(Folha de S.Paulo, 03/01/2015) Da sua casa na Baixada Fluminense, a aposentada Valdicéia França, 63, não consegue falar com a filha, Mirian França de Mello, 31, desde que ela foi presa na última segunda (29), no Ceará, suspeita de envolvimento no assassinato da italiana Gaia Molinari.
Ela foi encontrada morta, no dia 25, estrangulada, em Jericoacoara, no litoral cearense. Mirian, que viajava com Gaia, cumpre prisão preventiva por 30 dias, por contradições em seus depoimentos, segundo a polícia.
“Tentei falar com ela por telefone, mas dizem que não podem passar a ligação ou recados. Os policiais viram uma neguinha, pobre, turista e ficou fácil colocar a culpa nela”, disse Valdicéia à Folha.
“Se fosse minha filha morta, será que a italiana estaria presa? É racismo. A delegada disse que vai manter minha filha presa até que ela colabore. O que significa isso? Querem forçar ela a confessar um crime que sei que nunca faria”, completou.
A Folha não conseguiu localizar um representante da polícia cearense para comentar o assunto.
A última vez em que falou com Mirian, no Natal, a filha fez um pedido de oração. “Ela me disse: mãe, estou muito mal, uma amiga minha morreu. Ore por mim e pela alma dela. Eu vou agora em um centro espírita rezar por ela também”, relembrou.
Estudante de doutorado no Instituto de Microbiologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Mirian morava sozinha desde os 20 anos, quando passou no vestibular do curso de Química, da mesma universidade.
Até os 29 anos, morou no alojamento da UFRJ, voltado a alunos de baixa renda. Há dois anos, passou a dividir apartamento com Raquel Albuquerque, 27, colega do curso.
“Ela me convidou para viajar, mas eu estava sem dinheiro e não fui”, disse Raquel.
Segundo a amiga, enquanto prestava depoimento, Mirian chegou a conversar com ela por mensagem de celular. “Ela me disse que na véspera de Natal estava esperando a Gaia voltar para Jericoacara para irem até Canoa Quebrada, mas Gaia não apareceu, nem para jantar”, afirmou.
“A prenderam por causa da cor da pele. A única coisa que pesa contra ela é o fato de ser negra. É uma discriminação.” Até o momento, Mirian ainda não constituiu advogado.
A professora Maria Bélio, orientadora de Mirian na UFRJ, disse que a universidade está em contato com defensores públicos em Fortaleza, que devem assumir o caso.
“É uma aluna aplicada, estudiosa. Sabemos que pela índole da Mirian, jamais cometeria um assassinato.”
Bruna Fantti
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