(Gazeta do Povo, 19/10/2014) As diretrizes curriculares nacionais para a educação básica estão abraçando novos assuntos: as questões de gênero e a violência contra a mulher, os direitos das comunidades de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), a presença de pessoas com deficiência nas escolas e até o Código Florestal Brasileiro. Elas vêm sendo discutidas pelo Conselho Nacional de Educação desde 2010. O reflexo dessa inclusão deve aparecer nas salas de aula nos próximos anos, o que significa dar mais atenção a fenômenos e recortes populacionais historicamente negligenciados nas decisões sobre a educação no país.
A doutora em Educação Zita Ana Lago Rodrigues, que é mestre e especialista em Ética e Filosofia Política, participou das discussões que precederam a definição das novas diretrizes e explica que elas contemplam os direitos sociais e educacionais da criança e do jovem que buscam a escola, em especial aqueles que frequentam a escola pública brasileira.
O que tem mudado na escola nos últimos anos?
A escola tem mudado? Essa é a grande questão. Certamente tem mudado o perfil dos alunos, o que requer que se modifiquem estruturas de uma escola que ainda atua com o perfil do século 19, com muitos professores do século 20, enfrentando demandas de alunos do século 21. É urgente que se empenhem esforços para sair dessas dicotomias e dialogar com as inovações, as mudanças e as transformações que ocorrem nas ciências e no conhecimento. Considero urgente trazer esses diálogos para dentro da escola de tal sorte que, nas práticas pedagógicas cotidianas, seja possível modificar estratégias e táticas e enfrentar as demandas da sociedade e dos alunos do contemporâneo.
A mudança de conteúdo faz parte desse melhor atendimento aos alunos?
Sabe-se que aprender não consiste apenas em memorizar dados e informações. Para que a aprendizagem ocorra é preciso que se estabeleçam relações significativas entre o que se ensina e o que se aprende. Portanto, não se trata apenas de definir conteúdos, mas sim de quais metodologias e tecnologias são inseridas nas práticas pedagógicas. As diretrizes reforçam a importância da oferta de uma educação de qualidade como direito das crianças e dos jovens brasileiros, para que possam ter condições de acesso aos direitos sociais, econômicos, civis, políticos e culturais, como condição para o exercício pleno da cidadania.
O que se propõe com a edição das diretrizes?
Elas surgem da constatação da necessidade de contemplar as novas demandas e as modificações pelas quais tem passado a sociedade contemporânea e pelas alterações apresentadas pelas políticas públicas educacionais que, a partir dos anos 1990, tem trazido à tona novos atores sociais como sujeitos de direitos e novos temas para os quais são necessários atendimentos adequados, qualitativos e situados em conformidade com as atuais exigências sociais e educacionais.
Quais são os novos princípios e procedimentos apresentados?
Devem ser contempladas no currículo escolar da educação básica as questões de gênero, as questões ambientais, as questões das minorias étnicas, indígenas, dos trabalhadores do campo, dos povos ribeirinhos, dos quilombolas e das pessoas de cultura africana e/ou afro-brasileira, dos jovens e adultos não escolarizados na idade adequada, das pessoas com deficiências, das crianças pequenas, dos jovens e adultos em situação de privação de liberdade em estabelecimentos penais e daqueles em situação de itinerância, envolvendo premissas de uma educação em direitos humanos que permita que todos possam ter contempladas suas expectativas e suas realidades vivenciais. Revelam preocupações com o ensino médio e com a educação profissional técnica de nível médio, embora se tenha muito a avançar com relação a esse nível de ensino, ainda em profundas discussões sobre sua pertinência e adequabilidade aos atuais contextos vivenciais dos adolescentes e dos jovens que a ele acessam.
Os novos temas são bem recebidos pela escola e pelas famílias ou têm gerado mais polêmica e resistência sobre suas abordagens.
É no espaço da polêmica, dos encontros e desencontros, nos entrelaçamentos e nas rupturas das constantes organizações sociais e culturais que se situa a instituição escolar. E mais: a grande educadora dos tempos de transição que vivemos é a contradição. Portanto, os movimentos complexos e multifacetários da sociedade formam em si mesmos as possíveis polêmicas e contradições quando se apresentam temas antes não tratados na escola.
Adriana Czelusniak
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