(Adital, 09/10/2014) A salvadorenha María Teresa Rivera cumpre 40 anos de prisão depois de sofrer um aborto espontâneo. Mãe de um menino de cinco anos, não sabia que tinha voltado a ficar grávida até que a levaram numa ambulância da fábrica de confecções onde trabalhava e a ingressaram em um hospital. Sua sogra a encontrou sangrando caída no chão da fábrica. Um membro do pessoal do hospital informou a polícia sobre o caso. Esta chegou e começou a interrogar María Teresa sem a presença de um advogado.
Em julho de 2012, a julgaram e a declararam culpada por homicídio agravado, apesar de existirem graves deficiências nas provas apresentadas contra ela. Seu filho terá 45 anos quando ela sair da prisão. María Teresa Rivera é uma das tantas mulheres encarceradas por motivos relacionados à gravidez, incluídos abortos induzidos e espontâneos em El Salvador. Algumas já passaram mais de 10 anos na prisão. Ela, como a maioria das mulheres do informe da Anistia Internacional, “À beira da morte: Violencia contra las mujeres y prohibición del aborto en El Salvador”, lançado recentemente, procedem dos setores mais pobres da sociedade
A repressiva e defasada proibição total do aborto por parte do governo está destroçando as vidas de mulheres e meninas em El Salvador, empurrando-as para abortos inseguros e clandestinos ou obrigando-as a interromper perigosas gravidezes, declara a Anistia. As que colocam fim às suas gravidezes se arriscam a passar anos na prisão.
O recente informe descreve como a restritiva lei do país tem como consequência a morte de centenas de mulheres e meninas que se submetem a abortos clandestinos. A criminalização dessa prática também tem provocado que as que são suspeitas de que se submeteram a um aborto enfrentem longas penas de cárcere.
“A terrível repressão que sofrem as mulheres e as meninas em El Salvador é realmente espantosa e equiparável à tortura. É negado a elas seu direito fundamental de decidir sobre seu próprio corpo, e são castigadas duramente si se atrevem a fazê-lo”, afirma Salil Shetty, secretário geral da Anistia Internacional.
“O mais terrível é que a proibição se estende inclusive para casos em que a vida da mulher grávida corre perigo, o que significa que as mulheres cujo estado de saúde as impede de concluir uma gravidez em condições de segurança enfrentam um dilema de impossível solução: se abortam podem ir para a cadeia, e, se não fazem, estão condenadas a morrerem”.
Devido às restritivas leis do país, as mulheres e meninas declaradas culpadas de abortar podem passar entre dois e oito anos na prisão.
O informe documenta como, em alguns casos, as mulheres que têm abortos espontâneos são processadas e encarceradas durante décadas. Segundo as leis sobre homicídio, podem ser condenadas a até 50 anos de prisão.
A proibição do aborto inclusive se estende a meninas que são violadas. A lei obriga todas as mulheres a concluírem a gravidez, ainda que isso possa ter efeitos devastadores sobre elas, tanto física como psiquicamente.
Um médico que tratou de uma menina de 10 anos, que tinha sido violada, contou à Anistia Internacional: “Foi um caso bem difícil […] porque ela não entendia o que estava se passando […] Pediu-nos lápis de cores, de cera. E aí partiu o coração de todos […] [dissemos: Se é uma menina! É uma menina’. E ela, ao final, não entendia o que estava esperando”. Obrigaram essa menina a continuar com sua gravidez.
A repressiva legislação contra o aborto em El Salvador é reveladora de uma discriminação muito mais ampla contra as mulheres e as meninas no país. Os estereótipos de gênero chegam inclusive às decisões judiciais, e os juízes, em várias ocasiões, questionam a credibilidade das mulheres. As atitudes discriminatórias contra as mulheres e meninas significam também que o acesso à educação sexual e aos métodos anticonceptivos é quase impossível.
“A inércia do governo salvadorenho na hora de abordar a discriminação contra as mulheres limita, gravemente, as vidas das mulheres e das meninas. Ao se negar a resolver, adequadamente, as fortes barreiras existentes para aceder a métodos anticonceptivos e a uma verdadeira educação sexual, condenam gerações de mulheres jovens a um futuro determinado pela desigualdade, a discriminação, a limitação de suas opções e pela restrição de suas liberdades”, declara Salil Shetty.
“O mundo não pode permanecer passivo observando como as mulheres e meninas de El Salvador sofrem e morrem. O governo deve proporcionar às mulheres e meninas acesso a serviços de aborto seguros e legais quando a gravidez representar um risco para sua vida ou sua saúde, quando seja resultado de uma violação ou em casos grave malformação do feto.”
El Salvador é um dos sete países da América Latina onde o aborto está totalmente proibido por lei, juntamente com o Chile, Haiti, Honduras, Nicarágua, República Dominicana e Suriname. Alguns destes países, como é o caso do Chile, já estão tomando medidas para modificar suas leis.
O caso de Beatriz, uma jovem de 22 anos procedente de uma zona rural de El Salvador, teve grande difusão no ano passado. Beatriz padecia de lúpus e outros problemas graves de saúde. Ficou grávida, mas ficou patente que o feto era anencefálico (carecia de uma grande parte do cérebro e do crânio), uma malformação mortal que não lhe permitiria sobreviver mais do que algumas horas ou dias após o nascimento. Foi negada a ela a possibilidade de abortar apesar de que o caso tenha chegado até a Corte Suprema. Em 03 de junho de 2013, após a intervenção da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a difusão do caso pela imprensa internacional, o Governo de El Salvador autorizou, finalmente, que Beatriz fizesse uma cesárea precoce. O recém-nascido morreu horas depois.
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