Especialista fala sobre fatores que levam à violência doméstica

25 de janeiro, 2015

(Revista Psique, 25/01/2015) Maria Amélia Azevedo, pedagoga, advogada, educadora e psicóloga, dedica sua vida profissional e acadêmica a estudar o fenômeno da violência doméstica contra mulheres e crianças

Violência, uma relação assimétrica de poder, caracterizada, num polo, pela dominação, e, no outro, pela coisificação, resultante e complementar. Uma violação do direito à liberdade, do direito de ser sujeito constituinte de sua própria história. A violência doméstica (VD) é uma das modalidades mais frequentes e, invariavelmente, traz consequências devastadoras para a vida da vítima, tanto no aspecto físico, como, e talvez principalmente, psicológico.

A pedagoga, advogada, educadora e psicóloga Maria Amélia Azevedo dedica sua vida a entender esse fenômeno e transmitir seu conhecimento. Para ela, violência doméstica ou familiar, especialmente contra a mulher, é uma forma específica de violência interpessoal, perpetrada pelo homem e dirigida à esposa ou companheira, seja como um fim em si (violência expressiva) ou como mecanismo de dominação e controle (violência instrumental).

“O conceito de violência, com o qual trabalho, permite compreender que, quando há violência, as relações entre seus protagonistas são, necessariamente, relações de poder, com polos complementares de dominação e submissão. É importante perceber que se trata de um fenômeno multicausal e extremamente complexo. E, além disso, não escolhe meio social, idade, escolaridade ou qualquer outra característica. Tratase de uma ocorrência virulentamente democrática”, resume. A especialista também ressalta os estragos causados pela violência doméstica contra as crianças, adolescentes e idosos.

“É uma realidade que ninguém aceita. A verdade é que a pessoa se submete, seja na esperança (vã) de que a violência passe, como se fosse uma gripe, seja quando não consegue enxergar e/ou trilhar outro caminho”. Maria Amélia possui graduação em Pedagogia, pela Faculdade de Educação; em Direito, pela Faculdade de Direito; e doutorado em Orientação Educacional, pela Faculdade de Educação, todos pela Universidade de São Paulo. Foi professora livre-docente e titular pelo Instituto de Psicologia da mesma universidade e tem experiência na área de Educação, com ênfase em Psicologia do Ensino e da Aprendizagem, atuando, principalmente, nos seguintes temas: Infância, Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes – VDCA (especialmente, de natureza sexual e psicológica) e Cultura e Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes.

É autora de 11 livros na área da Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes (VDCA) e coordenou, de 1994 a 2007, o Telecurso de Especialização na Área da Violência contra Crianças e Adolescentes, ministrado pelo LACRI/IPUSP (Laboratório de Estudos da Criança/Instituto de Psicologia da USP), uma experiência na área de Educação à Distância, para profissionais de nível universitário.

Maria Amélia Azevedo pedagoga, advogada, educadora e psicóloga, dedica sua vida profissional e acadêmica a estudar o fenômeno da violência doméstica contra mulheres e crianças (Foto: Reprodução)

Quais os principais fatores que podem levar à violência doméstica e o que a caracteriza? Seriam as relações de poder e dominação? Como identificar que a violência doméstica está ocorrendo? 

Maria Amélia: A violência doméstica (VD) é um problema social e individual. Portanto, seus condicionantes são tanto societários quanto pessoais. Os principais estão ligados a como cultura e sociedade – no tempo e no espaço – constróem relações sociais de gênero e geração. O conceito de violência, com o qual trabalho, permite compreender que, quando há violência, as relações entre seus protagonistas são, necessariamente, relações de poder, com polos complementares de dominação e submissão. A VD é um fenômeno que acontece no convívio do privado. Sua ocorrência só pode ser identificada se houver quem interprete seus múltiplos sinais. É importante perceber que se trata de um fenômeno multicausal e extremamente complexo.

A casa é, normalmente, o refúgio sagrado das pessoas em relação aos imensos problemas que enfrentam do lado de fora. Quais as consequências psicológicas para quem é vítima de violência dentro da própria casa? 

Maria Amélia: Essa é uma versão idílica e ideológica de casa. Em realidade, a casa pode ser um local muito perigoso e pouquíssimo seguro para os fracos de poder nela residentes (família). Imagine o que é conviver 24 horas, submetendo-se a um agressor. As consequências psicológicas são inúmeras e graves, podendo ir de estresse, à depressão e, até mesmo, ao suicídio e/ou homicídio. A morte – de uma forma ou de outra – está à espreita no final do túnel da VD.

