A Marcha Mundial das Mulheres vem a público expressar seu repúdio e exigir o veto ao Projeto de Lei 175/2013, que prevê a criação de vagões exclusivos para uso feminino no estado de São Paulo. Entendemos que esse projeto significa um retrocesso na luta histórica travada pelas mulheres para ocupação do espaço público.
Ao instituir vagões que separaram homens e mulheres no transporte público, o projeto acaba por afirmar que, para que os homens parem de assediar as mulheres, é preciso mantê-las longe deles – restringindo o nosso espaço aos vagões rosa. Essa proposta acaba por afirmar, portanto, que a única maneira de se evitar a violência é a segregação, pois os homens seriam, naturalmente, agressores, não havendo o que fazer senão separá-los das mulheres.
Essa é uma lógica perigosa. Ao criar um espaço separado para as mulheres, evidencia-se a quem pertence o espaço público: aos homens. As mulheres que por ventura entrarem num vagão “normal” estariam sujeitas ao assédio, pois a medida acaba por insinuar que homens em vagões mistos teriam “direito” a cometer crimes, e que a proteção deve ficar a cargo da vítima, e não do Estado. Essa política acaba por reforçar a ideia que nós mulheres sempre ouvimos ao relatar uma situação de violência: que estávamos no lugar errado, na hora errada, e que a culpa não é do agressor, mas nossa.
A recente pesquisa do IPEA “Tolerância social à violência contra a mulher” revela o quanto ainda é parte do senso comum em nossa sociedade a ideia de que as mulheres são culpadas pela violência que sofrem devido ao tipo de roupa ou lugar que frequentam. Esse projeto reforça tal imaginário, ao propor que, segregando as mulheres, elas estarão livres da violência.
A violência contra a mulher é uma das principais expressões do machismo e da dominação masculina. Ela reforça o pensamento de que as mulheres são objetos pertencentes aos homens, e que é natural sofrer violência em algum momento da vida. Na base dessa violência estão as desigualdades mantidas entre homens e mulheres na sociedade.
Um dos elementos que marcam essa desigualdade é o fato de a nossa sociedade considerar o espaço público como prioritariamente masculino, e o privado como feminino. À medida que as mulheres ocupam cada vez mais o espaço público, parte dos homens as enxerga como disponíveis – já que estão ocupando um espaço que não lhes pertence.
A violência no transporte público é um grande transtorno diário para milhares de mulheres. Falsas soluções, como a criação dos vagões especiais para mulheres nos trens e metrôs e dos “ônibus rosa” não são capazes de garantir a segurança das mulheres. Com esses projetos, o espaço público é reforçado como território masculino.
Separar espaços não é solução. Mulheres e homens têm o direito de conviver nos espaços públicos. Os homens não abusam sexualmente e assediam as mulheres nos transportes porque possuem uma sexualidade incontrolável, mas porque estão acostumados a exercer a violência e o poder sobre as mulheres em todos os espaços.
Lembramos ainda que as mulheres representam 58% dos usuários do metrô. Portanto, parece lógico que, ao invés de isolá-las, é necessário que sejam tomadas medidas efetivas, de fato, para garantir às mulheres o direito de circularem no transporte público com segurança. Ao contrário disso, os vagões femininos apenas reiteram a lógica que ensina as mulheres a se protegerem, mas não ensinam os homens a nos respeitar.
Cabe ao Estado garantir proteção às vitimas, através de políticas de prevenção e punição. A aprovação de projetos eleitoreiros, votados na surdina, como é o caso do Projeto de Lei 175/2013, são entendidos por nós como oportunismo, como uma tentativa de mostrar serviço de forma falaciosa e ineficiente.
A medida ainda abre precedentes para casos de discriminação homofóbica e transfóbica no transporte público, atentando gravemente também contra o direito das pessoas de ir e vir.
Consideramos, afinal, que o PL 175/2013 não contribui para o combate à violência contra a mulher e para afirmação dos nossos direitos.
As nossas propostas já foram apresentadas ao poder público. Entre elas estão:
– a utilização de câmeras nos vagões de metrôs e trens e nos ônibus, para que as mulheres possam reconhecer seus assediadores;
– a realização de campanhas contra o assédio sexual no sistema televisivo de ônibus, metrôs e trens para fortalecer sua prevenção;
– a criação de campanhas que orientem as mulheres sobre seus direitos, sobre como se defender, além de campanhas que possam constranger os agressores;
– a criação de canais para facilitar a denúncia, como por meio de envio de mensagens de celular;
– a formação adequada aos funcionários para atendimento das vítimas;
– a iluminação em pontos de ônibus e pontos em lugares com circulação;
– o garantia do transporte de qualidade como direito de todas, combatendo a superlotação.
Separando as mulheres, seremos coniventes com o machismo e o exercício da violência.
Nós mulheres queremos estar em todos os lugares, ser respeitadas e viver sem violência.
Não à criação de vagões rosas!
Não à segregação espacial entre homens e mulheres!
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!
Marcha Mundial das Mulheres São Paulo
11 de Julho de 2014