(A Tarde, 19/05/2014) O médico sanitarista e ex-deputado Eduardo Jorge pretende, como pré-candidato do PV ao Palácio do Planalto, tratar de temas polêmicos na campanha deste ano que ficaram de fora da sigla em 2010 devido ao “fundamentalismo religioso” da então candidata Marina Silva. Aborto, drogas e casamento homossexual voltaram à pauta dos verdes.
O aborto foi um dos temas tabus na campanha do PV na eleição presidencial passada. Como o tema será tratado este ano?
Em 2010, houve uma coligação do PV com a Marina Silva, que é uma instituição. Éramos da mesma corrente no PT (antes do PV). É uma moça muito boa, preparada. Uma das questões importantes de uma coligação como essa era respeitar a filosofia fundamentalista e religiosa dela, que não a permite ter uma posição progressista em alguns temas. Agora que o PV vai (para a eleição) sozinho pode falar do seu programa pleno.
O aborto é tratado como problema de saúde pública pelo PV?
Dos três temas que eu chamo “órfãos” (aborto, drogas e casamento gay), o aborto, para mim, é o mais difícil. Sou uma pessoa de formação católica, estudei em colégio religioso a vida toda e sei como isso é difícil para um religioso discutir esse assunto. Sou o autor da Lei Brasileira de Planejamento Familiar. Ela legalizou a esterilização voluntária, que era ilegal no Brasil. Sou médico de saúde pública, minha mulher também, e nós fomos responsáveis por uma área imensa de população muito pobre em São Paulo, durante 15 anos. Esse drama das famílias senti na palma das mãos. A posição do PV é de que para você diminuir o máximo possível o número de aborto na sociedade é preciso estender o planejamento familiar o máximo possível e completar isso com educação sexual na juventude, principalmente no ensino médio, que a gente tem um problema seríssimo que é a gravidez da adolescente. Esse é o caminho meu pessoal e do PV.
E o aborto?
O que eu faço com as 900 mil mulheres que por ano fazem interrupção de gravidez de forma clandestina no Brasil? Classificadas de criminosas. Eu, para não perder voto do eleitorado que é 95% católico e evangélico, minto e me omito? Os políticos dos principais partidos políticos sabem disso. Mas eles mentem e se omitem. Se é para fazer isso, eu prefiro não ser candidato a nada. O PV não está defendendo que fazer aborto não seja uma coisa traumática. É uma decisão dramática para uma mulher fazer um aborto. Não sei se um homem, seja ele padre ou pastor , tem a sensibilidade para julgar esse drama. E principalmente não é justo você lavar as mãos diante dessas 900 mil mulheres que são jogadas à própria sorte. Somos pelo planejamento familiar, queremos reduzir o máximo possível o número de abortos do Brasil, mas não posso abandonar essas mulheres que todo o ano decidem por algum motivo interromper a gravidez. Tenho que acolhê-las. Não posso marcá-las com ferro quente dizendo que, além do drama pessoal, estão cometendo um crime. Isso é cruel, não posso fazer isso. Ainda mais que 98% dessas mulheres que fazem aborto são católicas e evangélicas. O pastor e o padre devem defender a posição contra o aborto em suas igrejas. Não podem empurrar isso para um estadolaico, como o PV defende.
E sobre a questão da legalização do uso da maconha, outra bandeira do PV?
A questão da droga é de puro desconhecimento (da sociedade). Os países assinaram em 1961 a Convenção das Drogas para a erradicação das drogas ilícitas do mundo. A linha política para isso era a repressiva. Iam erradicar o plantio, o tráfico e o consumo. Tiveram 50 anos para isso. Só conseguiram provar que essa política era ineficiente. O Brasil entrou de cabeça nessa linha. O resultado? Aumentaram os números de consumidores, de jovens presos no mundo inteiro por causa do narcotráfico, o poderio do narcotráfico que se tornou potência econômica, a corrupção na polícia, a violência no mundo. A partir desse fracasso, vários países como a Holanda, a Espanha Portugal e recentemente o Uruguai começaram a pensar em outras estratégias.
Até os Estados Unidos estão revendo essa estratégia de repressão…
É isso. O PV não quer estimular o uso da maconha. A gente quer ter uma política mais inteligente de regulação do seu uso como a gente procura e tenta fazer com o cigarro e com o álcool, duas drogas lícitas com sucesso às vezes maior e menor. Quando a Organização Mundial da Saúde analisa o grau de morbidade das drogas lícitas e ilícitas, a mais perigosa de todas é o álcool. Numa escala de zero a 100, o álcool está com 76 em risco de morbidade e mortalidade. O cigarro está em 30, e a maconha, em 29. Queremos uma política mais inteligente para que o sofrimento que acontece com o uso de drogas lícitas e ilícitas seja menor. Escolhemos a discussão sobre a maconha por ser a droga mais leve entre as ilícitas e por isso ser a mais difundida. Praticamente dois terços que usam drogas ilícitas no mundo, cerca de 270 milhões de pessoas, consomem a maconha. Então, se eu trago a regulação do uso da maconha para o estadoeu tiro da mão dos bandidos, pois o tráfico tem um grande poder. Aí vou diminuir meu investimento, que é brutal, em penitenciárias, que são escolas do crime. Temos 500 mil pessoas presas no Brasil que é o quarto país no mundo em população carcerária. Desses, tem 150 mil presos que dormem no chão todo dia. Queremos esvaziar esse gasto sem fim de dinheiro público com a repressão, tirar o poder econômico progressivamente desses bandidos e gastar os recursos públicos em educação e saúde.
