(O Globo, 30/07/2014) As estatísticas foram personificadas. O III Encontro Internacional de Reitores Universia, evento que reuniu mais de 1100 dirigentes de universidades de 33 países no Rio Centro, evidenciou em uma rara oportunidade o contraste entre o número de executivos homens e mulheres no meio acadêmico. A conferência, que começou nesta segunda e terminou ontem, já é considerada a maior reunião de reitores da História.
De acordo com dados obtidos pelo GLOBO junto à organização do evento, cerca de 80% dos dirigentes de universidades que lotaram os pavilhões do Rio Centro são homens. De fato, em meio a diversos ternos escuros masculinos nos auditórios e nas plenárias, era difícil encontrar poucos pontos coloridos de vestes femininas que se sobressaíssem.
O fato foi levantado durante a primeira mesa de debates do encontro por José Narro, reitor da Universidade Nacional Autônoma Do México (Unam). No momento em que a palestra foi aberta para perguntas, ele propôs a questão:
– Nos países ibero-americanos, as mulheres são quase 60% dos universitários e, em média, conseguem até se sair melhores nos resultados. Mas essa participação vai diminuindo. Cerca de 50% delas ocupam vagas no doutorado, só 30% são professores e 14% são catedráticos de alta hierarquia. O que fazer para reverter esse cenário? – perguntou Narro.
Um dos palestrantes à mesa, o presidente da Universidade de Yale, Peter Salovey, pediu mais flexibilidade no modelo universitário.
– Esse é um modo de trabalho que não muda há séculos. Temos que encontrar formas para ter flexibilidade. É preciso permitir que as mulheres saiam e retornem dentro da educação superior – disse Salovey.
Ex-ministra da Colômbia, a atual reitora da Universidade Nacional da Colômbia, Catalina Arévalo Ferro, afirma que já presenciou casos de mulheres que chegam a posições de chefia em meio acadêmicos, mas que sofrem preconceito. Segundo ela, das 35 maiores universidades do país, apenas três têm dirigentes do sexo feminino. Catalina argumenta que não é preciso de políticas afirmativas de gênero. Em seu lugar, ela pede igualdade de oportunidades:
– Não posso dizer que sofri preconceito ao chegar à reitoria, pois eu já vinha do Ministério da Educação. Mas conheço outros casos nesse sentido. O que nós queremos é igualdade de condições. Se isso houver, estou certa de que a desproporção vai mudar. Mas hoje, o que acontece infelizmente é que se você é mulher, você tem demonstrar suas capacidades duas vezes.
E se a desproporção é um fenômeno mundial, no Brasil não poderia ser diferente. De acordo com dados do Censo da Educação Superior de 2012, o mais atual disponível no momento, dos 7,1 milhões de alunos matriculados no ensino superior, quase 60% são mulheres. No entanto, essa situação se reverte quando se observa o número de professores de instituições superiores: dos 378.939 docentes, 45% são do sexo feminino.
Não há dados disponíveis sobre o número de dirigentes de instituições de ensino no Brasil divididos por gênero. No estado do Rio, contudo, a desproporção quase anula a participação das mulheres. Das cinco maiores universidades públicas do estado (UFRJ, UFF, UFRRJ, Unrio e UERJ), apenas a reitora Ana Maria Dantas Soares, da federal rural, representa o público feminino.
De acordo com o reitor da UFRJ, Carlos Levy, que participou do encerramento do evento, a desproporção é histórica no Brasil. Mas ele ressalta que as barreiras contra o público feminino estão cedendo:
– Na UFRJ, três dos seis pró-reitores ligados a mim são mulheres. E o interessante é que em nenhum momento houve preferência por homem ou mulher para ocupar esses cargos. Todos foram por mérito. Acredito que as acadêmicas vão ocupar cada vez mais os postos de comando – disse Levy.
A reitora da Universidade Interamericana de Porto Rico, Vilma Colon, concorda com o colega brasileiro. Segundo ela, há uma proporção de cinco funcionários para uma mulher dentro de sua reitoria. Mesmo rodeada de homens, ela é otimista quanto ao futuro:
– Não tenho medo de dizer que sou atrevida. Somos mais proativas e dinâmicas quando estamos em posição de comando, enquanto os homens são mais tradicionais. E acho que a nova geração que está vindo aí terá muito mais mulheres com esse perfil. Elas são formadas em novas universidades, com ideologia progressista e com estímulo ao empreendedorismo.
700 milhões de euros nas universidades
Em seu discurso de encerramento do III Encontro de Reitores Universia, o presidente mundial do Santander, Emilio Botín, anunciou que sua instituição bancária vai investir € 700 milhões (cerca de 2 bilhões de reais) de 2015 até 2020 em universidades de países ibéricos e da América Latina. O banco financia os encontros do Universia, organização que agrega quase 1.300 universidades em mais de 20 países.
Do montante anunciado, 10% serão destinados para o Brasil. Para todo mundo, a divisão do valor será feita através de três áreas: 40% será destinado para estudo e mobilidade, como intercâmbio; 30% para pesquisa e os outros 30% para atividades acadêmicas.
No final do encontro, um documento foi estabelecido com princípios para serem seguidos visando inserir o mundo acadêmico em novas tecnologias e práticas empreendedoras e sustentáveis.
A próxima edição da reunião será em 2018, na cidade de Salamanca, na Espanha. A atual contou com a presença de 1.103 reitores de 33 países diferentes.
Leonardo Vieira
Acesse no site de origem: Evento mundial de reitores expõe desigualdade de gênero no comando de universidades (O Globo, 30/07/2014)