Há como perceber um companheiro que possa se tornar violento no futuro? 

Maria Amélia: Sim. É possível desconfiar, muito cedo, num relacionamento, seja ele do tipo “ficar”, namorar, noivar e outros formatos. Para isso, é preciso conhecer e refletir, criticamente, sobre os “estilos de cantada”. Pensando no Machão Brasileiro, sempre de plantão, escrevi uma crônica a respeito. Vale a pena conferi-la, no Portal de Referência (em questões de Violência de Gênero e Geração), que coordeno: www.recriaprojetos.com.br.

Do ponto de vista psicológico, por qual motivo alguém aceita ser vítima de violência? Por que há inúmeros casos de mulheres que apanham muito, mas não dão queixa ou procuram ajuda e, também, não deixam o companheiro?

Maria Amélia: Ninguém, ninguém mesmo, aceita. A verdade é que a pessoa se submete, seja na esperança (vã) de que a violência passe, como se fosse uma gripe, seja quando não consegue enxergar e/ou trilhar outro caminho. É verdade que mulheres espancadas podem não dar queixa e/ou procurar ajuda, nem deixar o companheiro. São as que, às vezes, vão à delegacia, mas não formalizam a queixa crime. São as que, colocadas em abrigos protetivos, acabam dando um “ jeitinho” de chamar o agressor de volta. A explicação é simples: desamparo aprendido, uma atitude diante da vida e que, muito frequentemente, faz parte da educação do “gênero desigual”.

Como se libertar dessa situação? 

Maria Amélia: Por intermédio de uma política consistente de educação Familiar e educação Escolar, de que faça parte a discussão crítica das relações sociais de gênero e geração igualitárias (entre homens e mulheres/adultos e crianças/ adolescentes). O empoderamento das mulheres, para sentirem e agirem como primeiro e não como segundo sexo, é uma conquista que ainda não se completou, mas que é necessária para libertar as vítimas da violência doméstica.

Os amigos e familiares têm algum papel nesse caso? Como ajudar alguém que sofre com esse problema? 

Amélia Maria: Sim, a família pode ajudar muito, evitando julgar a vítima, oferecendo apoio para empoderamento, seja em questões financeiras, legais, psicológicas etc.

O sentimento machista, muito mais arraigado na sociedade de anos atrás, não colaborou para formar homens com mentes violentas? 

Maria Amélia: Não trabalho com o sentimento machista, apenas, mas com algo mais amplo e radical: a identidade masculina e que, no imaginário social, é tecido com as palavras ‘Macho Viril’ e as respectivas “qualidades” reconhecidas desde a Antiguidade Grega (no termo Andreia) e Romana (no termo Vir). Pesquisando em inúmeros dicionários, dois autores – G. Falconnet e Nadine Lefancheur – construíram o seguinte quadro, que sumariza as qualidades que o ‘Macho Viril’ deve possuir para ser Homem, com H maiúsculo, e as que não deve possuir, se não quiser ser um homúnculo. Algumas que deve possuir (homem com H): ativo, audacioso, corajoso, eficaz, enérgico, firme, forte, valoroso, poderoso, resoluto, vigoroso, viril, dentre outras. Algumas que não deve possuir: doce, fraco, hesitante, amedrontado e tímido, que representam efeminado e impotente. Por trás das qualidades “necessárias”, está a mente violenta (“vigorosa”), que discuto no trabalho O Macho Violentador (Portal de Referência, www.recriaprojetos.com.br). Nele, mostro como continua presente entre nós essa herança maldita (o machão brasileiro), que, de bom grado e com a tolerância social a seu lado, se submete a imperativos másculos, dignos do “homem de Marlboro”. Esse “cavalheiro de triste figura” não existiria se não houvesse, em nossa sociedade, uma convivência confortável com a violência dirigida às mulheres e com a dificuldade do homem em lidar com sentimentos.

É possível se libertar por intermédio de uma política consistente de educação familiar e educação escolar, da qual faça parte a discussão crítica das relações sociais de gênero e geração igualitárias. O empoderamento das mulheres, para sentirem e agirem como primeiro e não como segundo sexo, é uma conquista que ainda não se completou, mas que é necessária para libertar as vítimas da violência doméstica

Hoje, a mulher conquistou um espaço de destaque (antes, era submissa ao marido). Isso pode ter colaborado para o aumento desse sentimento machista ou esse é um comportamento enraizado na cultura do passado?

