(Folha de S.Paulo, 24/05/2014) A estatística nem sempre esclarece. Um extraterrestre interessado na criminalidade feminina no planeta Terra teria a atenção desviada para a localização de Mônaco no mapa da Europa. Sim, o principado é detentor, segundo o International Centre for Prison Studies, de elevado índice de encarceramento de mulheres, comparativamente a homens: 17,2%. Perde apenas para Hong Kong (19,7%). Para a compreensão de dado tão extravagante, seria preciso levar em conta o universo de presos (só 29) e a circunstância de 95,1% serem estrangeiros.
Países líderes da desagradável disputa pela quantidade de presos no mundo, Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,7 milhão), Rússia (670 mil), Brasil (540 mil) e Índia (385 mil) reservam para as mulheres menos de 9% do sistema.
Aqui, o número de presas dobrou desde 2005 e cresce mais do que o número de homens detidos. Em dezembro de 2012 (por que a atualização das estatísticas demora?), atingimos a marca de 35 mil (6,4% da população carcerária), mais de um terço em São Paulo.
A maioria estava atrás das grades por tráfico de drogas e furto. A liberdade de grande parte não representaria risco e muitas poderiam estar fora das prisões cumprindo modalidades mais civilizadas e econômicas de punição. Apenas 1.665 teriam cometido homicídio ou sequestro.
Apesar da participação ativa do sexo feminino em linchamentos no Brasil, por razões hormonais, evolutivas e históricas, mulheres são menos violentas que homens. Isso explica a proporção reduzida nas cadeias.
De todos os delitos que, em tese, poderiam ser praticados por homens e mulheres, somente o de bruxaria (fruto de imaginação doentia e religiosa) resultou em punição de mais mulheres do que homens na história da humanidade. Mesmo no âmbito do terror político, lideranças como Ulrike Meinhof, do grupo extremista Baader-Meinhof (fundado em 1970 na antiga Alemanha Ocidental), são fora do comum.
Mas o caráter medieval do nosso sistema penitenciário alcança um número adicional de mulheres bastante expressivo. É constrangedor o relato do repórter Lucas Ferraz (“Ilustríssima”, 27/4) a respeito das revistas íntimas.
Milhares de mulheres são submetidas todas as semanas a um verdadeiro ritual de humilhação para evitar entrada de drogas, armas e celulares nas penitenciárias. Segundo dados oficiais de São Paulo, em 2012 mulheres foram flagradas com objetos ilegais em 0,02% das revistas efetivadas. Dirão que o índice é insignificante porque a previsão da revista íntima inibe.
Mas celular, arma e droga estão sempre nos presídios –e não pela ação de mães, filhas, esposas e avós. É questão de monopólio? Guardas de presídio não querem saber de concorrência?
Por que não instalar em presídios equipamentos utilizados em aeroportos? Ou alguém imagina ser necessário, para prevenir o terrorismo, desnudar as mulheres e obrigá-las a flexões sobre espelhos antes de entrarem nos aviões?
De onde vem este estranho prazer de maltratar mulheres?
A revista íntima é acréscimo ilegal à punição imposta pelo Estado. A humilhação inútil serve para desmoralizar seres humanos, gerar ódio, destruir vínculos familiares e acirrar o clima de violência que impera dentro e fora das prisões.
Acesse o PDF: Mulheres, por Luís Francisco Carvalho Filho