(O Globo, 03/12/2014) Aconteceu na semana seguinte ao primeiro turno das eleições 2014. Cinco adolescentes (Denis, Paulinho, Roni, Tiago e Rafael), de 14 a 18 anos, foram mortos, e um menino de 12 (Daniel), baleado numa chacina em Duque de Caxias (RJ). Na véspera do 25 de outubro, quando Dilma Rousseff derrotou Aécio Neves nas urnas, Davi Fiúza desapareceu, após operação policial no bairro de São Cristóvão, na capital baiana. Continua sumido. Em Iguala (México), 43 estudantes que participavam de um protesto foram entregues por policiais a uma gangue do narcotráfico. Os que já não estavam mortos por asfixia foram fuzilados pelos traficantes. Antes disso, a manifestação já deixara seis jovens mortos. Michael Brown, de 18 anos, foi assassinado com seis tiros, em uma dúzia de disparos feitos por um policial dez anos anos mais velho, em Ferguson (Missouri, EUA), três meses e meio atrás. Em Ohio, outro estado americano, no penúltimo domingo de novembro, outro policial matou o garoto Tamir Rice, de 12 anos, que levava uma arma de brinquedo.
Não é Coincidência. América afora, o futuro está em perigo. Tão diferentes entre si, Brasil, Estados Unidos e México compartilham (em maior ou menor escala) a fratura exposta do extermínio de jovens pelo crime e, pior, pela violência policial. Os dois primeiros países também têm em comum o perfil racial das vítimas. São quase sempre jovens negros, como Mike Brown e Tamir. De cada dez brasileiros de 15 a 29 anos assassinados, oito (77%) têm pele preta ou parda.
Não foi à toa que a Anistia Internacional pôs na rua, semanas atrás, a campanha #JovemNegroVivo, espécie de grito contra o desaparecimento maciço de uma geração. Por ano, são 30 mil assassinatos na faixa etária que vai da adolescência à primeira fase da vida adulta. A ação, muito bem-vinda, tem mobilizado artistas, personalidades e integrantes do movimento social. É forte na web, mas ainda não ganhou o mundo real.
O México teve um dia histórico de manifestações contra o desaparecimento dos estudantes de Iguala, no 20 de novembro, que no Brasil marca o Dia da Consciência Negra. Cento e cinquenta universidades públicas e privadas pararam. No mesmo dia, em San Francisco (Califórnia, EUA), a colônia mexicana se reuniu, sob chuva, no fim da tarde escura do quase inverno americano para protestar contra a morte dos jovens. Num cartaz, a frase “Todos somos 43”. Eu vi.
Na noite da segunda-feira, 24, os EUA eclodiram em passeatas contra a decisão do júri de não indiciar o policial que matou Mike Brown. Em Nova York, manifestantes entraram a madrugada marchando pelas principais ruas de Manhattan, de Times Square a Canal Street. Braços erguidos, jovens de todas as cores (principalmente, negros) caminharam no meio do trânsito, repetindo o grito cunhado após o assassinato do adolescente: “Hands up, don’t shoot” (“Mãos para o alto, não atire”). Eu vi.
A sociedade brasileira parece não se importar com o extermínio de seus filhos. A aguda mazela passou ao largo da corrida presidencial. As mortes por homicídio (e também em acidentes de trânsito), de tão frequentes, já interferem na esperança de vida dos homens. O IBGE, anteontem, informou que de cada mil garotos que chegarem aos 15 anos, 22 morrerão antes de completar 25; de mil que fizerem 25, 180 não chegarão aos 60. Um rapaz de 22 anos tem quase cinco vezes mais chances de morrer antes dos 23 que uma moça da mesma idade. Aqui, falta indignação.
Acesse o PDF: Extermínio de jovens pelo crime e pela violência policial, por Flávia Oliveira (O Globo, 03/12/2014)