Maria Amélia: Os homens parecem querer acreditar que as “dificuldades de relacionamento” são devidas à “evolução social da mulher”. Não creio. Acho que isso pode ter um papel, mas não de protagonista. As dificuldades se devem à permanência de um padrão não igualitário de relações sociais de gênero (que ocorre mesmo quando há mulheres profissional e socialmente bem-sucedidas).

Em sua análise, o ditado “tapa de amor não dói” traduz o fato de que muitas pessoas acham que agressões podem ser provas de amor? 

Maria Amélia: Não creio. Em minha concepção, tapa de amor dói e seus protagonistas sabem disso muito bem. A verdade é que, para algumas pessoas, com autoestima demasiadamente rebaixada, até a violência do tapa pode ser reinterpretada como sinal de atenção, a qual precisam desesperadamente.

Existe um perfil psicológico de família, que tem mais chances de sofrer de violência doméstica, ou é um problema que pode atingir a todos? 

Maria Amélia: Teoricamente, a violência doméstica é, virulentamente, democrática, podendo ocorrer em famílias de qualquer classe social, etnia, credo religioso etc. Empiricamente, sabe-se que há condições de risco, sendo uma das mais importantes, uma hierarquia familiar rígida e centralizadora, tipo autocracia familiar.

Muitas mulheres deixam suas casas em função da violência doméstica. Essa não é uma lógica perversa, na qual as vítimas são obrigadas a mudarem, radicalmente, suas vidas, inclusive, de moradia? 

Maria Amélia: Sem dúvida. Essa lógica é perversa e não deve prevalecer na sociedade. Os movimentos de mulheres sempre lutaram para que, em casos de violência, quem deixe a casa seja o agressor. No entanto, infelizmente, não é o que acontece na totalidade dos casos.

Há certo conceito que diz que a mulher, que aceita essa situação com o companheiro, teve um pai violento, ou seja, vivenciou a mesma realidade. Isso procede? Essa vivência não deveria fazer com que ela reagisse, exatamente, de forma contrária? 

Maria Amélia: Nem sempre existe um pai violento na história de uma vítima de violência doméstica. Às vezes, nem existe pai real, o que pode levar a vitima a buscá-lo em relacionamentos inadequados. A vítima só reage contra a VD se encontrar condições favoráveis, em si, e no contexto próximo.

Há violência física, como surras e agressões sexuais, e psicológica, como assédio moral. O que traz consequências mais graves para a mulher?

Maria Amélia: A consequência mais grave de todas é a morte que pode ser por assassinato (possível em casos de VD física) ou por suicídio (geralmente em casos de VD psicológica e/ou sexual).

Quais as formas mais comuns de violência doméstica? 

Maria Amélia: As maneiras mais frequentes de violência domésticas podem ser divididas em três grupos: a) abuso sexual – quando o homem assedia, sexualmente, a mulher, em momentos inoportunos; caçoa da sexualidade da mulher; acusa-a de infidelidade; ignora ou nega as necessidades e sentimentos sexuais da mulher; critica seu corpo e sua maneira de fazer amor; toca-a de modo não agradável para ela; força-a a tocá-lo ou a olhar o que ela não deseja; retira-lhe todo e qualquer momento de amor e carinho; chama-a de “puta” e de “frígida”, alternadamente; exige o sexo constantemente; força a mulher a desnudar-se, às vezes, diante dos filhos; sai com outras mulheres; exige sexo por meio de ameaças; força a mulher a fazer amor com outros homens; sente prazer em causar dor à mulher, durante o ato sexual; exige sexo depois de haver espancado a mulher; usa objetos ou armas sexualmente, com o propósito de causar dor à mulher; homicídio; b) abuso físico – quando o homem belisca a mulher; empurra e imobiliza; sacode e dá empurrões; esbofeteia, agarra pelos cabelos; aperta, deixando marcas em seu corpo; dá socos e/ou pontapés; aperta o pescoço, atira objetos; repetição de qualquer ato anterior; golpeia em partes específicas do corpo; transforma objetos da c asa em a rmas de a gressão; imobiliza e golpeia; Faz a mulher abortar; deixa-a de cama; produz cortes, que demandam suturas; quebra ossos produz feridas internas; agride com armas (pistolas, facas, veneno etc.); deixa a mulher desfigurada ou deficiente; homicídio; c) abuso psicológico (emocional) – caçoa da mulher; insulta; nega seu universo afetivo; jamais aprova as realizações da mulher; grita com ela; insulta repetidamente (em particular); culpa a mulher por todos os problemas da família; a chama-a de “louca”, “puta”, “estúpida” etc; ameaça com violência; critica a mulher como mãe, amante e profissional; exige toda atenção dela, competindo com os filhos; critica a mulher reiteradamente (em público); conta-lhe suas aventuras com outras mulheres; ameaça a mulher com maus-tratos para os filhos; diz que fica com a mulher apenas porque ela não pode viver sem ele; cria um ambiente de medo; faz com que a mulher fique desesperada, sofra depressão e/ou apresente outros sintomas de enfermidade mental; suicídio.

