(Folha de S. Paulo, 16/10/2014) A Igreja Católica utiliza metáforas sólidas para designar a si mesma. Entre os termos favoritos estão “pedra”, “alicerce”, “edifício”, “fundamento”. A ideia de durabilidade é central para qualquer instituição que se pretenda a intermediária entre o mundo terreno, perecível, e a eternidade.
Mas, apesar de flertarem com o infinito, igrejas são entidades históricas, que se formam em condições precisas e têm de responder aos diferentes problemas que afetam os fiéis de cada época.
Resolver a contradição não é fácil, sobretudo quando se proclama a imutabilidade da moral ditada por Deus. Não obstante, igrejas, inclusive a católica, mudam. Tentam, da melhor forma que podem, conciliar o discurso da eternidade com os ajustes necessários. Algumas arestas, porém, são inevitáveis.
Eis o dilema com o qual se depara a Igreja Católica quando procura, a pedido do papa Francisco, criar um ambiente menos hostil a fiéis que vivem vidas modernas, isto é, que utilizam métodos contraceptivos, se divorciam, mantêm uniões homossexuais etc.
O documento preliminar que emergiu da Assembleia-Geral Extraordinária do Sínodo expõe tal busca pela quadratura do círculo.
Não haverá alterações na doutrina, o que significa que pílula, divórcio e relações extraconjugais e homossexuais continuarão sendo condenadas pela igreja.
A espécie de ata de encontro, todavia –a qual ainda passará por revisões–, sustenta que gays têm “dons e qualidades” a valorizar, que uniões fora do matrimônio religioso podem ter elementos de santidade e que é preciso acolher, e não condenar, fiéis divorciados.
Embora tudo fique como está, houve alterações. Elas são sutis e levarão tempo para se consolidar –se é que vão se consolidar. Grupos mais retrógrados dentro da igreja já ensaiam resistência.
De todo modo, após dois pontificados conservadores, abalada por crises diversas e premida pela concorrência de um mercado religioso cada vez mais globalizado, a Igreja Católica começa a mover-se.
O papa Francisco percebeu que a insistência de seus antecessores numa igreja muito fiel à doutrina poderia levar a um esvaziamento ainda maior da instituição. Resta saber se seus inegáveis talentos como comunicador serão suficientes para promover a mudança sem ruptura que o documento esboça.
Parece a melhor saída se a Igreja Católica quer permanecer pela eternidade, ou de forma mais apropriada, “in saecula saeculorum”.
Acesse no site de origem: A igreja e seu tempo, Editorial do Jornal Folha de S. Paulo (Folha de S. Paulo, 16/10/2014)