(Correio Braziliense, 19/05/2014) O Brasil registra uma onda de crimes que indica a escalada da violência gratuita, com linchamentos e espancamentos coletivos, como se o país vivesse a era medieval. É preciso reforçar a defesa dos direitos humanos na sociedade e em todas as instituições. A cada dia, torna-se mais urgente a necessidade de garantir ações conjuntas e concretas no Executivo, no Legislativo e no Judiciário para que se construa um país mais justo, humano e menos bruto.
No mês dedicado à celebração do Dia das Mães, mulheres foram protagonistas de tragédias. No início de maio, a vítima foi a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, 33 anos, no Guarujá, litoral paulista. mulher, mãe de duas meninas, ela foi espancada e morta, depois de confundida com suposta sequestradora de crianças a serem usadas em rituais de magia negra.
Em 12 de maio, veio a público a história da manicure Ane Kely Santos, 26 anos, morta por ter furtado um pacote de bolachas em São Paulo. Três suspeitos foram presos. A polícia não revelou os detalhes, mas uma denúncia anônima levou a um vídeo em que a mulher aparece sendo brutalmente torturada.
Conforme levantamento divulgado pela imprensa, já ocorreram 36 casos semelhantes ao de Fabiane em 2014. Do total, 19 resultaram na morte da vítima – um caso a cada oito dias. Entre 1980 e 2006, foram registrados 1.179 casos de linchamento no Brasil, segundo o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP). No estado recordista de casos, São Paulo, os principais motivos de linchamento foram roubo/sequestro, homicídio e estupro e atentado violento ao pudor envolvendo crianças. Infelizmente, não há estatísticas nacionais mais recentes.
Há dois meses, a auxiliar de serviços gerais Cláudia Silva Ferreira, 38 anos, foi baleada em uma favela da Zona Norte da capital fluminense. Ao ser socorrida por policiais militares, foi colocada no porta-malas da viatura, que se abriu durante o deslocamento até o Hospital Carlos Chagas. No trajeto, Cláudia foi arrastada por cerca de 350m, o que causou mais ferimentos a ela. A jovem chegou morta ao hospital. Segundo parentes, sua perna direita estava em carne viva. Seis policiais militares foram indiciados em inquérito aberto na 29ª Delegacia de Polícia (Madureira).
Como procuradora da mulher do Senado, tenho a obrigação de chamar a atenção para essa realidade. Essas histórias recentes são apenas alguns exemplos de que as mulheres são cada vez mais o alvo do descaso e de todas as formas de violência que ganham força na sociedade. É muito mais difícil registrar casos brutais como esses, tendo como vítimas homens. Nesse aspecto, as mulheres são mais frágeis até mesmo pela estrutura física.
Em outra frente, grande preocupação da Procuradoria Especial da mulher do Senado são os nomes e rostos que permanecem anônimos. Diariamente, milhares de mulheres são agredidas física e psicologicamente, mas não denunciam os algozes por vergonha ou medo. O Amazonas, por exemplo, estado brasileiro que represento, foi onde menos se denunciou violência contra as mulheres pelo Disque 180 em 2013: 2.463 registros. Em contrapartida, o Distrito Federal é o lugar onde mais se denuncia: 15.665 registros. Os dados são da Secretaria de Políticas para as mulheres da Presidência da República
Diante desse cenário com desafios enormes, a Procuradoria da mulher foi criada no Senado, em 2013, com a missão de zelar pela defesa dos direitos da mulher. É mais um canal de valorização das mulheres na sociedade, de recebimento de denúncias e de elaboração de propostas que melhorem as condições de vida dessa camada social tão importante. Uma das nossas grandes metas agora é expandir esse trabalho para as assembleias legislativas e câmaras de vereadores de todo país. A ideia é impulsionar ações que garantam mudanças em médio e em longo prazo. Todas as instituições, portanto, devem se envolver nessa tarefa de transformar o Brasil num ambiente mais justo, humano e menos bruto.
* Vanessa Grazziotin é Procuradora da mulher do Senado e senadora pelo PCdoB do Amazonas.