(Folha de S.Paulo, 01/07/2017) Você já percebeu, caro leitor, que atualmente as crianças são consideradas responsabilidade única e exclusiva dos pais e das escolas?
Eu já perdi a conta de quantas vezes ouvi a frase “preciso que a escola funcione em tempo integral e também nos períodos de férias, porque não tenho com quem deixar meus filhos”. Você certamente também já ouviu ou pode, inclusive, ter dito isso, não é verdade?
As escolas reclamam -com razão- que crianças vão para a escola doentes, levando consigo a lista de medicamentos que devem tomar. Em parte por causa disso, boa parte das escolas tem enfermaria em seu espaço. E qual o motivo dos pais para agir assim? Eles não têm com quem deixar a criança que, vamos convir, nesse estado ficaria bem melhor em casa ou, pelo menos, com algum familiar próximo. Dessa maneira, ela poderia se recuperar com mais
rapidez, além de evitar o risco de transmitir a doença para muitas outras crianças no espaço escolar que frequenta.
E quando uma criança se comporta de modo inadequado no espaço público? Todos os pensamentos, e olhares também, julgam e reprovam a mãe, que é considerada incompetente em sua tarefa educativa.
Sim, precisamos reconhecer que cuidar dos filhos não tem sido priorizado por muitos pais, que escolhem outras coisas que consideram mais importantes para colocar no topo de sua lista de prioridades. E também precisamos admitir que os pais têm gostado muito de ter a posse quase total sobre os filhos. Eles até permitem, quando precisam, que o filho fique com avós ou outros familiares, desde que eles sigam rigorosamente as suas orientações. Não é
assim que tem funcionado?
O problema é que esse pensamento permitiu que a comunidade simplesmente ignorasse os deveres que tem para com as suas crianças. Afinal, elas são o nosso futuro, serão elas que construirão o mundo em curto prazo. Todos nós somos, portanto, responsáveis por elas.
Quantas empresas, que têm em seu quadro um grande número de pais, são solidários quando os filhos deles ficam doentes? E quando digo solidários, me refiro a alguma atuação prática, evidentemente. Como permitir que o funcionário trabalhe em casa por alguns dias quando isso é possível, ou não descontar eventuais faltas ao trabalho resultantes desse motivo.
Quantas empresas têm um espaço para filhos de funcionários ficarem, quando eles precisam? A empregada faltou ou a escola não funcionou nesse dia, com quem deixar os filhos? Seria ótimo se a criança pudesse ir com sua mãe ou seu pai para o trabalho, e lá ter um espaço preparado para ela ficar.
Acredita, caro leitor, que há empresas que sequer permitem a entrada de funcionários acompanhados de seus filhos? E falo de crianças que ficariam comportadas e de funcionários que trabalham em local que não oferece risco para crianças.
As empresas ainda não se deram conta de que, se agirem assim, assumem sua parcela de responsabilidade social com as novas gerações e com o futuro. Além de tudo, ao apoiar os funcionários que têm filhos, elas melhoram a qualidade de vida deles. E as empresas precisam de seus funcionários bem.
Já temos experiência suficiente para perceber que deixar os pais como únicos responsáveis pelas crianças não dá certo. Até quando a sociedade vai ignorar os mais novos e sua responsabilidade para com eles?
Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças.
Acesse no site de origem: A sociedade e as criancas, Rosely Sayao (Folha de S.Paulo, 01/07/2014)