(Folha de S. Paulo, 25/07/2014) A terrível humilhação por que passam familiares de presos ao visitarem seus parentes encarcerados consiste na obrigação de ficarem nus, de agacharem diante de espelhos e mostrarem seus órgãos genitais para agentes públicos. A maioria que sofre esses procedimentos é de mães, esposas e filhas de presos. Até mesmo idosos, crianças e bebês são submetidas ao vexame.
É princípio do direito penal que a pena não ultrapasse a pessoa do condenado. E a segurança dos presídios pode ser alcançada por outros meios. Esse abuso cometido em São Paulo e em outros Estados fere direitos fundamentais e viola no cerne um dos fundamentos de nossa República, a dignidade da pessoa humana. Não obstante, é um procedimento contraproducente e opera na contramão do que o Estado deveria buscar.
O que o poder público não enxerga é que impedir ou colocar obstáculos à visita dos presos –uma das consequências das revistas vexatórias– prejudica o contato do preso com seus entes queridos, contato este fundamental para uma política carcerária séria que busque a ressocialização do encarcerado, rompendo o tênue fio que ainda mantém seus laços com a comunidade.
Assegurar e estimular a convivência familiar deve ser uma das prioridades de qualquer governo voltado a uma política penitenciária humana, o que não ocorre quando se exige das mulheres e crianças o desnudamento, o agachamento em espelhos, toques nos órgãos genitais, entre outras barbaridades.
A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou nos últimos dias um projeto de lei que proíbe a prática da revista vexatória em todo e qualquer lugar de privação de liberdade do Estado. O projeto de lei nº 797/2013 determina que a revista de visitantes deva ser realizada apenas por meio de equipamentos eletrônicos, tais como scanner corporal, detectores de metais, aparelhos de raio X ou outras formas de controle que preservem a integridade física, psicológica e moral do visitante revistado.
O reconhecimento por parte do Legislativo dessa grave violação de direitos humanos constitui um grande avanço. Contudo, para que realmente se concretize, a proposta precisa ser sancionada pelo governador Geraldo Alckmin. Nesse exato momento, portanto, o governador tem a oportunidade de alterar a realidade de milhares de mulheres e crianças que passam por essa violência semanalmente.
Nada justifica a manutenção dessa odiosa prática. O argentino Juan Mendez, relator da ONU contra a tortura, não tem dificuldades para conceituar a revista vexatória contra familiares de presos: fazer alguém tirar a roupa, agachar diversas vezes e abrir o ânus e a vagina para que sejam inspecionados por um agente público constitui “trato cruel, desumano e degradante”.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, já condenou o Estado argentino por ter submetido uma mulher e sua filha de 13 anos à revista vexatória. No Brasil, Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária já emitiu resolução sobre o tema.
É importante ponderar que o argumento da “segurança das unidades” como justificativa para essas revistas não se sustenta, na medida em que elas detectam itens proibidos em apenas 0,03% dos casos.
Sobre o muitas vezes alegado “alto custo” da revista mecânica, é bom lembrar que diversos Estados (e países) já proibiram a prática e, longe da falência financeira, compreenderam que o Estado, havendo alternativas existentes em matéria de direitos humanos, está obrigado a utilizar meios menos intrusivos e vexatórios. Com a palavra (e caneta na mão), o nosso governador, para que dê esse eloquente testemunho de respeito aos direitos humanos.
Acesse o PDF: O fim das revistas vexatórias, por José Carlos Dias (Folha de S. Paulo, 25/07/2014)