(Valor Econômico, 11/06/2014) Desde 2007, anos antes da decisão do Supremo Tribunal Federal de reconhecer a união civil de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, o HSBC permite que parceiros homossexuais sejam incluídos nos planos de saúde, odontológico e de seguro de vida. Até 2012, no entanto, apenas 14 profissionais faziam uso do benefício. Ao fim de 2013, esse número havia dobrado. “Sabemos que ainda não reflete a quantidade de casais em uma população de mais de 20 mil funcionários”, diz o vice-presidente de recursos humanos da empresa, Juliano Marcílio. “Mas achamos que o aumento ocorreu porque o banco criou um ambiente que começou a tratar do preconceito inconsciente.”
Todos os profissionais que assumem funções de gestão passam, desde o ano passado, por um treinamento obrigatório em que são confrontados com situações de tomada de decisão. Ao fim, recebem um resultado que indica se as escolhas foram direcionadas por algum tipo de preconceito que a pessoa não necessariamente articula de forma ativa. “Muitas vezes, elas tendem a tomar uma decisão com preconceitos tão arraigados que são inconscientes”, diz Marcílio. Uma iniciativa global, o treinamento já foi aplicado em mais de oito mil pessoas no Brasil, desde supervisores até a alta liderança, e deve ser repetido anualmente. Hoje o VP estuda a possibilidade de ampliar para profissionais de mais níveis.
O projeto foi apresentado pelo banco em uma reunião do Fórum de Empresas e Direitos LGBT, realizada na própria sede do HSBC na semana passada, em São Paulo. Mesmo modestos, os números se destacam no mundo corporativo brasileiro quando se fala de ações voltadas para profissionais lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. “O empresariado, no geral, é avesso ao tema da diversidade”, diz Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da consultoria Txai e um dos idealizadores do evento. Para ele, a receptividade a esse assunto dentro das empresas ainda caminha a passos lentos no país, mas o interesse em se informar sobre o tema tem crescido. “Isoladamente o ritmo de mudança é mais lento, mas com as empresas atuando juntas no fórum, ele pode acontecer mais rápido”, diz Bulgarelli.
Organizado pela Txai para discutir assuntos relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero nas empresas, o fórum surgiu em março do ano passado, com a participação de 16 companhias. Na última reunião, 56 enviaram representantes, entre elas 18 que participavam pela primeira vez, como Coca-Cola, Goldman Sachs e a CPFL. Ao todo, 86 organizações já se envolveram nas atividades do fórum, que incluem a formação de um comitê gestor com 11 empresas, a promoção de oficinas de assuntos legais ou relacionados à gestão e quatro grandes encontros anuais. O evento realizado semana passada foi o primeiro a trazer presidentes de empresas para discutir o assunto. “Para romper o silêncio, é importante ter os líderes falando sobre isso”, explica Bulgarelli.
Um dos convidados, o CEO do HSBC, André Brandão, acha que o Brasil ainda tem muito para avançar na discussão do tema LGBT dentro de empresas, em especial na comparação com países da América do Norte, onde o assunto faz parte da agenda há mais tempo. Brandão integra um comitê global de diversidade do banco, que se encontra regularmente. “Não discriminar significa ter o melhor candidato trabalhando na organização”, diz.
Para fomentar a discussão de temas relacionados a diversidade, o HSBC possui grupos de afinidade que se reúnem para debater as melhores formas de levar os temas para a organização. Entre eles, existe um, criado em 2009, formado por funcionários LGBT. “Isso ajuda a entender como a mensagem está chegando”, explica o VP de RH, Marcílio. Na empresa desde 2009, o coordenador do grupo de afinidade LGBT e membro do comitê gestor do fórum, Elías Benavides, conta que 15 pessoas contribuem com o grupo e que a discussão envolve o uso dos canais de comunicação interna para tratar de assuntos ligados ao desenvolvimento de ações como a oferta de licença de 30 dias para pais ou mães que adotem filhos, iniciada no ano passado.
