do que Suécia, mais do que Holanda
Quanto à questão da comparação entre os nascimentos e os abortos, a médica lembra que os números de que a DGS dispunha quando o relatório foi concluído eram os de 2012 e que esses apontavam para uma relação de 209 interrupções de gravidez por mil nados vivos (no ano anterior era 211) Com os dados recentemente divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, essa relação subiu de novo para 210 por mil. Uma relação que, olhando para os dados de 2011, os últimos comparáveis, coloca mesmo assim Portugal abaixo de países como o Reino Unido, a Noruega e a Suécia, que exibem valores “claramente superiores”, ainda que acima de países como a Finlândia, a Holanda, a Suiça e a Alemanha. Lisa Vicente sublinha, a propósito, que a Finlândia e a Holanda têm “políticas sustentadas de educação sexual” há anos.
Voltando ao retrato do aborto traçado no relatório da DGS, percebe-se que uma parte significativa das interrupções de gravidez é feita em clínicas e unidades privadas (sobretudo na Clínica dos Arcos, com 5466 abortos em 2013) e aqui, ao contrário do que se passa nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde , onde quase todas as mulheres usam medicamentos para abortar, o método utilizado na esmagadora maioria dos casos é o cirúrgico. Vários especialistas têm posto em causa esta opção, que consideram justificar-se apenas porque o aborto cirúrgico é mais caro e representa, assim, uma maior receita para os estabelecimentos privados. Entretanto, no ano passado, no SNS, a Maternidade Júlio Dinis (Porto) ultrapassou a Maternidade Alfredo da Costa (Lisboa) em número de abortos.
No relatório, os especialistas frisam que é necessário continuar a apostar e a fortalecer os programas de educação sexual e de acessibilidade a serviços de planeamento familiar. “Existem ganhos inequívocos em matéria de Saúde Sexual e Reprodutiva em Portugal nos últimos anos. Mas estes ganhos implicam que se mantenha o esforço”, avisam.
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