O papel das mulheres nos programas sociais, por Paulo Nogueira Batista Jr

13 de junho, 2014

(O Globo, 13/06/2014) Decisão de privilegiar a mãe no Bolsa Família, tomada por Lula no início do seu governo, foi acertada

Um aspecto não tão conhecido dos programas sociais brasileiros, especialmente aqui no exterior, é a centralidade do papel da mulher. O Bolsa Família é concedido sempre à mulher — a não ser nos casos em que o pai tem a guarda judicial dos filhos.

A experiência vem mostrando que a decisão de privilegiar a mãe, tomada pelo próprio presidente Lula no início do seu governo, foi uma decisão acertada, provavelmente essencial para o sucesso do programa. Como se sabe, o Bolsa Família abandona a ideia tradicional de tutelar os gastos e o consumo dos beneficiários. Não se trata de distribuir cestas básicas, merendas, leite ou vales. Nem de microadministrar e controlar o uso que as famílias pobres fazem da renda transferida.

A distribuição de alimentos ou outros produtos dá margem a desvios, perdas e se mostra em geral ineficiente. O pressuposto do Bolsa Família é que, em última análise, o beneficiário conhece melhor as suas prioridades e necessidades do que burocratas governamentais, por mais bem intencionados que estes possam ser. O programa tem apenas duas condicionalidades: manter as crianças na escola (a frequência mínima é de 85%) e levá-las periodicamente a um posto de saúde; gestantes e nutrizes também têm de fazer o pré-natal e seguir acompanhamento especial.

Por que privilegiar a mulher? Por que dar a ela — e não ao homem — o cartão de débito que dá acesso às transferências do Bolsa Família? Estive recentemente em duas reuniões com a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, e sua equipe, e acredito entender um pouco mais as razões.

Primeiro, de qualquer maneira, muitas famílias pobres são lideradas exclusivamente por mulheres, com os homens se notabilizando pela ausência. Na presença do homem, o risco é que o dinheiro a ele transferido tenha outra destinação que não as crianças — ponto que o próprio ex-presidente Lula costuma enfatizar. Mas isso talvez nem seja o principal. O homem tende a ser menos pragmático, talvez mais sonhador. Pode, por exemplo, tentar abrir um pequeno negócio em condições precárias e apostar o pouco dinheiro que recebe em um microempreendimento de risco. No final, a família fica desassistida.

Já para a mulher, observa a ministra Tereza: a prioridade número um são as crianças; a número dois, as crianças; a número três, as crianças. O dinheiro transferido é usado para comprar comida para a família, roupa, remédios e para equipar minimamente a casa.

Levei recente missão do FMI para conversar com a ministra Campello e sua equipe. Creio que eles aprenderam tanto quanto eu. Conversei também a respeito com a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, enfatizando que a experiência brasileira precisa ser mais estudada no exterior. Ela mencionou que gostaria de visitar novamente o Brasil para conhecer melhor os programas sociais brasileiros e o papel que as mulheres desempenham na sua execução.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal

Acesse em pdf: O papel das mulheres (O Globo, 13/06/2014)

 

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