(Folha de S. Paulo, 10/09/2014) Mesmo tendo sido encerrada quatro dias após o prazo, a consulta popular para elaborar a minuta de reformulação do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual (CMDAS), que pretende torná-lo deliberativo, recebeu a contribuição de apenas 14 pessoas. O órgão, formado atualmente por 19 conselheiros, é responsável por discutir as políticas públicas voltadas para a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT) em São Paulo.
Caso o novo decreto seja aprovado pelo prefeito Fernando Haddad (PT), o CMDAS poderá também apresentar propostas de lei ao Executivo, elaborar um relatório anual sobre as políticas públicas LGBT e aprovar o orçamento da Coordenação de Políticas LGBT – previsto em R$ 3,87 milhões em 2014.
A consulta popular ficou, ao todo, 37 dias no ar. Ela deveria ter sido encerrada na última sexta-feira, 5, mas a página só foi retirada quatro dias depois. Se o prazo inicialmente estipulado tivesse sido cumprido, o número de participantes teria caído para 13.
“Considerando a estimativa de que 10% da população seja LGBT, é muito pouco”, afirma o presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT, Fernando Quaresma.
A contradição é ainda mais clara em números. Entre 3 e 4 milhões de pessoas participaram da última Parada Gay em São Paulo, realizada em 4 de maio deste ano, segundo cálculo dos próprios organizadores. Já as reuniões abertas do CMDAS costumam contar, em média, com cerca de 15 integrantes – menos até que o número de membros titulares.
“A agenda LGBT propriamente dita tem adesão muito maior do que a agenda institucional”, admite Alessandro Melchior, coordenador de Políticas para LGBT de São Paulo.
No documento, havia 55 campos interativos em que os interessados puderam propor alterações ou simplesmente opinarem. Para isso, o único procedimento necessário era realizar um cadastro no próprio site do CMDAS – processo com duração média de menos de dois minutos.
Logo no segundo artigo, o texto trata do combate à discriminação e da violência contra a população LGBT – um dos assuntos centrais no Brasil. Em 2012, foram registradas 409 denúncias de violações à população LGBT no Estado de São Paulo, segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Houve aumento de 107% na comparação com o ano anterior.
O tópico do texto, no entanto, recebeu apenas um comentário. “Apanhei em janeiro em decorrência de homofobia e não me senti nem sequer motivado a passar mais uma humilhação na delegacia”, escreveu o usuário @cmakemesay.
Outras 61 contribuições foram feitas ao longo de artigos, parágrafos e alíneas: uma média de 4,5 comentários por usuário. “Não é um número pequeno, quando comparado a consultas de órgãos estaduais e federais”, afirma Melchior, que diz não se surpreender com o número de participantes. “Esse tipo de consulta é uma realidade muito nova no Brasil. Nos Estados Unidos, o Change.org (um dos maiores sites de abaixo-assinado do mundo) tem 24 milhões de participantes, aqui são 2 milhões”, argumenta. “Ainda mais em texto jurídico, que nem todas as pessoas se sentem capazes de participar.”
“É uma oportunidade que foi aberta e não está sendo abraçada”, afirma Quaresma. “Mas não é uma questão exclusiva LGBT. Todos os movimentos, no momento de participar, não participam”, ressalta. A iniciativa foi divulgada durante reuniões abertas do Conselho Municipal e em redes sociais do CMADS e da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.
Essa foi a primeira vez que a secretaria realizou um procedimento desse tipo. O objetivo é contribuir para a ampliação da democracia e a promoção da cidadania LGBT, afirmou a Pasta na época do lançamento.
Reforma. A proposta da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania é realizar uma reformulação profunda no CMDAS, que mudaria até de nome para Conselho Municipal de Políticas LGBT.
Através da reforma, a Coordenação de Política para LGBT pretende descentralizar a atuação do Conselho Municipal, que foi criado em 2005, “quando as políticas públicas ainda eram embrionárias”, segundo Melchior.
Para tal, o número de conselheiros titulares saltaria de 19 para 30. As cadeiras passariam a ser igualmente partilhadas entre membros do poder público, indicados pelas secretarias, e da sociedade civil, eleitos por voto direito por pessoas autodeclaradas LGBT.
Também está prevista a criação de quatro categorias para a sociedade civil: pessoa física, coletivos LGBT sem personalidade jurídica, organização sem fins lucrativos e conselho de classe. Essa última possibilita que participem do Conselho instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e os conselhos regionais de Serviço Social, Psicologia e Medicina. “Contanto que decidam concorrer ao pleito e sejam eleitas. Ninguém vai ser convidado”, explica Melchior.
Desde a sua criação, o Conselho Municipal passou por diversas alterações superficiais para redistribuir as cadeiras entre lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. No formato atual, uma pessoa autodeclarada travesti, por exemplo, tem apenas direto a voto direto na categoria travesti. Uma lésbica, na categoria lésbica. E assim por diante. Com a reforma, ela passaria a votar nas quatro novas categorias, e não apenas em uma.
A consulta online finaliza o período de discussão da minuta. Todo processo teve início em julho, com reuniões internas entre os conselheiros, responsáveis por elaborar a minuta e levá-la para debate em duas audiências públicas em agosto. Na primeira audiência, cerca de 30 pessoas compareceram. Na segunda, 50.
“Vamos sistematizar as contribuições e encaminhar a proposta para elaboração do novo decreto”, esclarece Melchior sobre os passos seguintes. O planejamento da Coordenação é que o prefeito Fernando Haddad receba o documento finalizado ainda neste mês para poder aprová-lo. “Nossa perspectiva é iniciar 2015 com o novo Conselho em funcionamento.”
Felipe Resk
Acesse o PDF: Só 14 participam de reformulação de órgão de políticas para LGBT (Folha de S. Paulo, 10/09/2014)