O machão brasileiro continua entre nós, que, de bom grado e com a tolerância social ao nosso lado, nos submetemos a imperativos másculos. Esse “cavalheiro de triste figura” não existiria se não houvesse, em nossa sociedade, uma convivência confortável com a violência dirigida às mulheres e com a dificuldade do homem em lidar com sentimentos

Somente as mulheres e crianças são vítimas de violência doméstica ou há casos de homens que também sofrem com o problema? 

Maria Amélia: Embora mais raros (de fato) e porque menos notificados às autoridades, há casos de vítimas do sexo masculino. Não esquecer que também idosos (de ambos os sexos) podem ser vitimizados no âmbito doméstico.

Que mecanismos psicológicos agem sobre os homens, que são vítimas de violência? 

Maria Amélia: Os mesmos que a vitimologia reconhece em qualquer vítima (sofrimento psíquico), acrescidos de vergonha e culpa, dada a inversão de papéis reconhecida pela sociedade.

Ainda no caso dos homens, a maior incidência de violência é psicológica ou física? 

Maria Amélia: Não tenho dados a respeito. Relatos impressionistas indicam violência física, em casos de homens fragilizados por doenças, bebida etc.

Em relação às crianças, o que leva os pais a maltratarem os filhos? 

Maria Amélia: A violência doméstica ou familiar contra crianças e adolescentes (VDCA) é uma forma específica de violência interpessoal, perpetrada por pais ou responsáveis, contra crianças e/ ou adolescentes sob sua responsabilidade, reduzindo-os à condição de objetos. É impropriamente chamada de maus-tratos (por influência internacional), pois esta expressão é ambígua (o que é um bom/mau trato?), camufla toda a violência implícita. Conhecida, também, como vitimização, por se tratar de um processo de fabricação familiar de vítimas. Teria razão Émile Zola, ao defender a ideia de que “até mesmo o cidadão mais civilizado traz em si uma fera selvagem?”. Se for verdade que a possibilidade de violência é humana, será fácil entender esse fato: “Carolina Maria de Jesus: ‘Era 6 e meia quando o João apareceu. Mandei ele acender o fogo. Depois, dei-lhe uma surra com uma vara e uma correia. E rasguei-lhe os gibis desgraçados. Tipo de leitura que eu detesto. Tem dia que eu gosto dos meus filhos. E tem dia que, se eu pudesse, queria picá-los e repicá-los’”. Esse relato está em Quarto do Despejo: Diário de uma favelada, de Francisco Alves. Carolina era uma catadora de papel, que escrevia, nos seus diários, o dia a dia de uma vida de grande miséria e problemas sem conta. O que ela nos diz é o que todo estudioso de VDCA sabe: “Se já é difícil ser mãe, pior ainda na pobreza”. A surra – de vara e correia –, certamente, é uma violência doméstica praticada com a duvidosa intenção de educar o filho e prevenir problemas futuros. Ilustra uma das possíveis motivações para “maltratar os filhos”, embora mereça, sempre, o seguinte questionamento: se bater num adulto é agressão; se bater num animal é crueldade, por que bater numa criança é educação? Os porquês da VD são múltiplos e variados, conforme a respectiva modalidade. Em qualquer caso, porém, absolutamente injustificáveis.