Já o outro participante do painel, Franklin Feder, ex-presidente da Alcoa que se aposentou há cerca de dois meses, faz um contraponto ao falar do envolvimento dos comandantes de empresas com esse assunto. “Apesar dos nossos esforços, não fomos muito bem-sucedidos nessa causa”, diz, sobre a companhia que comandou por 10 anos. O executivo, que no encontro aceitou o convite para atuar como conselheiro do fórum, conta que tentou organizar a criação de um grupo de afinidade para discutir ações voltadas para o público LGBT na Alcoa, mas não conseguiu achar líderes dispostos a levar a ideia adiante. O ex-presidente considera o desafio – já grande por conta da cultura do país e de pressões religiosas – ainda maior em uma indústria de mineração e metalurgia, onde a maioria da força de trabalho é masculina. “É triste observar que alguém frequenta o trabalho de uma maneira parcial”, diz. Ele se mantém otimista, no entanto, que isso mude com o tempo, e considera uma vitória que a empresa tenha, há sete anos, uma Semana da Diversidade com um dia voltado ao tema LGBT em todas as localidades.
Vânia Akabane, diretora de RH e assuntos institucionais da Alcoa América Latina & Caribe, adicionou que, globalmente, a empresa possui uma rede de relacionamento para profissionais LGBT. No Brasil, a diretora reforçou a organização da Semana da Diversidade e a inclusão de parceiros do mesmo sexo nos planos de saúde desde 2007.
Para o presidente do Instituto Ethos, Jorge Abrahão, falta acelerar a discussão de todos os temas relacionados à diversidade e dar mais visibilidade aos problemas. A organização, que atua como parceira do fórum, lançou no fim do ano passado um manual com orientações e compromissos para as empresas atuarem na inclusão de profissionais LGBT, disponível para download em seu site. “Não vejo concretamente avanço com a velocidade de que gostaria, mas há até pouco tempo as empresas nem conversavam sobre isso. Agora começa um diálogo”, diz. O documento inclui indicadores e etapas para que as companhias se comprometam com o tema de forma efetiva, desde a participação das altas lideranças na discussão até a promoção do respeito ao público LGBT no marketing das organizações, passando pela revisão de políticas que podem gerar discriminação. Um dos planos do fórum para este ano é produzir uma carta de adesão aos dez compromissos citados no manual, a ser assinada por presidentes e representantes de empresas.
Uma das bandeiras levantadas no evento é o enfoque nos direitos humanos. “Nem tudo tem que entrar no plano de negócios da companhia. Tem coisa que precisa fazer parte dos valores da empresa”, diz Bulgarelli. Ainda assim, representantes das corporações presentes no encontro levantaram a necessidade de provar às lideranças que mudanças em prol de mais diversidade e inclusão geram melhores resultados financeiros – do contrário, pouco é feito para avançar. Aos 52 anos, o consultor da Txai diz que esperou tempo demais para ver esses avanços. “Queremos que quem está chegando no mercado de trabalho agora não espere tanto”, diz.
Para alguns públicos, contudo, essa parece ser uma realidade ainda mais distante. O encontro também foi o primeiro do fórum a incluir representantes de um dos segmentos mais discriminados da sigla LGBT, por meio da participação da advogada Márcia Rocha, uma das idealizadoras do site TransEmpregos, voltado para transexuais e travestis. Proibida pelos pais na adolescência de tomar hormônios para fazer a transição física para o corpo feminino, Márcia diz que viveu a vida “de terno e gravata” – e que foi justamente ter ficado “no armário” que a permitiu se formar em direito e trabalhar na defensoria pública e como advogada de grandes empresas. “Se aos 14 anos eu tivesse começado a tomar hormônios, eu certamente não seria quem sou hoje”, diz a empresária, que também integra a Comissão de Direitos à Diversidade Sexual e Combate à Homofobia da OAB de São Paulo.
“Se os LGB são discriminados, travestis e transexuais não têm nem vez”, diz Beto de Jesus, também consultor da Txai e idealizador do fórum. O TransEmpregos, que pode ser usado de forma gratuita por empresas e candidatos, foi criado no fim do ano passado. Após uma primeira fase de implementação do site, o desafio atual é conseguir mais parcerias com empresas para aumentar a oferta de vagas. “Tem muita gente qualificada, mas que chega com um nome masculino ou feminino e a aparência diferente e, por isso, a companhia não chama”, diz Márcia. Cerca de 40 vagas já foram anunciadas e 260 currículos estão cadastrados hoje no site, com perfis e níveis de escolaridade variados. “As empresas podem ser o caminho para romper o preconceito. Se uma pessoa trans tiver a oportunidade de subir na empresa como qualquer outra, a história dela vai quebrar preconceitos”, diz.
Letícia Arcoverde
Acesse em pdf: Empresas discutem maior inclusao LGBT (Valor Econômico – 11/06/2014)