(Folha de S. Paulo, 03/03/2015) A família deve colaborar para que a relação entre homens e mulheres seja mais respeitosa
Presenciei algo na rua que me deixou chocada. Um casal discutiu, e o rapaz, de uns 20 anos, bateu com violência no rosto da namorada e saiu caminhando calmamente, deixando a garota, da mesma idade, chorando na calçada. Um homem aproximou-se para falar com ela, e foi rechaçado com a frase: “Não se meta em minha vida!”.
Todos nós acompanhamos notícias, desde o ano passado, de casos de estupros ocorridos entre colegas em universidades e também do longo silêncio das vítimas. Além disso, creio que muita gente tem conhecimento de que colegas ou amigas já apanharam de seu companheiro.
Caro leitor: se você tem filhos, independentemente do sexo deles, esses fatos precisam afetar você. Com proximidade do Dia da Mulher, é bom refletirmos sobre como a educação familiar pode colaborar para que a relação entre homens e mulheres seja mais respeitosa, sem violência.
Primeiramente, vamos considerar as virtudes e os valores ensinados aos filhos. Alguns valores eles aprendem, mesmo à sua revelia, já que são valores sociais fortes, decisivos em nossa sociedade. Exemplos: o consumo, a competição, o individualismo, a busca da felicidade –em geral e de prazer e de satisfação imediatos– e a manutenção da juventude. Por isso, se você quer que eles sejam comedidos e/ou críticos em relação a eles, precisa ensinar.
As virtudes, essas os mais novos dificilmente aprenderão em outro lugar que não na família e na escola. Esta última, com poucas exceções, tem declinado desse papel. Por isso, resta o empenho dos pais para que os filhos tenham contato, na prática e no convívio familiar, com as virtudes escolhidas pelo grupo.
O amor à vida pode ser considerado uma virtude ampla o suficiente para abarcar o valor da convivência pacífica e empática entre homens e mulheres. Pode parecer óbvio demais pensar em ensinar aos filhos o amor à vida, não é? Mas, em tempos consumistas, em que o descarte não é mais só de objetos, mas também de pessoas e de relacionamentos, e da tirania do presente, insistir nesse tema nunca é demais.
O amor à vida talvez seja o ponto de partida para que os filhos entendam, aprendam e pratiquem a compaixão e a generosidade, por exemplo; para que saibam se conter e esperar condições para conseguir adiar a satisfação e o prazer; e para que consigam praticar a renúncia, mesmo que isso provoque um alto custo pessoal.
É importante ensinar aos filhos que é preciso praticar a ética da boa convivência no relacionamento com as meninas –todas elas– e, mais tarde, com as mulheres –qualquer mulher; e, às filhas, que elas não podem naturalizar o domínio dos homens sobre as mulheres, tampouco se submeter a qualquer tipo de violência física, emocional, psíquica dos homens –qualquer um deles. Isso tem se mostrado fundamental em uma sociedade que valoriza o consumidor tanto a ponto de tornar quase invisível o cidadão.
Precisamos, tanto no convívio pessoal quanto no impessoal, um pouco mais de respeito dos homens para com as mulheres, não é verdade? Claro que precisamos dele em todas as relações, mas hoje enfatizo esse tipo de relacionamento.
É justamente por isso que –seja você mãe ou pai de meninos ou de meninas– cada notícia ou acontecimento de violência de homens contra mulheres diz respeito à você, e a eles também.
Acesse o PDF: Não à violência, por Rosely Sayão (Folha de S. Paulo, 03/03/2015)