Como?
Da mesma forma que a gente faz com o álcool e o tabaco. Vou dizer o seguinte: não use a maconha, use a literatura, use a música, use a observação de pássaros, vá passear na praia. Mas, se por acaso quiser usar use pouco e moderadamente, para não se prejudicar no trabalho, nos estudos, com a sua família.
É como a campanha de distribuição de seringas para viciados…
Exatamente. Redução de danos. Fui secretário de saúde de São Paulo e lá foi um dos primeiros lugares do Brasil que fez isso (distribuição de seringas) para os infectados com o vírus da Aids. Isso foi em 1989, recebemos uma crítica tremenda da época. Então é tese a redução de danos. E se você notar, sua família notar que você virou um dependente, eu, do sistema de saúde, quero lhe ajudar o mais cedo possível. Quando o sistema de saúde alcança o usuário de maconha, hoje, ele já está no fundo do poço. Essa estratégia da redução de danos parte do princípios que é impossível erradicar totalmente o uso de drogas desse tipo. A humanidade sempre usou isso. É preciso ter inteligência e coragem para falar nisso porque virou preconceito.
O PV se posiciona como em relação ao casamento gay?
É absurdo o estado ficar contra isso. Falei isso para um deputado nosso que é pastor: meu senhor, qual o problema de duas mulheres ou dois homem casarem? No que isso incomoda o senhor? Isso é problema deles, não estão prejudicando você em nada. Aí ele disse “é porque o casamento é um sacramento”. Eu retruquei: o senhor, então, deveria fazer greve de fome em frente aos cartórios, porque qualquer pessoa pode ir lá e se casar no civil, sem nenhum caráter de sacramento. Aliás, teve um homem no Brasil, Antônio Conselheiro, em Canudos, que dizia que o casamento civil era coisa do cão. Se você que é evangélico e católico, admite o casamento fora da igreja, por que vai impedir que um casal homossexual case civilmente? É um caso absurdo de interferência na vida alheia.
Como o senhor vê esse embate entre o MST e o agronegócio?
Todas as atividades econômicas têm impacto ambiental. O capitalismo e o socialismo nunca tiveram nenhum respeito pelos limites ambientais. O MST deveria estudar a história da União Soviética ou a situação da China, que é uma ditadura comunista ainda hoje. A boa-nova do PV é falar para os capitalistas e socialistas que eles precisam mudar suas formas de produzir e consumir para equilibrar o econômico, o social e o ambiental. Isso vale para tudo, inclusive para a agricultura também. O PV é o partido da agricultura familiar limpa, orgânica, porque ela é quem mais emprega, mantém o homem no campo. Mas isso não quer dizer que eu não tenha a obrigação de dialogar com o agronegócio para evoluirmos para uma agricultura mais sustentável.
Como o senhor vai enfrentar, eleito presidente, a questão dos agrotóxicos no Brasil, que é seu maior consumidor mundial?
Com a força do diálogo. Quero discutir com as pessoas para mostrar que isso é uma coisa prejudicial, mas quero também discutir com os consumidores. O poder do consumidor em relação ao alimento, ao agronegócio, à agroindústria não foi ainda explorada. Você sabe que o excesso de agrotóxico é uma comprovação que eu vou ter maior incidência de câncer e malformação? Hoje há uma segurança alimentar bem melhor que no tempo da ditadura em termos de quantidade, mas em termos de qualidade é péssima.
O senhor leva a candidatura até o fim?
Essa pergunta é: por que eu aceito o papel de Dom Quixote? Nossa candidatura tem como único patrimônio as ideias, cuja principal é a sustentabilidade. Tem muita gente que apoia nossas ideias, e, para eles terem um candidato no primeiro turno, o PV vai disputar a presidência.
Caso não passe para o segundo turno, o PV vai se omitir como ocorreu em 2010?
Fui o único a votar, na direção do PV em 2010, para o partido se posicionar no segundo turno, naquele ano, mas o partido se omitiu. Defendo que devemos aprofundar o debate no segundo turno. Não posso dizer: não brinco mais, vou para casa. A omissão foi um erro gravíssimo. Temos a obrigação democrática de no segundo turno dizer nossa opinião.
Em estados como a Bahia, onde o PV não lançar candidato, a direção nacional vai interferir nas alianças do partido?
O ideal seria ter candidato, mas, onde isso não for possível, que os companheiros busquem a aliança mais lógica possível, tendo como base nossas diretrizes.
Acesse o site de origem: O aborto é caso de saúde pública, diz Eduardo Jorge