(SPM-PR, 29/10/2014) Manifesto a minha discordância em relação ao relatório Índice Global da Diferença de Gênero, do Fórum Econômico Mundial, e exponho a seguir os dados concretos que a demonstram. Segundo o relatório, teria ocorrido no Brasil uma queda na igualdade entre homens e mulheres, com exceção nas áreas de educação e saúde.
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Desde o lançamento desse relatório, em 2006, nosso país recebe pontuação máxima nessas duas áreas (além delas, ele abrange ainda economia e política).
Seguem os dados que não podem ficar de fora dessa discussão, sob pena de negarmos a própria realidade.
Participação política: Não há como ignorar que desde 2011 – ou seja, num intervalo de menos de quatro anos– nada menos que 11 mulheres assumiram o cargo máximo na estrutura governamental, logo abaixo da presidenta, na função de ministras. Basta confrontar com os 121 anos de República – um período quase 40 vezes superior àquele intervalo – para se chegar ao fato inquestionável: ele supera o total de apenas 19 mulheres até então alçadas a esse posto, nesses 121 anos, nomeadas por 31 presidentes.
Com relação ao cargo da Presidência da República, salta aos olhos a magnitude desse avanço: tivemos não só a primeira mulher eleita presidenta, como, exatamente agora, a primeira mulher presidenta reeleita. Isso é inquestionável pela força simbólica, que rompe com a cultura patriarcal.
Ainda não chegamos ao patamar necessário. Somente em 2012 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) implementou a legislação eleitoral que impõe que as listas de candidaturas dos partidos tenham a proporção, pelo menos, de 70% /30% entre os sexos. Os partidos que não cumpriram tal índice tiveram suas listas devolvidas.
Com isso, pela primeira vez na história, o número de candidatas ultrapassou os 30%, chegando aos 31%.
Isso, sem citar um dado que permanece desprezado nas estatísticas: o aumento delas nas formas de participação e representação dos movimentos sociais, nos quais as mulheres têm papel de destaque.
É evidente que a baixa presença das mulheres no Congresso Nacional leva a que o Brasil tenha pontuação menor no quesito empoderamento político. Ali, a presença feminina não ultrapassa os 15% em nenhuma das legislaturas. Isso, apesar das iniciativas tomadas nos últimos anos. A aprovação em 2009 da reforma na lei eleitoral, que impôs a proporção de 70%/30% entre os sexos, não apagou o contexto patriarcal.
Esse contexto reflete-se nos partidos, os quais não repartem igualmente entre candidatas e candidatos, os recursos financeiros e de tempo de TV, por exemplo.
A situação materializa-se no tipo de financiamento de campanha, na votação em listas abertas, sem esquecer que a cultura e os valores que apequenam as mulheres na nossa sociedade se transmitem fortemente à vida e à estrutura dos partidos.
Por isso, mais do que nunca, é urgente o Brasil realizar uma reforma política, que contemple inclusive a paridade de gênero nas listas de candidaturas – como propôs recentemente a própria presidenta Dilma Rousseff.
Mundo do trabalho – É necessário que a sociedade e os organismos reconheçam a discriminação presente no mundo do trabalho e que não reflete os esforços das mulheres e o avanço das políticas públicas. Discriminação que opera diuturnamente na direção de manter os ganhos das mulheres menores do que os dos homens quando na mesma função.
Igualmente inegável, à luz de qualquer métrica, é que as políticas públicas de fortalecimento do salário mínimo nos últimos 12 anos – reconhecidas até pelos críticos – também favoreceram as brasileiras, uma vez que são elas que compõem o maior contingente nesse segmento de renda.
Vamos aos dados oficiais.
A Relação Anual de Informações Sociais – RAIS 2013, que consolida os dados sobre emprego formal no Brasil, demonstra sem margem para equívocos que, do crescimento de 3,14% nos empregos formais em relação a 2012, o nível das mulheres cresceu mais do que o dos homens em 2013: 3,91% para elas, frente a 2,57% para os homens. E mais: o rendimento médio delas igualmente apresentou elevação superior: 3,34%, diante dos 3,18% deles.
As políticas de incentivo à formalização do trabalho e emprego têm sido claramente favoráveis às mulheres, que, historicamente, são maioria na informalidade. Por isso, também, é importante destacar o investimento em políticas que favorecem a formalização dos micro e pequenos empreendedores. Aqui as mulheres são maioria entre os novos empreendedores, nos últimos três anos.
Uma tecla que precisa ser batida sem descanso: a barreira não está no acesso ao mercado de trabalho, está na mobilidade vertical. As promoções, para elas, mantêm-se com o freio de mão absurdamente puxado.
Assim, o expressivo crescimento da escolaridade feminina não impacta significativamente na diferença de rendimento entre mulheres e homens. Não é gritante que a desigualdade de rendimentos seja comparativamente maior entre aquelas com maior escolaridade? Na população mais escolarizada, com mais de 15 anos de estudo, e que recebe mais de 20 salários mínimos, estão 6,6% dos homens – e tão somente 1,8% das mulheres. Trata-se de um dado que reflete a discriminação persistente no mundo do trabalho e a dificuldade de as mulheres ascenderem aos cargos de chefia.
E observe-se que a busca das mulheres por um melhor desenvolvimento profissional não se dá apenas por meio da escolarização tradicional. Elas também têm se destacado na busca por capacitação profissional. Sua presença é cada vez maior no Pronatec – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, em seus vários cursos. Nos de curta duração, como o Pronatec Brasil Sem Miséria, as mulheres representam 68% das matrículas.
Saúde e educação – A pontuação do Brasil nessas duas áreas reconhece os esforços que o país tem feito para que as desigualdades sejam rompidas. Isso nos obriga e impulsiona a qualificar e melhorar cada vez mais o acesso e os serviços oferecidos nesses dois campos.
Sabemos dos imensos desafios que temos para avançar cada vez mais na direção da ruptura das desigualdades entre mulheres e homens, em todas as áreas. Mas é uma verdade que diferentes políticas sociais têm sido implementadas no governo Dilma para eliminar essa absurda diferença de oportunidades entre os sexos, oriunda da sociedade patriarcal.
Eleonora Menicucci
Ministra de Estado chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres – Presidência da República
Acesse no site de origem: Em nota, a ministra Eleonora Menicucci contesta Índice Global da Diferença de Gênero do Fórum Econômico Mundial (SPM-PR, 29/10/2014)