Os homens parecem querer acreditar que as “ dificuldades de relacionamento” são devidas à “evolução social da mulher”. Não creio. Acho que isso pode ter um papel, mas não de protagonista. As dificuldades se devem à permanência de um padrão não igualitário de relações sociais de gênero

Como e por que ocorre o abuso sexual? 

Maria Amélia: Pesquisa realizada com agressores sexuais, apenas do Estado de São Paulo (2007-2008), revelou que, para a maioria dos 30 indivíduos entrevistados, “o fato de vitimizarem o(a) filho(a) ou enteado(a) está relacionado a uma causa externa, a qual “não conseguiram controlar ou ter domínio”. Assim, colocam- se na condição de “vítimas da sedução da vítima, do álcool, de um trauma ou de impulso”. A mesma pesquisa mostrou que esses sujeitos têm uma representação adultificada da criança e muita dificuldade em entender a infância como fase peculiar do desenvolvimento humano, credora de cuidados e não de abusos.

E os maus-tratos psicológicos, como superar o problema? 

Maria Amélia: A violência psicológica é considerada uma das piores formas de tortura psíquica, porque ocorre quando o(a) agressor(a), constantemente, deprecia a criança ou adolescente, bloqueando seus esforços de autoaceitação, tão importantes no desenvolvimento da personalidade. Preconceito e discriminação contra o(a) jovem são suas raízes. O filme Preciosa mostra uma trágica dinâmica desse tipo, entre mãe (agressora) e filha (negra, feia e também vítima de violência sexual, praticada pelo pai). O filme mostra a trajetória de libertação da jovem, a partir do apoio conseguido de uma professora alfabetizadora, uma personagem lésbica. Vale a pena assistir. É preciso lembrar, também, que, no Brasil, já está em vigor a Lei 13010, de 26/06/2014, impropriamente chamada de Lei da Palmada ou Lei do Menino Bernardo. Seu artigo 1º proíbe “tratamento cruel ou degradante como forma de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis…” e define o que se deve entender por essa prática, em seu parágrafo único. Estabelece as medidas cabíveis para agressores e vítimas, incluindo, neste último caso, o “encaminhamento obrigatório a tratamento especializado”. Portanto, o caminho é o da denúncia, em casos suspeitos ou comprovados.

Crianças vítimas de maus-tratos levam traumas para o restante de suas vidas? 

Maria Amélia: Eu diria que essas crianças levam cicatrizes, mais ou menos profundas, conforme as condições da vítima, do agressor, duração da violência, ausência de resposta válida à revelação da mesma, modalidade de violência doméstica, ausência de uma pessoa confiável que funcione como “amigo qualificado”, entre outros aspectos.

Por sua experiência, existem condições para afirmar quem mais maltrata os filhos, o homem ou a mulher? Por quê? 

Maria Amélia: Sim, existem condições, mas, na verdade, essa avaliação depende da modalidade de VDCA.

Normalmente, a partir de que idade a criança começa a ser maltratada ou não há um perfil neste caso?

Maria Amélia: Desde que nasce e, às vezes, antes. Conforme a modalidade de VDCA, variam a “idade preferencial” e, também, o sexo da vítima.

Como avalia a existência de crianças que maltratam outras crianças? Existe o registro de algumas muito perversas. 

Maria Amélia: Sim, a perversidade faz parte do mundo infantil, que, por isso mesmo, não deve ser idealizado. Quando do lançamento da novela das 9, da Rede Globo, Viver a vida, seu autor foi notificado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, para que “tivesse cuidado, ao criar personagens com atores mirins”. Na trama, Rafaela é uma vilã. O mundo infantil também não deve ser demonizado. A realidade é que existem as chamadas “crianças perversas”, geralmente perigosas, porque não têm sentimento de culpa nem empatia com os outros (crianças ou não). Do ponto de vista médico, são, provavelmente, crianças com psicopatia ou, mais modernamente, transtornos de conduta. São crianças que manipulam, mentem e podem até matar, sem se sentirem culpadas. Embora alguns de seus “comportamentos malvados” (por exemplo, crueldade com animais) possam se manifestar em vítimas de VDCA, avanços na Neurologia mostram alterações cerebrais. Seu sistema límbico (responsável pela empatia e solidariedade) estaria desconectado do restante, explicando muito da respectiva personalidade antissocial.

Lucas Vasques

Acesse no site de origem: Especialista fala sobre fatores que levam à violência doméstica (Revista Psique, 25/01/2015)

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