(ZH, 20/10/2014) Autor do best-seller Criando Meninos (1997), traduzido para 32 idiomas e com 4 milhões de exemplares vendidos, Steve Biddulph acaba de lançar, no Brasil, Criando Meninas. O psicólogo radicado na Austrália repassa as diferentes etapas da infância e da adolescência e chama a atenção dos pais para aspectos fundamentais do desenvolvimento do sexo feminino.
– O principal objetivo dos meus livros é acabar com o sexismo. Temos de libertar as crianças desses limites ultrapassados – comenta o escritor.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por e-mail.
Quais são as principais diferenças na criação de meninas e meninos? Como essas distinções podem impactar na vida adulta?
Não são grandes, mas ainda importam muito. Para criar uma sociedade igualitária, temos de trabalhar para reduzir os efeitos dessas diferenças. Por exemplo, meninas são muito receptivas ao contato, percebem os sentimentos das pessoas – então, temos de nos certificar de que elas não se acostumem a sempre agradar aos outros, ou que não se tornem muito sensíveis e preocupadas com a opinião alheia. Temos de fortalecê-las.
Meninos desenvolvem mais devagar as habilidades manuais e com as palavras. Temos de ser mais pacientes para ajudá-los, e não empurrá-los para a escola e querer que se tornem tão jeitosos quanto as meninas.
Os principais fatores de risco para meninos são violência, morte prematura por acidente de trânsito e crimes. Eles correm um risco três vezes maior de morrer, e nove vezes maior de ir para a cadeia. Os maiores fatores de perigo para meninas são ansiedade e depressão, transtornos alimentares e exploração e agressão sexual. Especialmente no Brasil, acredito que ainda precisamos de muito feminismo para que as mulheres acreditem nelas mesmas e para que os homens as respeitem. Temos um longo caminho pela frente no mundo todo.
Os pais tendem a proteger mais as filhas do que os filhos. Essa é uma atitude boa ou ruim, considerando os adultos que eles se tornarão no futuro?
Temos de educar as meninas para serem fortes e ensiná-las a se proteger. Um adulto se protege, sabe que existem pessoas más e perigosas. Mas não queremos assustar as crianças quando são tão novinhas. É importante respeitar a faixa etária e protegê-las quando são pequenas, protegê-las menos quando vão crescendo, e dar às meninas as ferramentas para que aprendam a circular entre meninos e homens, no sentido prático também.
Que diferenças devem ser mantidas na criação dos dois sexos?
Eu não diria que devemos preservar ou estimular diferenças, mas, sim, acrescentar o que estiver faltando. Queremos as mesmas coisas para todas as crianças: que sejam íntegras, tenham um bom coração. A natureza provê as diferenças, mas temos de equilibrá-las. O mundo moderno exige que homens e mulheres tenham as mesmas habilidades, o máximo possível.
Muitos pais reproduzem comportamentos há décadas: meninas usam vestidos cor-de-rosa, meninos brincam com carrinhos, meninas ajudam a mãe com as tarefas da cozinha, meninos auxiliam o pai a consertar algo no quintal no final de semana. As pessoas deveriam refletir mais sobre isso?
O principal objetivo dos meus livros é acabar com o sexismo. Isso limita as crianças. E se um menino é mais amável e gentil e quiser ter uma boneca? É algo bom, ele se tornará um pai melhor. E toda menina deveria ser estimulada a se sujar, a brincar no barro, a subir em árvores, para que seja menos medrosa e ame a natureza. Ela pode se tornar uma grande cientista, artista, atleta. Temos de libertar as crianças desses limites ultrapassados.
Sua carreira esteve focada no universo masculino por mais de 20 anos. Você diz que os meninos precisavam desesperadamente de ajuda, enquanto as meninas estavam indo muito bem. Por quê?
Os meninos corriam perigo – além do risco maior de morte, também o risco de fracassar na escola e profissionalmente. O cenário de crimes e abuso de drogas era dominado pelos homens. Havia uma crise masculina que estávamos simplesmente aceitando. Há oito anos, a saúde mental das meninas começou a se deteriorar de maneira severa. Era uma combinação de pressão corporativa, roupas de marcas famosas e dietas para meninas cada vez mais jovens, ausência das mães e de outras figuras femininas. Elas estavam desamparadas, tinham apenas a orientação do grupo da mesma idade, que é naturalmente competitivo e cruel. Uma em cada cinco meninas hoje tem um problema psicológico, e uma em cada 12 sofre de um distúrbio alimentar. É muito sério.
Momentos da infância
Em Criando Meninas, o autor menciona cinco etapas da infância e dá alguns conselhos sobre como devem ser atravessadas:
— De zero a dois anos, as meninas se sentem amadas e seguras – esse deve ser o foco principal nessa fase. Toda menina deve sentir que é especial e amada e que os pais são encantados por ela.
— Entre dois e cinco anos, ela está apta a explorar o mundo. Só porque é uma menina, não a desencoraje de fazer bagunça, escalar, correr. Vista-a de forma confortável, evite roupas delicadas e enfeitadas demais, que restrinjam os movimentos.
— Dos cinco aos 10 anos, período escolar, ela está aprendendo a fazer amigos. É importante que seja capaz de se dar bem com os colegas, o que não significa ir sempre atrás do que os outros fazem.
— Dos 10 aos 14 anos, é a época em que busca sua individualidade. Toda menina se identifica intensamente com algo, ama fazer ou ser alguma coisa. É preciso ajudá-la a descobrir o que é isso: música, animais, justiça social, dança, esporte, criatividade. Ter contato com diferentes tipos de mulher a ajuda a definir como ela quer ser.
— Entre os 14 e os 18, ela vai experimentar tudo sobre a vida, e os pais devem orientá-la baseados nas próprias experiências.
— O maior desafio pode ser a fase de zero a dois anos, já que os pais precisam ir com calma, ser mais pacientes, talvez trabalhando menos. A sensação de bem-estar da criança é formada para a vida toda nos primeiros anos. Se você estiver muito estressado, é provável que seu filho também esteja. Desacelere.
— O período de 10 a 14 anos também é perigoso. Muitas vezes, as meninas desperdiçam e interrompem a infância. Hoje, aos 14, elas acreditam que devem se tornar adultas logo, se portar de forma sexy, agradar aos meninos, enfrentar as pressões para parecerem perfeitas, enquanto deveriam se dedicar a ser apenas elas mesmas.
— Não seja obcecado por moda, peso, roupas e cabelos, ou sua filha vai ficar muito ansiosa em relação a isso também. Existe o grande risco de ela se valorizar apenas pela aparência. Há qualidades mais importantes, como lealdade, persistência, gentileza e coragem.
Criando Meninas
Steve Biddulph
236 páginas
Editora Fundamento
R$ 39,40
Criando Meninos
Steve Biddulph
168 páginas
Editora Fundamento
R$ 39,40
Larissa Rosso
Acesse no site de origem: “O sexismo limita as crianças”, diz psicólogo e autor de livros sobre gênero (ZH, 20/10/2014)