(Correio Braziliense, 17/05/2014) Apesar de ser tratada em salas de aulas, em campanhas educativas e em diversos sites especializados, a saúde reprodutiva ainda é um mistério para uma parcela da população. Especialistas ouvidos pelo Correio avaliam que a desinformação sobre métodos contraceptivos ajudam a explicar as estatísticas de 728 mil a 1 milhão de interrupções de gestações no país, de acordo com o Ministério da Saúde. Cerca de 60% das mulheres que já abortaram o fizeram entre 18 e 29 anos, segundo Pesquisa Nacional de Abortamento, de 2010. Além das interrupções, 400 mil meninas, entre 10 e 19 anos, deram à luz em 2009.
Um estudo divulgado ontem, intitulado Juventude, comportamento e DST/aids e Atitude e tolerância: o que os jovens pensam sobre sexualidade, mostra que 30% das pessoas, entre 18 e 29 anos, acreditam que o coito interrompido é um método eficaz para evitar a gravidez. O levantamento mostra também que 70% não sabem qual é a época de maior fertilidade da mulher. A pesquisa, feita pela John Snow Consultoria e o Instituto Caixa Seguros, revela ainda que apenas 42% dos jovens não sabem que a camisinha é o único método que previne a gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis simultaneamente e 40% não usaram nenhum método contraceptivo na última relação sexual.
Para o coordenador, Miguel Fontes, a pesquisa revela pouco conhecimento em relação à saúde reprodutiva, o que tem impactos na saúde pública. “De cada quatro homens, três não conseguiram identificar qual é o período mais fértil da mulher. Esse dado aliado à falta de conhecimento sobre contracepções acaba tendo uma implicação significativa no número alto de abortos que temos no país. Como o aborto é ilegal, o Brasil tem a taxa de mortalidade materna elevada”, avalia. Fontes também considera significativo o dado de 30% dos entrevistados acreditarem que o coito interrompido é eficiente para evitar a gravidez e 16% não saberem.
Confiança
O levantamento mostra que 70% dos jovens se sentem confiantes em relação a métodos para prevenir o contágio de doenças sexualmente transmissíveis, no entanto, somente 10% sentem o mesmo em relação a uma gestação. “Se foca muito nas doenças, mas não se trabalha da mesma forma em relação a gravidez. Isso tem de mudar”, avalia o coordenador da pesquisa.
Membro do comitê nacional de anticoncepção da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Antônio Eugênio Ferrari acredita que os dados mostram a falta de informação dos jovens. “Embora algumas escolas tratem da educação reprodutiva, não são muitas que dão esse ensino com qualidade. Tem de haver capacitação para ministrar esses conteúdos.” Ferrari defende que o tema também deve ser debatido fora da escola, onde o aluno pode obter informações por meio de campanhas, médicos, família e amigos. “O número de adolescentes que procuram o ginecologista antes de ter a primeira relação sexual é pequeno.”
O militar Augusto Wellington Oliveira, 20 anos, morador de Valparaíso afirma que o tema é tratado nas escolas, mas não da forma como deveria. “Na minha escola, houve uma palestra organizada como trabalho pelos próprios alunos, mas tratou exclusivamente do uso da camisinha, não de outros métodos. Fora isso, só fui ter aulas sobre o tema no próprio quartel, onde falamos de coito interrompido, por exemplo”, disse. Para o jovem, conversas entre amigos e o uso da internet também podem ajudar, mas o principal meio deve ser a escola, como 78,4% das pessoas ouvidas na pesquisa.
“Só fui ter aulas sobre o tema no quartel, onde falamos de coito interrompido, por exemplo”
Augusto Wellington, militar
Dimensão
O levantamento ouviu 1.208 pessoas em 15 estados e no Distrito Federal. Foi aprovado no Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e teve acompanhamento da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e do Departamento de DST/aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.