(Brasil Post, 25/02/2015) “Zuckerberg, Gates, Thiel, Musk — these are our Carnegies and Morgans and Rockefellers, whose names will be on museum wings and university halls 100 years from now. And there’s not a female among them”, diz um trecho de uma reportagem de capa da revista americana Newsweek publicada no começo de fevereiro. Com a manchete “O que o Vale do Silício acha das mulheres”, a repórter Nina Burleigh faz um panorama de um setor que, apesar de toda a filosofia de vanguarda, ainda tropeça nos já ultrapassados “clubes do Bolinha”.
Durante toda a minha carreira como repórter cobri duas editorias nas quais mulheres são minoria: games e tecnologia. Sempre gostei do trabalho de apurar, essência da reportagem, mas eram as entrevistas que mais me inspiravam. Não sei vocês, mas eu simplesmente adoro conhecer gente incrível. É como se eu pudesse absorver um pouquinho daquele conhecimento nos minutos ou horas de contato com o entrevistado. Em alguns casos, juro, saí de uma entrevista achando que poderia virar cientista, física, filósofa e até matemática. HAHA
Como sempre garimpei personagens, comecei a reparar que toda pessoa incrível que ocupava algum cargo bacana em alguma empresa inovadora e descolada era do sexo masculino. Foi a partir desse instante que passei a buscar mais mulheres atuantes no mercado da inovação. E para minha tristeza – e não surpresa, infelizmente – elas eram poucas. Pouquíssimas. Algumas não podiam sequer falar com a imprensa como porta-vozes. Outras desistiam no meio do caminho por causa do cenário pouco favorável e extremamente machista relatado com detalhes na reportagem da colega Nina Burleigh.
Talvez seja por conta dessa trajetória profissional (e por causa de todas as vezes que me mandaram para o tanque ao fazer um review de um jogo) que recebi com tamanha felicidade a notícia do Maria Lab, um hackerspace fundado por mulheres. E para mulheres. Para quem não sabe muito bem do que se trata, o hackerspace é um coletivo, normalmente com um ponto de encontro físico, que reúne pessoas com interesses comuns, cujo principal objetivo é o intercâmbio de conhecimento e, consequentemente, o desenvolvimento de projetos. Alguns podem até perguntar – e, de fato, perguntaram – se não seria melhor que as mulheres passassem a fazer parte de outros hackerspaces, criados ou não por membros do sexo feminino. A capa daNewsweek responde a questão.
Oferecer um ambiente simpático à criação no qual gênero não é um contratempo pode funcionar como um incentivo importante para quem deseja colocar em prática um projeto. E é por isso que eu realmente acho a ideia por trás do Maria Lab e de outras iniciativas ao redor do mundo — Girls Who Code, Mothership HackerMoms, Women’s Center for Creative Work, Girls in Tech, entre outras — louváveis e saudáveis em um mercado cujas diretrizes são inovar, pensar fora da caixa e criar produtos e serviços disruptivos. O objetivo de todos esses grupos espalhados pelo planeta não é contribuir para que surjam novas Sheryl Sandbergs e Marissa Mayers (que fique claro: duas mulheres que admiro e que, infelizmente, nunca tive a oportunidade de entrevistar). A meta dessas ativistas é que o próximo Steve Jobs use saias.
Renata Honorato
Acesse no site de origem: Por que o mundo precisa de hackerspaces fundados por – e para – mulheres (Brasil Post, 25/02/2015)