(Folha de S. Paulo, 09/12/2014) Numa iniciativa inédita, o Ministério Público Federal de São Paulo resolveu recorrer à Justiça para combater o milionário mercado de aluguel de horários da programação de canais de rádio e TV.
O órgão mira as emissoras que lucram arrendando nacos de sua grade, as igrejas com forte presença midiática e o governo federal, responsável por fiscalizar o setor.
Em duas ações civis públicas protocoladas no dia 28, a Procuradoria lista acusações contra a Rede 21 (UHF do grupo Bandeirantes), a TV CNT e a Igreja Universal do Reino de Deus, além de seus respectivos representantes legais.
A Presidência da República e o Ministério das Comunicações também são citados.
A Rede 21, o vice-presidente da Band Paulo Saad Jafet e o superintendente de operações e relações com mercado José Carlos Anguita são acusados de violar normas do Código Brasileiro de Telecomunicações, regulamentações do setor e a Lei Geral de Telecomunicações ao firmarem contrato que concede 22 horas diárias da programação da emissora à Igreja Universal.
Assinado em outubro do ano passado pelo pastor Maurício Cesar Campos Silva, o contrato marca um dos mais importantes capítulos da disputa das neopentecostais por espaço na TV.
Desde 2008 a Rede 21 era quase 100% alugada à Igreja Mundial do Poder de Deus, concorrente que nos últimos anos mais tirou fiéis da instituição de Edir Macedo.
Comenta-se no mercado que a igreja liderada por Valdemiro Santiago teria perdido o púlpito eletrônico para a Universal após dar calotes milionários nos donos da Band.
O Ministério Público diz que o contrato Rede 21-Universal é ilegal, pois caracteriza alienação da concessão pública. Para reforçar a acusação, os procuradores que assinam a ação citam pareceres dos juristas Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato.
“A outorga foi conferida à Rede 21, que promoveu sua transferência à Universal sem a observância de qualquer certame licitatório (…) A concessão da radiodifusão acabou sendo atribuída a entidade que não participou de concorrência”, diz a ação.
Os procuradores afirmam que, mesmo que seja interpretado como publicidade, o contrato seria irregular porque a legislação limita a propaganda a 25% da programação. A entrega de 22 horas diárias extrapolaria esse teto e configuraria “enriquecimento sem causa”, delito previsto no Código Civil.
PRÁTICA COMUM
Globo e SBT não alugam horário. Mas, sem veto explícito na lei, a prática tornou-se comum no mercado, também com empresas de televenda e entidades sindicais como locatárias. São casos diferentes da produção independente, prevista em lei, em que a emissora remunera o responsável pelo programa.
Na ação contra a Rede 21 e a Universal, o Ministério Público pede a invalidação da outorga e a declaração de inidoneidade dos envolvidos, impedindo-os de participar de novas licitações.
Pede também que indenizem a União e sejam condenados por danos morais. No fim, pleiteia provisoriamente a decretação da indisponibilidade dos bens dos citados e a suspensão da transmissão da Rede 21.
Uma segunda ação, questionando contrato que também concede 22 horas diárias à Universal, foi protocolada contra emissoras do Grupo CNT (controlado pela família Martinez, de José Carlos Martinez, presidente do PTB morto em 2003), seus responsáveis legais e a igreja. São pleiteadas as mesmas sanções.
Há ainda uma ação sobre o arrendamento da Rádio Vida, de São José dos Campos, à Comunidade Cristã Paz e Vida.