(Correio Braziliense, 06/08/2014) Linda, gostosa, delícia, ô lá em casa. Aparentemente inofensivos, assobios e cantadas dirigidos às mulheres viraram tema de estudo para o Think Olga (thinkolga.com), coletivo feminista criado no ano passado pela socióloga Bárbara Castro e pela jornalista Juliana de Faria. Elevar o nível da discussão sobre feminilidade nos dias de hoje é o principal objetivo do grupo, idealizado durante um passeio despretencioso pelas ruas de Berlim, em 2012. “À noite, eu mudava de calçada antes de cruzar com um grupo de homens, andava sempre de cabeça baixa, olhando para o chão. Até que percebi: não havia necessidade disso. Independentemente da roupa que estivesse usando, eu teria que ser respeitada”, recorda Juliana.
Um ano depois, a jornalista já havia abandonado o cargo de repórter de uma famosa revista de moda e comprado o domínio Think Olga na internet, onde postou um desabafo sobre assédio sexual e o papel feminino na sociedade moderna. Aos poucos, passou a receber comentários com histórias semelhantes vividas por outras mulheres. Juliana continuou escrevendo e explorando temáticas diferentes, sempre estabelecendo conexões entre os fatos atuais e o feminismo. Hoje um coletivo, o Think Olga trabalha em frentes diversas.
Um de seus projetos mais conhecidos, o mapeamento Chega de fiu fiu tornou-se o ebook Meu corpo não é seu – Desvendando a Violência Contra a mulher. No último mês, o coletivo foi convidado para fazer a curadoria do festival YouPix, maior evento sobre internet e cultura digital do Brasil. “A Violência Contra a mulher ainda é uma questão muito ignorada. Houve avanços, como a criação das Delegacias da mulher, a Lei Maria da Penha e o ligue 180, mas precisamos de mais que isso. É uma questão de saúde pública, e não vemos a mobilização social necessária para combater o problema”, pontua.
Chega de fiu fiu
Indignadas com a forma que o assédio sexual em lugares públicos era tratado com menosprezo, o coletivo Think Olga realizou uma pesquisa (elaborada pela jornalista Karin Hueck) que ouviu quase 8 mil mulheres. Chegaram a um número impressionante: 99,6% sofreram assédio em algum momento da vida. A análise da pesquisa resultou no ebook Meu corpo não é seu – Desvendando a Violência Contra a mulher, lançado em junho. “As meninas ficavam mal com isso, mas não conversam abertamente sobre o assunto. A página foi uma válvula de escape e comprova como elas se sentiam incomodadas. Alguns órgãos governamentais, como a prefeitura de Curitiba, viram e apoiaram nossa iniciativa, dando maior ênfase e indo contra a violência de gênero”, relembra Juliana de Faria.
Por trás de tantos projetos, cinco mulheres agem em conjunto com um objetivo em comum: estimular mulheres a estabelecer conexões criativas com a realidade que as cercam. A advogada Gisele Truzzi esclarece dúvidas legais sobre casos de revenge porn (divulgação, feita por homens, de vídeos ou imagens íntimas de mulheres fazendo sexo), ameaças pelas redes sociais e bullying on-line em massa. Completam o time a jornalista Gabriela Loureiro e a publicitária Luíse Bello. A ilustradora Gabriela Shigihara também colabora com material contra a intimidação feminina.
Três perguntas / Juliana de Faria
CB: Você era repórter de moda, conheceu o lado cor de rosa do universo feminino e mudou radicalmente sua carreira para combater o fim da violência contra a mulher. Como ocorreu essa transformação?
JF: Foi interessante entrar neste universo. Conheci mulheres incríveis e tive a chance de fazer matérias legais. Existe o preconceito de mulheres ligadas à moda são meras reprodutoras de tendência, mas não é bem assim. Temos nomes fortes e que ganham muito mais que homens neste segmento. Mas, os assuntos que eu levantava, como repórter, tinham certo limite. Uma das revistas na qual trabalhei existe há mais de 50 anos e, até hoje, é pautada da mesma forma que cinco décadas atrás. Percebi que as matérias que eu escrevia não conversavam comigo, e atingiam um recorte pequeno de mulheres. Me sentia limitada e queria incluir outros assuntos que não ganham as páginas das revistas. Por isso, criei a Olga.
CB: Por que o nome Olga? O que ele representa para você?
JF: Escolhi um nome feminino para que pudesse personificar o projeto. E, também, houveram algumas coincidências. Uma delas ocorreu em 2012, em Berlim, onde morei por um ano. Na época, me deparei sozinha na Rua Olga Benário Prestes. Achei curioso uma avenida europeia homenageá-la, isso ficou na minha cabeça. Ter um nome “não institucional” coloca os debates e a conversa em tons mais amenos, como se fossem amigas conversando, de igual para igual.
CB: A violência contra a mulher nunca foi tão divulgada como hoje, mas infelizmente, os casos continuam acontecendo de forma alarmante. Por quê?
JF: No Brasil, não há prevenção em relação a violência contra a mulher. O que vemos é uma tentativa de apagar o fogo. É legal o trabalho do ligue 180, mostrando que assédio é crime. Além da Lei Maria da Penha, existem também albergues para proteger mulheres que estejam sofrendo violência. No entanto, temos que trabalhar este lado da prevenção e estimular as prisões de estupradores. Em sua maioria, eles são conhecidos da vítima, pais, amigos, ex-namorados. Temos que combater aquele estereótipo que o estuprador é um criminoso desconhecido, com uma arma na mão para persuadir a mulher. A maioria não é assim.
Acesse o PDF: Frente feminista com arte (Correio Braziliense, 06/08/2014)