(O Estado de S. Paulo, 06/07/2014) Estudo divulgado pela Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, no fim do mês passado, mostrou que menos da metade dos paulistanos usou camisinha em sua última relação sexual. A pesquisa domiciliar, realizada entre 2013 e 2014, entrevistou mais de 4.300 pessoas, de 15 a 64 anos.
Outro dado importante do levantamento mostra que, entre os que já tinham feito sexo, apenas 39% usaram camisinha em sua primeira relação sexual. Apesar da amostragem também ter incluído quem está em relações estáveis, além de pessoas mais velhas, que podem ter iniciado a vida sexual ainda antes da existência da aids no Brasil, os números chamam a atenção.
Depois de sucessivas campanhas de prevenção ao vírus HIV e do trabalho habitual desse tema nas escolas, o uso da camisinha na primeira relação sexual, no Brasil, tem girado em torno dos 70%, segundo uma série de pesquisas anteriores. Mas, nos últimos anos, especialistas apontam uma queda, tanto no uso inicial, como no uso consistente de preservativos, entre os mais jovens.
Análise de parte dos dados de um estudo divulgado no começo do ano pela Unifesp (II Lenad), com quase 1.800 jovens de 14 a 25 anos, mostrou que cerca de 30% dos garotos e 40% das garotas não usam camisinha nunca, ou quase nunca, em suas relações sexuais.
O fenômeno não é exclusivamente brasileiro. Segundo os últimos dados da pesquisa de comportamentos de risco dos jovens do Centro de Controle de Doenças (CDC), de Atlanta, nos Estados Unidos, a quantidade de jovens sexualmente ativos que usa camisinha caiu na última década.
Em 2013, 59% dos alunos de ensino médio que fizeram sexo nos três meses anteriores à pesquisa tinham usado camisinha em seu último encontro. Em 2003, esse número era de 63%. Na década anterior, entre 1993 e 2003, o uso de preservativo entre os jovens americanos havia crescido de forma importante.
Várias causas têm sido levantadas como responsáveis por esse fenômeno. Entre elas: menor percepção de risco do HIV entre os mais jovens, afastamento das fases mais críticas da doença, crença na proximidade de uma cura ou de uma vacina, maior uso de álcool e drogas, questões de autoestima, dificuldade de incorporação dos conceitos de “proteção” e “cuidado” ao universo emocional dos mais novos, programas insatisfatórios de prevenção nas escolas, falta de diálogo com pais e professores, entre outros.
Tecnologia
O mesmo estudo do CDC, tendo como recorte apenas 1.300 alunos, de 10 a 15 anos, de Los Angeles, mostrou que aqueles que mandam mais de cem mensagens de texto por dia têm mais possibilidade de já estarem fazendo sexo. Além disso, os que estão envolvidos em “sexting” (mandar ou receber mensagens e imagens com conteúdo erótico) teriam seis vezes mais chance de serem sexualmente ativos. Os dados foram publicados na edição deste mês da revista médica Pediatrics e divulgados pelo jornal britânico Daily Mail na semana passada.
Para os especialistas, como as crianças estão ganhando dos seus pais celulares multifuncionais cada vez mais cedo, seria importante discutir com elas a associação das mensagens com a questão da sexualidade precoce. E precocidade, já se sabe, aumenta os comportamentos de riscos no sexo, como usar menos camisinha.
Curiosamente, a pesquisa americana colide com outra, divulgada recentemente pelo Departamento Federal de Saúde da Austrália, que entrevistou 2.100 crianças de mais de 400 escolas daquele país. Segundo os dados, apesar do alto número de adolescentes que mandam e recebem textos e imagens eletrônicos com conteúdo sexual explícito, a vida sexual naquele país estaria começando mais tarde.
Os pesquisadores australianos enxergaram no “sexting” muito mais um fenômeno geracional, de ensaio de namoros e de espaço de encontros, do que de um fator de risco para o sexo precoce e generalizado. Bom exemplo de como nas pesquisas de comportamento, muitas vezes, os resultados são absolutamente contraditórios. Na dúvida, celular inteligente na mão das crianças só com muito papo sobre limites e riscos como, aliás, quase tudo na vida deles, certo?
Acesse o PDF: Sexo, camisinha e celular, por Jairo Bouer